Fez uma pausa dramática, dando tempo aos presentes para ficarem convenientemente impressionados.
Ignorando a mão estendida do kender, Ariakan franziu o cenho. Bufando, a Dama da Noite replicou:
— Espiões! Vieram até aqui com o Montante Luzente! Kender, conte para Sua Senhoria o verdadeiro motivo da tua presença!
— Estou tentando — retrucou Tas, sentindo-se ofendido na sua dignidade. E virando-se para Ariakan: — É possível que não saiba, mas sou um kender do Mal. Sim, por isso estou aqui, para oferecer os meus préstimos à Rainha das Trevas. A Takhisis alterou a minha vida. Agora, sou um grande mauzão. Se quiser, faço uma maldade. Olhe para isto!
Tas fugiu rapidamente. Vários cavaleiros tentaram agarrá-lo, mas o kender era muito ágil. Atravessou a sala como um raio, dando pulos e esquivando-se dos cavaleiros.
— Vou matar este Veste Branca para você! — disse.
Sacando de uma pequena adaga, fingiu que apunhalava Palin no estômago. Desviando a lâmina, o kender cortou as cordas que prendiam os pulsos do mago.
— Pega! — gritou, atirando a adaga a Palin.
Aturdido, apanhado de surpresa, com as mãos e os dedos entorpecidos devido às cordas que os prendiam, Palin tentou atabalhoadamente pegar a faca, conseguindo-o.
Ouviu-se o retinir de espadas. O cavaleiro que mantivera Steel preso, virou-se para Palin.
Tasslehoff trepou para cima da mesa e arremessou-se sobre as costas do cavaleiro. Agarrando no elmo do homem com ambas as mãos, Tas baixou-o até os olhos. O golpe de espada que teria morto Palin, falhou o alvo. O cavaleiro perdeu o equilíbrio e ele e Tas rolaram pelo chão.
Outros cavaleiros acudiram.
— Duro como o gelo! — soou a voz de Usha, erguendo um cristal transparente e cintilante.
Os braços que empunhavam as espadas ficaram hirtos, os pés permaneceram imóveis e as bocas escancararam-se. O frio gélido da magia dos Irdas percorreu os cavaleiros das trevas, envolvendo-os em magia gelada.
Todos exceto Steel. Quem sabe se a jóia o protegia, quem sabe se a espada, quem sabe se a influência sinistra da mãe. De todos os cavaleiros que se encontravam na sala, só ele conseguia mover-se.
De faca na mão, Palin encostou-se à mesa e olhou para Steel, com uma expressão de incerteza.
— Somos primos — disse. — Salvou-me a vida. Não quero lutar contigo.
Usha precipitou-se para o lado dele. Numa das mãos, segurava o cristal e na outra, a miniatura de um cavalo branco.
— Porque não se junta a nós? Venha conosco! Eles também pretendiam matá-lo!
Perturbado, Steel franziu o cenho. Tinha a espada meio embainhada.
— O meu suserano é justo — disse.
— Uma ova que é! — praguejou Palin, avançando com a adaga em riste e obrigando Steel a recuar. — Quer morrer, seu covarde, seu grande covarde! Tem medo de viver!
Olhando-o ameaçadoramente, Steel voltou a embainhar a espada.
Cauteloso, Palin baixou a adaga.
— Vem...
Steel precipitou-se para a frente e, segurando pelo pulso a mão de Palin que empunhava a faca, empurrou-o e bateu com a mão do mago contra a mesa de pedra.
A mão golpeada sangrava, mas Palin apertou, desesperado, a única arma que possuía. Steel voltou a bater-lhe com a mão na mesa. Palin arquejou de dor e soltou a adaga. Esta tombou com estrépito no chão.
Uma explosão — ensurdecedora, de fazer parar o coração — veio abalar a Torre da Feitiçaria Suprema até os alicerces. O chão vibrou. As paredes estremeceram, abrindo fendas. O cristal escorregou da mão de Usha e caiu na mesa de mármore, despedaçando-se. O encantamento quebrara-se.
— O que... — começou Ariakan.
Outro ribombo terrível sacudiu a torre e muitos dos cavaleiros tombaram de quatro. Steel cambaleou para trás e foi bater em Palin que, num gesto instintivo, se chegou a ele, para que ambos se equilibrassem.
— Alguém vá ver o que se passa! — rugiu Ariakan. — Estamos sendo atacados?
Alguns dos homens puseram-se a correr para as saídas, a fim de cumprirem as ordens de Ariakan. Outros, mantiveram-se junto dos prisioneiros.
— Meu senhor? Onde está o meu senhor Ariakan? — Um jovem escudeiro, com os olhos esbugalhados de pavor, ia abrindo caminho, aos empurrões e encontrões, por entre a amálgama de gente.
— Estou aqui! — gritou Ariakan, tentando que o tumulto lhe não abafasse a voz.
— Meu senhor! — O escudeiro mal conseguia respirar. — A torre... foi atingida por raios! Duas vezes, meu senhor! Que faíscas horríveis! Nunca na vida vi coisa assim! Fenderam os céus e tombaram como lanças arremessadas! Atingiram-nos duas vezes! — repetiu, apavorado, de si para si. — E exatamente no mesmo lugar! Eu... eu...
Engoliu em seco, procurando recuperar o fôlego.
— Dragões, meu senhor! — prosseguiu. — Centenas deles... Dourados, prateados...
— Estamos sendo atacados! — declarou Ariakan em tom soturno, desembainhando a espada.
— Não, meu senhor! — A voz do escudeiro não passava de um cochicho rouco e todos à volta se calaram para poderem ouvi-lo. — Há dragões vermelhos voando com os dourados, e os azuis lado a lado com os prateados. A norte, um fulgor terrível ilumina o céu, um medonho clarão avermelhado que brilha e está a alastrar, como se todas as árvores das grandes florestas do Norte tivessem irrompido em chamas. Consegue sentir-se o cheiro...
Através do portão aberto, rodopiaram gavinhas e tufos. Ouviu-se novo ribombo e mais um abalo fez tremer a Torre da Feitiçaria Suprema. Um candelabro desprendeu-se de uma parede, caindo com estrépito no chão e apagando a tocha. A ponte levadiça de ferro rangeu e as correntes balançaram-se de um lado para o outro. Nuvens sufocantes de poeira começaram a tombar do teto. Alarmados, os cavaleiros entreolharam-se. Eram homens de bravura, ninguém duvidava da sua coragem, mas não suportavam a idéia de serem soterrados vivos.
Palin e Usha permaneciam lado a lado, cingindo-se com os braços. Tasslehoff, que fora agarrado por um dos cavaleiros, estrebuchava, tentando libertar-se do abraço do captor.
— Deixe-me ver! — suplicava o kender. — Por favor, por favor! Depois pode me matar! Juro! Palavra de honra! Mas largue-me e deixe-me ver!
Steel olhava fixamente para a Dama da Noite.
— A torre... atingida por raios... — murmurou.
O Senhor de Ariakan já se pusera a distribuir ordens rápidas e mandara que as tropas se retirassem das alcovas e se dirigissem, a toda a pressa, para as escadas mais próximas.
— Convoquem os meus comandantes para uma reunião! — ordenou. Ia andando de um lado para o outro enquanto falava, rodeado pelos ajudantes e tenentes. — Quero relatórios de todos sobre o que viram e ouviram. Eu mesmo falarei com os dragões. Mandem chamar o Senhor da Caveira.
— Meu senhor, que faremos com os prisioneiros? — perguntou alguém. Ariakan fez um gesto impaciente com a mão.
— Não...
— Mate-os, meu senhor! — guinchou a Dama da Noite, chegando ao arrojo de segurar no braço de Ariakan. — Mate-os já! Eles... são a causa! Li nas pedras divinatórias!
Impaciente, Ariakan desenvencilhou-se da mulher.
— Lillith, que a nossa Rainha te ature, mais as tuas pedras videntes! Saia da frente! — Dizendo isto, empurrou-a para trás.
A Dama da Noite tentou manter o equilíbrio, mas o Bastão de Magius enrodilhou-se nos pés e a fez tropeçar. Tombou de costas no chão, ficando por baixo de uma das pontes levadiças de ferro, utilizadas para encurralar os dragões.
Outro ribombo ensurdecedor repercutiu-se pela torre. As pontes levadiças, que se tinham desprendido devido às ondas de choque das explosões anteriores, soltaram-se das amarras e desabaram.