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Usha instalou-se na cadeira onde, outrora, a Dama Crysania se sentara. Perscrutando o éter, Raistlin tentou vislumbrar o rosto de Crysania. As sombras ocultavam-no. Abanando a cabeça, virou-se de novo para a janela.

— Que estranho fulgor é aquele a brilhar no Norte? — perguntou.

— O oceano Túrbido está em chamas — replicou Dalamar.

— O quê!? — exclamou Palin, sobressaltado, dando um pulo da cadeira. — Como é possível?

— Quero ver! — interveio Tas, aproximando-se da janela.

As trevas envolviam o céu noturno, exceto a norte, onde se esparramava um pavoroso clarão vermelho-alaranjado.

— O mar em chamas! — exclamou Palin, apavorado. Tas suspirou.

— Quem me dera poder ver! — disse.

— Talvez ainda vá a tempo. — Dalamar esquadrinhou os volumes alinhados nas prateleiras. Detendo-se, virou-se para eles. — Foram enviados membros do Conclave, para procederem a investigações. Comunicaram que se abriu uma fenda enorme no oceano, entre Ansalon e as ilhas do Dragão. Da mesma, brotam chamas que estão provocando a evaporação das águas do oceano. O que vêem, são nuvens de vapor, a refletir o clarão pavoroso.

— Da fenda, estão a jorrar dragões de fogo, cavalgados por demônios e outros tipos de criaturas das sombras. São em número incalculável. Cada língua de chama que lambe o rebordo fendido da rocha, transforma-se nos terríveis dragões, feitos de fogo e de magia. As criaturas que os conduzem são geradas pelas trevas redemoinhantes do Caos. As suas forças estão agora a investir contra a Torre da Feitiçaria Suprema. Em breve, atacarão todos os outros pontos estratégicos de Ansalon. Chegaram-nos relatos de que os duendes de Thorbardin já estão combatendo, nas suas cavernas subterrâneas, esses demônios.

— Então esse livro? — inquiriu Raistlin, imperturbável.

— Não consigo encontrá-lo! — murmurou Dalamar, e retomou a busca.

— O meu povo — disse Usha, com os lábios a tremer. — Que vai ser do meu povo? Eles... vivem ali perto.

— O teu povo foi o responsável por esta desgraça desabar sobre nós — observou Raistlin, em tom cáustico.

Usha recuou, encolhendo-se perante o olhar do mago. Fitou Palin, em busca de conforto, mas desde o regresso da torre este a evitava. Nesse entretanto, o tio observava-os com atenção. Era óbvio que Usha ainda não contara a verdade a Palin. Atendendo às provações que ambos enfrentavam, tanto melhor. Tanto melhor...

— O que o Conclave está fazendo? — perguntou Palin a Dalamar.

— Tentando determinar a constituição e natureza dessas criaturas mágicas, a fim de podermos combatê-las. Infelizmente, isso só é viável mediante confronto direto com elas. Como chefe do Conclave, ofereci-me para empreender a tarefa.

— Bem perigosa — observou Raistlin, olhando de relance para o elfo das trevas que fora, outrora, seu aprendiz. — E da qual é possível que não volte.

— Isso que importa, não é? — respondeu Dalamar, com um encolher de ombros. — Estava na reunião do Conclave quando discutimos o assunto. Se as nossas teorias forem consistentes, não interessa nada mesmo.

— Senhor, vou contigo — ofereceu-se Palin. — Não tenho um estatuto muito elevado, mas posso ser de alguma utilidade.

— Os deuses precisam da ajuda de todos nós. Em especial, a Rainha das Trevas. No entanto, ela joga com um pau de dois bicos — observou Raistlin, absorto. — Espera sair vitoriosa do confronto.

— Se sair de lá, já será muito bom — respondeu Dalamar em tom seco.

— Então, me leva? — perguntou Palin, estreitando o bastão.

— Não, jovem mago. Não fique aborrecido. Há de ter uma oportunidade de morrer. Será incumbido de outra tarefa. Dunban Companheiro Mestre, o chefe dos Vestes Brancas e Jenna, representando os Vestes Vermelhas me acompanham. Felizmente, mesmo que sejamos vencidos, as nossas conclusões chegarão ao Conclave a tempo de serem utilizadas.

— Mas não a tempo de ajudar os que se encontram na Torre da Feitiçaria Suprema — realçou Raistlin. O clarão feroz que emanava do céu, fora incidir nos picos das montanhas e brilhava com um fulgor cada vez mais intenso, transformando a noite num dia fantasmagórico e aterrador. — Os cavaleiros já foram atacados.

— Que pena o Tanis não se encontrar lá! — exclamou Tas, em tom melancólico. — Era sempre bom nesse tipo de coisas.

— O Tanis Meio Elfo trava a sua própria batalha no seu próprio plano — disse Raistlin. — Assim como os Elfos, os Duendes e os Kenders.

— Atacaram Kendermore? — inquiriu Tas, com a garganta embargada.

— Todas as áreas de Krynn, Mestre Pés Ligeiros — respondeu Dalamar. — Todos os seres, de todos os credos, ver-se-ão forçados a pôr de lado outras querelas e unirem-se para lutar pela própria sobrevivência.

— Talvez o façam — disse Raistlin. — Talvez não. Em Ansalon, o ódio encontra-se bem arraigado. A nossa única esperança é a aliança... e a única com menos hipóteses de se concretizar.

— Dalamar, me manda para casa? — perguntou Tas. E abriu mão do último trunfo. — A Laurana me ensinou muitas coisas sobre a arte de ser general. São coisas muito importantes, por exemplo, no início da batalha não devemos dizer “retirar”, porque isso causa muita confusão nos soldados, mesmo que se tratasse apenas de um pedacinho de música tocado numa trombeta. Assim, se conseguisse usar da tua magia para me fazer voltar a Kendermore, gostaria de fazer o que puder para ajudar.

— Receio que Kendermore tenha de passar sem o seu general — disse Raistlin. — Acho que me lembro onde ficou guardado o tal volume — acrescentou, afastando-se para ajudar na busca. — As tuas aptidões são necessárias noutro lugar.

Tasslehoff ficou emudecido. Estrebuchou para falar até conseguir emitir um som roufenho.

— Raistlin... Será que... será que poderia repetir?

— Repetir o quê? — perguntou o mago, agastado.

— Repetir que... que sou necessário — respondeu Tas, pigarreando para aclarar a garganta. — O Fizban costumava pensar assim, mas depois começou a ficar um pouco confuso... Com uns parafusos a menos, não sei se me entende. Sem ofensa — acrescentou, olhando de relance para cima.

— Eu e ele decidimos que, como eu era pequenino, podia ajudar em coisas miúdas, como salvar duendes dos esgotos de serem comidos por um dragão. Mas, seria mesmo formidável eu ajudar as pessoas grandes.

— São as pessoas grandes que neste momento precisam da tua ajuda — disse Dalamar. — Vai destacado com o Palin.

— Ouviu, Palin? Vou contigo! — exclamou Tas, transbordando de excitação.

— Ouvi — respondeu Palin, que parecia não comungar do entusiasmo.

— Aqui está — disse Raistlin, retirando um livro da prateleira e pousando-o na escrivaninha.

Ele e Dalamar debruçaram-se, ansiosos, para consultar o livro e folhearam-no com impaciência.

Tasslehoff começou a perambular pela sala, pondo-se a examinar os vários e curiosos objetos que se encontravam em mesas pequenas e enfeitavam a prateleira do fogão da sala. Pegou no que parecia não passar de uma sólida peça de madeira, mas após um exame mais atento, descobriu inúmeras gavetinhas embutidas na mesma, todas sabiamente ocultas, de modo a não parecerem gavetas.

A caixa ia deslizando rapidamente para um dos alforjes de Tas, quando o kender se deteve. Segurando-a na mão, olhou-a com desejo e passou os dedos pela madeira. Com um suspiro, esticou-se e a repôs, com todo o cuidado, em cima do fogão de sala.