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A Pedra Cinzenta encontrava-se agora rodeada por uma teia cintilante de sinergia Irda. O Juiz pegou nas duas ferramentas — um martelo e um cinzel. Ambos eram feitos de prata, forjados sob o clarão de Solinari, a Lua de Prata. Os utensílios encontravam-se imbuídos de encantamentos mágicos. O Juiz colocou a ponta do cinzel na área vulnerável da gema. Cuidadosamente, apontou o cinzel, agarrou-o com firmeza e ergueu o pequeno martelo.

Os pensamentos de todos os Irdas fundiram-se e liquefizeram-se no Juiz, transmitindo-lhe força e poder.

Com o martelo, desferiu uma pancada seca no cinzel.

Na praia, a várias léguas de distância da aldeia dos Irdas e do altar, acostara um barco. O mesmo não sulcara os mares, como acontece usualmente com as embarcações. Viajara através dos céus, sendo o seu ponto de origem uma Lua Vermelha — a única lua vermelha a destacar-se do firmamento. Sentado no barco, um duende de barba e cabelo negros, espessos e encaracolados — uma visão de espantar quem quer que observasse, pois até então nenhum duende que vivia em Ansalon ou em qualquer outro ponto de Krynn velejara num barco partindo das estrelas. Porém, os Irdas não estavam observando. Tinham os olhos fechados e os pensamentos concentrados na Pedra Preciosa Cinzenta.

Resmungando e falando de si para si, o duende saltou para fora do barco, e de imediato afundou, quase até os tornozelos, nas areias movediças. Praguejando, o duende encaminhou-se pesadamente para os bosques.

— Ora, aqui estão os ladrões! — disse, cofiando a barba. — Devia ter adivinhado! Ninguém mais conseguiria manter o meu tesouro escondido por tanto tempo! Mas vou reavê-lo! Com Paladino ou sem Paladino, eles vão devolvê-lo ou, pela minha barba, eu não me chamo Reorx!

A noite foi rasgada por um som cristalino, como o de metal a entrechocar contra metal.

“Estranho”, pensou, cofiando a barba. “Não sabia que os Irdas praticavam a nobre arte da forja de metais. Talvez os subestimasse.”

Outro repique cristalino. Sim, definitivamente era o som produzido pela pancada de um martelo. Mas, faltava-lhe a ressonância profunda de um martelo de ferro, e nem sequer o duende conseguia persuadir-se de que os Irdas tinham, de repente, adquirido interesse na fabricação de ferraduras e de pregos. Quiçá trabalhassem em prata. Sim, era o som da prata.

Bules ou taças finas... Possivelmente joalheria. Os olhos do duende reluziram. Trabalhar com pedras preciosas, resplandecentes, engastá-las no metal...

Pedras preciosas.

Uma pedra preciosa. Uma pancada de martelo...

Reorx sentiu o medo revolvê-lo, um medo que não conhecia naquele plano de existência. Forçou por penetrar nas sombras. O duende possuía olhos de lince. Numa noite clara, era capaz de enxergar uma moeda, atirada por descuido nas ruas de uma cidade de um país, num continente de uma estrela longínqua. Mas, não conseguiu vislumbrar por entre as trevas do pinhal. Algo lhe bloqueava a visão.

Tremendo, o duende tropeçou para frente, o terror apossara-se dele, envolvendo-o no seu abraço frio e suado. Era apenas uma idéia muitíssimo tênue daquilo que suspeitava, um medo tornado pavor por uma certa dúvida que há séculos lhe vinha bulindo com a mente. Nunca a admitiria, nunca a sondara abertamente, pois se tornava muito pavoroso contemplar tal possibilidade. E, uma coisa era certa, nunca a revelara aos amigos mortais.

Reorx considerou a hipótese de invocar Paladino, Takhisis e Gileano em seu auxílio, mas tal implicaria explicar-lhes os seus receios quanto ao que possivelmente fizera, e havia sempre a possibilidade de conseguir suster a loucura dos Irdas. Ninguém teria a sua sapiência.

E havia ainda a hipótese de se equivocar, da sua preocupação não ter fundamento.

O duende apressou-se. Conseguia enxergar um trêmulo clarão de luz acinzentada agora.

— Já os apanhei! — gritou, avançando aos tropeções.

Mantendo os olhos fixos na luz, Reorx não prestou grande atenção ao que o rodeava. Enveredou pelo emaranhado de arbustos, trepou por cima de raízes de árvores expostas, escorregou na erva úmida. Caiu, deu socos, fez barulho que chegasse para um exército inteiro. A algazarra foi perturbar a concentração dos Irdas. Julgaram tratar-se de um exército — o regresso dos cavaleiros de armadura negra — o que fez aumentar o medo e o desespero deles. Instigaram o Juiz a apressar-se.

O duende chegou ao pequeno pinhal. A luz parda jorrava do centro. Conseguia enxergá-la, a brilhar lugubremente através dos ramos entrelaçados. Reorx procurou uma entrada, mas os pinheiros mantinham-se eretos e tão unidos como os soldados numa formação de batalha, com os escudos erguidos para apresentar uma frente cerrada contra o inimigo. Nem sequer ao deus permitiam o acesso. Arquejando e praguejando de frustração, Reorx correu e voltou a correr ao redor do bosque, à procura de um meio de entrar lá.

O tinir de prata aumentou de intensidade. A cada pancada, a luz cinzenta esmaecia um pouco, para depois brilhar com mais intensidade.

Reorx estava seguro do que se desenrolava, e essa certeza aumentou-lhe o terror. Tentou gritar ao Irda que parasse, mas o tinir das marteladas abafaram-lhe os gritos. Por fim, desistiu e abrandou a correria.

Resfolegando, com o suor a pingar-lhe do cabelo e da barba, apontou para dois dos pinheiros de maior porte e, numa voz que lembrava uma rajada de vento, gritou:

— Pelo clarão rubro da minha forja eu juro que, se não me deixarem passar, encarquilharei suas raízes, mirrarei os seus ramos e ordenarei aos vermes que devorem as suas pinhas!

Os pinheiros estremeceram, e ouviu-se um ranger de galhos. As agulhas tombaram em volta do duende enraivecido. Apareceu uma clareira que mal dava para ele se introduzir lá dentro.

O rotundo deus reteve a respiração, meteu o corpo à força entre os troncos, forçou e içou-se até, finalmente, se precipitar, com um arquejo, para o outro lado. E foi no instante em que, a cambalear, atingia a clareira, que o Juiz, pestanejando diante do clarão ofuscante, desferiu no cinzel uma sétima pancada violenta.

A noite foi rasgada por um ribombo e parecia que o mundo se dilacerava. A luz pardacenta da Pedra Preciosa Cinzenta emitiu um brilho faiscante. Reorx, acostumado ao fogo que brotava da sua forja e que reluzia nos céus como uma lua vermelha, não conseguiu suportá-la e teve de fechar os olhos. O Juiz soltou um grito e crispou as mãos na cabeça. Preso nas vascas do sofrimento e gemendo, tombou pesadamente no solo. O altar que encerrava a Pedra Preciosa fendeu-se em dois.

Foi então que a luz se apagou.

O duende atreveu-se a abrir os olhos.

O altar onde repousava a Pedra Preciosa Cinzenta, estava agora mergulhado nas trevas. Mas não se tratava de uma escuridão natural, era pavorosa, agourenta.

Reorx reconheceu a escuridão, pois nascera dela.

Tentou avançar, invadido por um desejo louco e aterrorizado de reparar os estragos, mas as botas dele pesavam mais do que o mundo que outrora forjara. Tentou gritar aos outros deuses, para adverti-los, mas a língua parecia de ferro, tão estática a sentia na boca. Nada havia que pudesse fazer senão arrancar a barba, num assomo de frustração, e aguardar os acontecimentos.

A escuridão começou a adensar-se, a ganhar contornos. Assumiu a forma de um homem mortal, não como vassalagem — como fazem os deuses que se tornam humanos — mas com traços de zombaria selvagem. Tratava-se de um homem avolumado mil vezes, congestionado. Da escuridão emergiu um gigante, que foi crescendo até ficar mais alto do que os pinheiros.

Envergava uma armadura feita de metal fundido. A barba e o cabelo liquefaziam-se em chamas crepitantes. Os olhos formavam poços de breu. E, nas suas profundezas, borbulhava a raiva.

A tremer, Reorx tombou de joelhos.

— É ele! — murmurou o duende num tom de respeitoso temor.

O gigante soltou um rugido de triunfo. Esticou os braços e esfrangalhou os galhos dos pinheiros, como se estes fossem de palha. Os dedos afloraram as nuvens e rasgaram-nas em pedaços. As estrelas e as constelações derramaram fulgores de pavor.