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— Não falemos de afogamentos — interrompeu-o Palin —, nem do meu pai.

A ameaça devia estar chegando à Estalagem da Última Casa. Caramon regressara para avisar os habitantes de Consolação e obrigá-los a se prepararem, para fazer o que estivesse ao seu alcance no sentido de protegê-los dos horrores que possivelmente os esperavam.

— O meu pai sabe o que tenciono fazer? — perguntara Palin ao tio, no que haviam praticamente sido as últimas palavras que trocaram. — Para onde vou?

— Sabe — respondeu Raistlin.

— O que ele disse? — perguntara Palin, pouco à vontade. Relembrando as palavras, Palin rejubilou. O pai sabia o perigo que o filho ia enfrentar, mas em vez de tentar impedi-lo (como faria em tempos), Caramon transmitira-lhe a fé que os pais depositavam nele, o seu voto de confiança e que sabiam que daria o seu melhor.

Sentiu uma mãozinha puxar-lhe a manga. Baixando a cabeça, Palin viu Tas, bem ao seu lado.

— Palin — disse este, num cochicho. — Depois do que ouvimos os deuses dizer, receio que a Usha vá se sentir infeliz quando chegar à terra dela.

— Sim, Tas — respondeu Palin baixinho. — Vai ficar muito infeliz.

— Acha que devíamos contar agora? Assim de modo a... a prepará-la?

Palin olhou para Usha, que se azafamava na embarcação, retirando apetrechos a fim de arranjar espaço para as duas pessoas que a acompanhariam.

— Tas, ela sabe — respondeu. — Ela já sabe.

Vieram a constatar que ninguém tentou impedi-los de sair do porto. Ninguém reparou, sequer, que içavam as velas e, se isso aconteceu, as pessoas já se encontravam com problemas de sobra. De repente, ao que parece de uma maneira perversa, o vento pelo qual as pessoas passaram o Verão inteiro a rezar, e as brisas das montanhas que iriam refrescar a cidade sufocante, começaram a soprar. Mas não trouxeram alívio ao calor. Em vez disso, espalharam o terror. Os incêndios florestais lambiam as montanhas e os ventos sopravam-nos bem na direção de Palanthas.

De novo soou o repique dos sinos. As pessoas correram para as suas casas, a fim de fazerem o que pudessem para salvá-las, e aos seus negócios. A fumaça que pairava no ar, fazia arder os olhos e tornava a respiração difícil. Uma chuva de cinzas começava a tombar sobre a cidade. No barco, Palin virou-se para olhar a grande cidade de Palanthas e imaginou o que seria, caso as chamas a consumissem. Pensou no tio, sozinho na torre. Os aprendizes já tinham partido para Wayreth, a fim de contribuírem com a sua ajuda na preparação da magia. Ocorreu-lhe o último vislumbre da imagem do tio, junto ao lago dos Que Vêem.

— Ficarei aqui vigiando — dissera Raistlin. Será daqui que tudo farei para te guiar.

Palin pensou em Astinus, prosseguindo, incansável, a escrita. Conseguiu visualizar o pânico de Bertrem e dos outros monges, numa correria frenética, procurando salvar os livros, a História do Mundo.

Salvá-los de quê? Quem sabe se restaria alguém para lê-los, pensou. Viajamos para uma ilha da morte, possivelmente rumo à nossa própria morte...

— Bom, aqui vamos nós! — anunciou alegremente Tasslehoff. Encontrava-se debruçado à proa, enquanto Usha manobrava a embarcação para fora do porto, em direção ao mar alto. — Sabem — acrescentou, com um suspiro de deleite —, não há nada mais excitante do que irmos a um lugar onde nunca estivemos.

20

Escórias e cinzas.

Navegaram para fora da baía de Branchala, rumo ao oceano Túrbido, com o vento de feição, como se também este ansiasse ajudar. De repente, o vento que os transportara até tão longe — o mesmo que precipitava o dilúvio de fogo contra Palanthas — parou. Ficaram à deriva na superfície lisa das águas.

Pousando a mão no leme, Usha virou a proa do barco para norte.

— Para casa — ordenou.

A embarcação começou a rodopiar na água, água que parecia tingida de rubro. A vela pendia, frouxa, sem uma brisa a agitá-la, mas o barco era impelido para a frente, a uma velocidade cada vez maior, até roçar perigosamente a tona, esparrinhando sal nos rostos deles.

Tas encontrava-se à proa, fincando-se com ambas as mãos e arrostando o vento e os borrifos de espuma, com a boca aberta, tão empolgado se sentia com a corrida desenfreada. Usha mantinha-se firme ao leme. Palin agarrava-se aos costados da embarcação, esforçando-se para limpar os borrifos de água salgada que lhe atingiam os olhos.

A velocidade do barco aumentou. Tas voou do poleiro e foi aterrar num monte de cordas, enroladas no fundo. Por fim, os três foram obrigados a se agachar no fundo da embarcação. Viram o céu rodopiar e as ondas bater, derramando-se por cima deles. Começavam a se formar poças de água sob os seus pés e estavam encharcados até os ossos. Palin começou a se preocupar com o fato do barco estar se enchendo de água, mas Usha disse que, mesmo que isso acontecesse, a magia iria mantê-los à tona. Agarrando-se uns aos outros, agora só conseguiam avistar o céu rubro e dardejante.

— Estamos abrandando — anunciou uma voz excitada. — Acho que chegamos!

Usha acordou, sobressaltada por constatar que cochilara. Palin ergueu a cabeça e esfregou os olhos. Deviam ter todos adormecido. Usha lembrou-se de sonhos vagos, em que se sentira ensopada e com fome.

Palin olhou para o Sol, que parecia um olho feroz e cintilante a fitá-los por cima da linha do horizonte.

— Parece que dormimos o dia inteiro — disse. — O Sol está se pondo.

— Não tão cedo — observou Tas.

— Que quer dizer? — Com precaução, Palin pôs-se de pé.

— Observo-o há três horas, o tempo que vocês dormiram. O Sol nem se mexeu. Permanece ali, mais nada.

Palin sorriu, com ar condescendente.

— Tas, deve estar enganado — disse. — Provavelmente não passaram três horas, você é que achou.

Tasslehoff voltara a empoleirar-se na proa.

— Olha! Ali na frente! — exclamou.

Contra o céu avermelhado, perfilava-se uma tênue linha escura.

Usha levantou-se bruscamente, esquecida de que se encontrava no barco, e este começou a balançar com tanta violência que, para não ser cuspida borda afora, se viu obrigada a se agarrar com força ao mastro. Percorrendo a embarcação, foi se juntar a Palin e Tas à proa e ficou olhando, com os lábios entreabertos de alegria.

— Acho que chegamos à tua terra, Usha — disse Palin. — Parece que vamos mesmo na direção certa.

O barco aproximou-se mais.

— Que árvores tão esquisitas — comentou Tas. — Usha, na tua terra há árvores com um aspecto esquisito?

— As nossas árvores são iguais a todas as outras árvores — respondeu Usha. — Mas, tem razão, estas têm um aspecto esquisito...

As ondas e a magia nele contido, impeliram o barco mais para a costa.

— Que Paladino nos valha! — murmurou Palin, apavorado.

— Ai credo! — exclamou Tas, num fio de voz, — Aquelas árvores já não são árvores. Estão todas queimadas!

— Não — respondeu Usha baixinho. — Há qualquer coisa aqui que não bate certo. A magia não está funcionando. O barco nos conduziu ao local errado. Aquela... — Sentiu um aperto na garganta a embargar-lhe a voz. — Aquela não é a minha ilha.

Mas, o maldito barco continuava a aproximar-se cada vez mais.

— Usha, lamento — disse Palin, tentando segurar-lhe a mão.

A jovem ignorou as palavras, ignorou a mão estendida. Tropeçando nos cordames e nos odres, precipitou-se para a popa. Segurou o leme, empurrou-o, tentou alterar o curso e fazer a embarcação dar meia volta.

— O barco vai virar! — avisou-a Palin.

— Não quero saber! — soluçou ela. — Não quero saber se a gente morrer!

— Quer sim, Usha — repetiu ele com brandura. — Quer sim. — Depois, tentou reconfortá-la, acariciando-lhe o cabelo molhado e estreitando-a contra si.