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A jovem parou de soluçar e deixou-se ficar aninhada nos braços dele. A embarcação conduziu-os até o litoral.

Quando chegaram à praia. Usha alardeava uma calma gélida e silenciosa, quase tão terrível como o ataque de histeria. Saltou do barco para a água e, com esta a dar-lhe nos tornozelos, encaminhou-se para a vasta língua de areia onde, não há muito, os Cavaleiros de Takhisis tinham desembarcado.

Olhou ao redor, e o que viu foi só devastação.

Excetuando o ponto onde as ondas se desfaziam na areia, esta, em tempos tão branca, agora estava negra.

Palin, que puxava a embarcação para terra, julgou que a areia preta constituía um fenômeno natural. Foi então que avistou os destroços flutuando na água e o lodo fino que orlava a fímbria das ondas. Olhou para os troncos chamuscados e calcinados que, em tempos, haviam sido árvores vivas, e de repente entendeu por que motivo a areia se tornara preta. Estava coberta de escórias e de cinzas.

Dando um suspiro, Palin ajudou Tas a saltar do barco. Quando se virou para Usha, esta corria, desvairada, frenética, em direção ao que fora, outrora, uma floresta. Palin e Tas seguiram, atabalhoadamente, no seu encalço, escorregando nas areias movediças. Em breve, a jovem deixava-os para trás. O kender ancião foi impedido de estugar o passo por ter menos fôlego e as perninhas curtas, e Palin, por não estar habituado ao exercício físico e pelas vestes ensopadas se enrodilhavam nas pernas.

Contudo, tornava-se fácil seguir-lhe o rasto, lamentavelmente fácil, conforme Tas observou. A trilha era formada por pegadas feitas nas cinzas, que chegavam aos tornozelos, e conduziu-os a um deserto de devastação. O cheiro levemente adocicado, penetrante e enjoativo de madeira queimada que repassava o ar, cortava a respiração. Agitadas pela brisa, as escórias e as cinzas faziam arder os olhos e obrigaram-nos a tossir. Sobre eles pairavam ramos enegrecidos, que chiavam e se balançavam, prestes a desabar.

Chegaram a uma parede de pedra, que tinha a forma de um quadrado. Numa das extremidades elevava-se uma chaminé de pedra, toda enfarruscada — o que restava do que em tempos constituira uma casinha aconchegante.

— Palin! — chamou Tas, com voz embargada.

Palin virou-se. O kender apontava para algo. O mago não precisou se aproximar para ver. Sabia do que se tratava.

O cadáver — o que restava dele — jazia perto da casa, como se a pessoa tivesse podido sair da residência em chamas, apenas para ser tragada pelo inferno.

— Eu vi Que-Shu — disse de repente Tasslehoff, subjugado pela visão dantesca —, depois dos dragões terem estado lá. Parecia isto. A coisa mais triste que já vi, até agora. Palin, acha... acha que morreram todos?

Palin olhou para os cepos chamuscados e esfacelados das árvores, e para o manto espesso de cinzas que cobria o chão.

— Precisamos encontrar Usha — disse e, pegando na mão de Tas, abriram caminho por entre as cinzas e seguiram no encalço dela.

A jovem encontrava-se defronte de outra parede de pedra. Da casa ou do seu recheio, nada restava passível de ser identificado. Desabara sobre si mesma e só restava um monte de cascalho enegrecido.

Usha não chorou nem gritou. Não esboçou nenhum movimento para tocar no pouco que restava.

Palin aproximou-se e cingiu-a nos braços. Foi como abraçasse pedra. A carne da jovem estava fria, o seu corpo rígido e os olhos arregalados, vítreos.

— Usha! — chamou Palin, muito assustado por vê-la assim. — Usha, não faça isso a si mesma! É inútil. Usha, não...

Sem encará-lo, a jovem continuava de olhos fixos nos escombros calcinados da casa. Sob a máscara de fuligem, o seu rosto mostrava uma palidez de cera. Uma lágrima sulcou-lhe a face enegrecida, tal como a trilha deixada nas cinzas pelas suas pegadas.

— Usha, lamento tanto! — disse Palin com brandura. — Mas, os Irdas não foram totalmente destruídos. Você vai continuar...

— Não — respondeu ela com uma calma ausente e terrível. — Não, eles desapareceram, foram completamente aniquilados. O Prot sabia o que ia acontecer. Por isso me mandou embora. Oh, Prot, lamento tanto! — Estremeceu e soluçou. — Lamento tanto!

— Não lamente, minha querida. Não podia fazer nada. Quem sabe — acrescentou Palin, esperançoso —, se alguns conseguiram escapar. A magia deles...

Usha abanou a cabeça.

— Mesmo que conseguissem se salvar, nunca abandonariam os outros. Não, desapareceram. Nada restou. Nada.

O fulgor rubro e sobrenatural do Sol escoou-se por entre os esqueletos das árvores, indo refletir-se nela, cobrindo-a com uma névoa avermelhada, fazendo os olhos reluzirem, como se fossem de bronze brunido.

O Sol...

— Tas tinha razão! — exclamou Palin, arquejante. — O Sol não se moveu! Tas, onde está... Tas?

Olhou ao redor.

O kender desaparecera.

21

Dougan Martelo Vermelho.

A Pedra Preciosa Cinzenta.

Os servos do caos.

Assim é que é — disse Tasslehoff, observando Palin e Usha. — Agora têm um ao outro e é claro que vai correr tudo bem. Pelo menos eles merecem que tudo lhes corra bem. Embora eu tenha verificado com freqüência — acrescentou, com um suspiro —, que o merecer e o acontecer não andam forçosamente de braços dados.

Ficou a observá-los o tempo suficiente para constatar que, nos braços um do outro, tinham encontrado consolo e conforto. O verdadeiro amor — quando não somos os protagonistas, mas simples espectadores — tende a ser um bocadinho monótono. Tas bocejou, soltou um espirro violento quando uma cinza lhe fez cócegas no nariz e olhou ao redor, à procura de algo para fazer.

E ali, serpenteando por entre os cepos das árvores calcinadas, avistou uma trilha.

Todos os caminhos vão dar em algum lugar, já reza o velho ditado. Juntem-lhe o todos os caminhos vão para a direita, exceto quando viram à esquerda, e ora aí têm o apanágio da filosofia kender.

— Quem sabe se esta trilha me conduz até à Pedra Preciosa Cinzenta? — disse ele, refletindo.

Tas preparava-se para avisar Palin e Usha da sua decisão, mas ocorreu-lhe que talvez não quisessem ser incomodados. Assim, esgueirando-se devagarinho, seguiu pelo caminho que descobrira.

Enquanto ia avançando, com toda a precaução, como que a não querer incomodar ninguém, pôs-se a recapitular o que sabia a respeito da Pedra Preciosa Cinzenta.

— Acho que é uma jóia como outra qualquer, só que, claro, está quebrada, o que é uma coisa excelente — observou, com ar pensativo —, pois me evita o trabalho de rachá-la.

Lembrou-se de Raistlin dizer algo a respeito da Pedra Preciosa Cinzenta estar vigiada, mas não prestara grande atenção a essa parte. Sabia, por experiência própria, que as jóias estavam sempre sob vigilância e que, em geral, os guardas eram pessoas com preconceitos dos mais irracionais contra os kenders. Tas não via motivos sólidos para duvidar que, neste caso, fosse diferente. Prosseguiu a trilha, trepando por cima de cepos calcinados, e pôs-se a refletir que os montes de cinzas lembravam bastante a neve à deriva, só que eram pretos, eram cinzas e cheiravam a podre. De repente, avistou um duende, agachado atrás de uma árvore.

— Minhas santas deusas! — exclamou Tas, parando abruptamente. — Mas que esquisito!

O duende estava muito bem-vestido, em especial porque se escondia atrás de uma árvore consumida pelas chamas, que se perfilava numa floresta calcinada e devastada. Uma camada de fuligem cobria as lindas roupas do duende, e o mesmo acontecia com a barba e o longo cabelo. A pluma do chapéu estava enlameada e enegrecida. Parecia absorvido a observar algo. Tinha as costas meio viradas para a trilha, o que significava que estava de costas meio viradas para o kender que se encontrava na trilha.