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— Não acredito... sim, tenho certeza! — murmurou Tas. — É o Dougan Martelo Vermelho!

Tas seguiu o olhar do duende, tentando ver o que tanto prendia a atenção de Dougan, mas um outro pinheiro enorme — ou o que restava dele — tapava-lhe a visão.

O duende parecia tão concentrado que Tas, não desejando perturbá-lo, pôs-se a rastejar em silêncio, deslizando pelo solo calcinado com a discrição de um rato, fruto da sua experiência, pois uma vez, por acidente, transformara-se a ele mesmo num rato. Aproximando-se furtivamente do duende, Tas deu-lhe uma palmadinha no ombro.

É espantoso como, apesar de ser atarracado, um duende consegue dar pulos tão altos. E fazê-lo sem perder o chapéu, também constitui um feito extraordinário.

O salto repentino de Dougan surpreendeu Tas, que tombou de costas e que, depois de tropeçar num cepo calcinado, foi aterrar no chão. O rotundo duende, respirando pesadamente e pondo-se tão vermelho como o céu, arremessou-se para cima do kender e tapou-lhe a boca com a mão.

— Em nome de Reorx, quem é você? — perguntou Dougan, num murmúrio rouco. — E o que faz aqui?

Tas replicou o melhor que podia, mas a mão que lhe tapava a boca dificultou-lhe a resposta.

— Xrinxmagle Yurfuuz? — repetiu o duende. — Nunca ouvi falar. Contudo, parece que te conheço.

Abanando com violência a cabeça, Tas pôs-se a guinchar e a estrebuchar e, apontando, insinuou que, se lhe fosse permitido falar, podiam prosseguir a conversa de forma mais agradável.

Dougan olhou-o por um instante, retirou a mão da boca de Tas e voltou a agachar-se.

— Fique quieto! — avisou. — Eles estão perto. Ali. E embora eu não tenha certeza se ouvem, é melhor não arriscar.

Tasslehoff acenou com a cabeça, esfregou-a no lugar onde batera contra uma rocha e sentou-se.

— Eles quem? — cochichou.

— Quem é você? — sussurrou Dougan.

— Desculpe. Não cheguei a me apresentar. — Tas remexeu-se, tentando levantar-se, e Dougan imitou-o, coisa que possivelmente não fazia há séculos, pelo menos foi o que Tas achou, a avaliar pela pança enorme do duende. Estendendo a mão, o kender disse:

— Me chamo Tasslehoff Pés Ligeiros.

— Ah — grunhiu Dougan. — Então é daí que eu te conheço. Eu sou...

— Reorx, já sei — atalhou Tas, soltando um dos seus murmúrios estridentes. Vendo o olhar carrancudo de Dougan, apressou-se a acrescentar: — Mas não se preocupe, não contarei a ninguém.

— Não há nada para contar — replicou o duende, fitando, colérico, os olhos de Tas. — Me chamo Dougan Martelo Vermelho. Entendido?

— Não — replicou Tas, após um momento de reflexão. — Mas também há montes de outras coisas que não compreendo. Uma delas é a morte. Outra, são os xerifes. Ambos parecem ter muitas pândegas na vida. E por falar nisso, também há a questão dos soluços. Por que temos que ter soluços, é capaz de me explicar? Agora, será que podia me explicar...

Dougan disse algo acerca do Abismo estar a se transformar num rinque de patinação, o que Tas considerou muito curioso e preparava-se para pedir ao duende que lhe explicasse aquilo, quando sentiu de novo a mão de Dougan a tapar-lhe a boca.

— Por que está aqui? O que veio fazer aqui?

Soergueu um nadinha a mão, para permitir a Tas guinchar uma resposta.

— Foi Raistlin Majere quem me mandou — replicou o kender com orgulho. — Tenho que ir buscar a Pedra Preciosa Cinzenta.

Você?

Com o espanto, o duende esqueceu-se do voto de silêncio que impusera e pronunciou as palavras em alto e bom som. Agachando-se atrás da árvore, puxou Tas para junto de si.

— Você? — repetiu Dougan, agora em voz baixa e em estado de choque. — Ele mandou você?

Tas não podia assegurar se lhe agradava a maneira despudorada como Dougan continuava a repetir você. Não era lá muito lisonjeiro para Raistlin.

— Eu sou um Herói da Lança! — salientou Tas. — Já lutei antes com dragões e uma vez capturei um prisioneiro, não me interessa se possivelmente o Flint disse o contrário! Salvei Sestun de um dragão vermelho. Estive no Abismo, e voltei, duas vezes e...

— Basta! — ganiu o duende baixinho, uma proeza interessante e que, se Tas não tivesse visto Dougan acabar de cometer, diria, linearmente, ser impossível.

— Já está aqui, de modo que suponho que devo tirar o melhor partido disso — grunhiu Dougan, acrescentando algo que tinha a ver com o motivo porque o mago não se lembrara de enviar também um bando de gnomos, para a desgraça de Dougan ser completa. — Chegue aqui — rematou, puxando Tas para junto da árvore. — Quero te mostrar uma coisa. E mantenha essa boca calada!

Tas olhou e manteve-se calado, conforme o outro lhe ordenara, não por lhe ter ordenado mas porque o que viu o obrigou a querer ficar calado — muito, muito calado, e por muito, muito tempo.

Formando um círculo, erguiam-se sete pinheiros mortos. Tinham sido devastados pelo fogo, mas ao invés das outras árvores, essas reduzidas a cepos calcinados, os pinheiros ainda se mantinham inteiros. Ora bem, ali estavam eles, lembrando esqueletos fantasmagóricos, com os ramos despidos de folhas, todos retorcidos na sua morte excruciante.

Subiu-lhe à garganta um soluço — em comiseração por aquelas árvores, em tempos majestosas —, mas conseguiu engoli-lo. No meio do anel de árvores mortas, via-se um monte de madeira. De uma forma inexplicável e prodigiosa, esta não fora consumida pelo braseiro pavoroso que carbonizara tudo na face da ilha. Perto do fundo da pilha de lenha, algo brilhava com um fulgor avermelhado, a refletir o Sol persistente que teimava em não se pôr na altura devida.

Levando a mão à orelha de Dougan, Tas inclinou-se e perguntou-lhe baixinho:

— É a Pedra Preciosa Cinzenta?

— Rachada ao meio — respondeu o duende, com uma expressão sombria e carrancuda. — As metades jazem no que restou do altar. Escondidas. Dele. Embora virasse tudo do avesso à procura, não conseguiu encontrá-las. O que me fez pensar.

— Pensar o quê?

— Não te interessa — replicou Dougan em tom severo e pondo-se muito sério. — A primeira coisa a fazer é recuperarmos a gema.

— Então, mãos à obra. O que nos impede?

— Eles ali — respondeu Dougan, lançando um olhar sombrio na direção do altar.

Tas voltou a olhar. Não viu nenhum dragão, nem tampouco draconianos. Não enxergou hordas de gobelins, nem ogros, nem kobolds[5], nem cavaleiros mortos, nem fadas de mau olhado, nem esqueletos descarnados, nem qualquer outro dos guardiões que normalmente velam as pedras preciosas mágicas. Nem sequer se via um xerife. Não havia nada — um fato para o qual chamou a atenção.

— Andou metido com as bebidas alcoólicas dos duendes outra vez, hein? — disse Tas, com simpatia.

— Não estou bêbedo! — replicou Dougan, indignado. — Os guardiões! Estão ali, entre as árvores.

— Entre as árvores não há nada a não ser sombras — observou Tas.

— São eles — sussurrou Dougan. — Só que não são sombras. São criaturas-sombras, terríveis guerreiros do Caos.

— São feitas de sombras? — inquiriu Tas, impressionado.

— São feitas de buracos da matéria do ser mortal. Não olha para elas, mas sim através delas, para o reino delas, que é o plano da não existência. É essa a catástrofe que o Caos prepara para o mundo e para todas as pessoas, animais, rochas, árvores, plantas, rios, riachos e oceanos. Tudo, tudo se tornará nada.