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— Bom trabalho, menina! Portou-se bem! As apanhamos! — E de si para si, murmurou: — Pelo menos algumas delas. — Depois, apressou-se a acrescentar: — Eu fico com isso — declarou, arrebanhando a Pedra Preciosa Cinzenta das mãos de Usha.

Se antes a quisera, a jovem, agora, sentia-se ansiosa por se ver livre dela.

— Palin? — perguntou, aflita, segurando com força no braço do mago. — Palin, sente-se bem?

O feiticeiro continuava de olhos vítreos, com aquela expressão horrível colada ao rosto. Ao ouvir a voz da jovem, e quando ela lhe tocou, relanceou lentamente o olhar.

— Palin. Eu sou Palin.

Usha cingiu-o contra si.

De olhos fechados, com o corpo a tremer, Palin estreitou-a nos braços. Dougan inclinou-se para Tasslehoff.

O kender tombara de joelhos. Ainda segurava a colher na mão e, repetidamente, soluçava:

Não sou nada! Não sou nada! Não sou nada!

— Menino! Menino! Já se foram! — exclamou Dougan, dando palmadas nas costas de Tas, numa tentativa bem intencionada de fazer o kender voltar a si, mas que teve como efeito quase esvaziar o ar do corpo minúsculo de Tas.

Tossindo e com uma respiração farfalhante, piscou os olhos. Ao ver Dougan, dirigiu-lhe um sorriso vago.

— Ah, olá!

— Menino, me reconhece? — inquiriu Dougan em tom ansioso.

— Claro que sim — respondeu Tas —, é o Reorx.

Dougan abanou a cabeça.

— Isso não interessa agora — disse. — O importante é, quem é você, menino? Lembra-se?

Tas soltou um suspiro aliviado e contente que, começando na ponta das meias amarelas, se espalhou por toda a sua pessoa. E abrindo os braços de par em par, respondeu:

— Sou eu, ora quem havia de ser? Sou eu!

A Pedra Preciosa Cinzenta encontrava-se nas mãos do duende. De repente, este parecia muito idoso. As mãos abanavam e os dedos tremiam. O seu rosto mostrava-se gasto e avelhentado. Retirara o chapéu com a pluma vistosa, tinha as roupas cobertas de cinzas, os botões desapertados, as rendas penduradas. Segurava a jóia e, olhando-a com tristeza, deu um suspiro profundo e trêmulo.

— Lembro-me do dia em que a lapidei — disse. — Tudo o que eu queria era um pedacinho de Caos. Era só o que eu precisava. Para falar em termos humanos, nada mais do que um anel de cabelo ou uma lasca de unha. Como sempre, Ele não parava de rondar, de bisbilhotar. No nosso mundo, o mundo que fizéramos sem Ele, havia, na altura, ordem, entendem? E não conseguia suportá-lo. Adorava poder ver a nossa Criação soçobrar na desordem, na confusão, na anarquia.

— Odiava sobretudo a minha forja. A prática do ofício, a confecção e a construção de objetos, constituíam para Ele um anátema. O que apreciava era ... a rotura.

— Teve muitos filhos mas, os prediletos eram três: Paladino, Takhisis e Gileano. Concedeu-lhes um grande poder e enfureceu-se quando o utilizaram... o utilizaram para o amesquinhar... pelo menos foi o que ele achou. Formar um mundo e povoá-lo de seres vivos, inspirar nessas criaturas o sopro dos deuses, insuflar-lhes vida, de modo a continuarem a prática dos ofícios, a construção e a ordenação. Nenhum dos outros filhos se atrevera antes a efetuar tal coisa. Não conseguia suportá-lo.

— Pretendeu destruí-los, mas éramos muito poderosos. Refreámo-lo. Vejam se entendem, Ele mesmo facultara aos filhos os meios de fazê-lo e agora, como se arrependia! Desprezou Paladino e Takhisis, que sempre aspiraram à ordem e formavam conluios e maquinações para consegui-lo. Quanto a Gileano, que fora o filho preferido... revelou-se uma triste desilusão.

— Acho que foi sobretudo por causa do Gileano que o Caos se coibiu de, logo no início, destruir o mundo recém-povoado. Julgou que Gileano velaria no sentido de o Caos imperar. Mas Gileano tivera sempre índole de estudioso, sempre com o nariz enfiado nos livros e avesso a ser incomodado. De modo que Paladino e Takhisis levaram a deles avante. O equilíbrio oscilava de um lado para o outro, e no meio encontrava-se Gileano, sempre a folhear páginas.

Dougan fitou os dois fragmentos da jóia, sopesou-os e olhou intensamente para o centro oco.

— Dizem que o encurralei lá dentro, que desejava apenas um pedacinho de Caos e acabei por tê-lo todo. A gema funcionaria como uma âncora, estão entendendo? Faria o que o Gileano, por se encontrar imerso nos seus livros, não tinha aptidão para fazer. Na altura, o plano pareceu-me bom. Quem sabe se ponderasse mais... Mas não aconteceu e não podemos voltar atrás.

— Mas acho que não o arrastei para a cilada. Não.

— Foi propositado da sua parte. Viu chegada a oportunidade e agarrou-a. Meteu-se nesta pedra, mesmo antes de eu fechá-la. Foi Ele quem pairou pelo mundo, mudando isto, alterando aquilo, semeando desordem por tudo o que fizéramos. E viveu grandes momentos de gáudio: guerras, o Cataclismo, os filhos a guerrearem uns com os outros. E no fim, foram os Irdas que estragaram tudo, percebem? Ao quebrarem a gema, roubaram-lhe todo o prazer. De modo que agora faz um grande alarido, anda por aí a arengar, num desatino e... visto já não poder influenciar o mundo... prepara-se para destruí-lo. A meu ver, é esta a verdade.

O duende aquiesceu com a cabeça, para dar mais ênfase às palavras, e equilibrando com cuidado a pedra preciosa no joelho rotundo, limpou o rosto suado com as mãos.

Palin remexia-se, ansioso.

Você não é o culpado. Paladino não é o culpado. Takhisis não é a culpada — disse. — Ao que parece, ninguém tem culpa. É tudo muito bonito, mas quando o nosso mundo se rachar como esta gema esfrangalhada e todos morrermos e cairmos no esquecimento, acho que de nada valerá.

— Tem razão, menino, tem razão — respondeu Dougan, taciturno.

— Mas, deve haver um meio de derrotarmos o Caos — observou Tasslehoff. — Agora, recuperamos a Pedra Preciosa Cinzenta. Será que poderia segurar nela... só por um instantinho? Devolvo-a logo...

Dougan cingiu a gema contra o peito.

— Afaste-se! — ordenou em tom feroz, dardejando Tas com um olhar faiscante. — Mexa-se! Vai para lá! Não, mais para longe! Continue a andar...

— Se me afastar mais, vou dar no extremo da ilha — lamuriou-se Tas.

— Boa viagem — murmurou Dougan.

— Tas, fique onde está — interveio Palin. — Olhe aqui, Dougan, Reorx ou seja lá quem for, temos que fazer alguma coisa!

— A gema destruiu as criaturas-sombras — aventurou Usha, com voz esperançosa.

— Nem todas — corrigiu-a Dougan —, e abarcou um curto raio de alcance. As criaturas se espalharão pela Terra como a morte mais tenebrosa, começando pela Torre do Sumo Sacerdócio. Estão vendo, é ali que o Caos calcula poder desferir o golpe mais duro contra Paladino e Takhisis, os seus dois filhos mais poderosos. Uma vez destruídos... e o serão, no caso da Torre do Sumo Sacerdócio cair... então, desencadeará a invasão maciça do mundo pelos exércitos dos seus servos.

— Nesse caso, deveríamos ir para a torre — respondeu Palin, frustrado. — Podemos utilizar a Pedra Preciosa para ajudar os cavaleiros a derrotarem o Caos...

— Menino, os cavaleiros estão recebendo ajuda, embora possivelmente não o saibam. Os outros deuses não cruzaram os braços. Em todo o continente de Ansalon, as suas forças já foram ativadas. Mas isto — acrescentou Dougan, aflorando com precaução a Pedra Preciosa Cinzenta —, constitui a chave de tudo. Se a minha idéia funcionar, podemos detê-lo, enviá-lo, e aos seus servos, para as profundezas.

— Então, tem um plano — observou Palin. Dougan fixou-o com ar matreiro.

— Você dizia que queria fazer alguma coisa, não é?