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— Deixem-me em paz! — gritou.

— Sim, senhor — respondeu, sobressaltado, o cavaleiro, recuando.

— Desculpe, senhor. Queria só comunicar...

— Não, espere...

Steel pestanejou e olhou ao redor. Por um instante, não percebeu onde se encontrava e como chegara lá. Avistando o corpo do seu suserano, lembrou-se. Deu um suspiro e percebeu que apertava, num abraço asfixiante e mortal, a jóia que trazia ao pescoço.

Afrouxando a mão, largou-a, voltou a guardá-la sob a couraça e limpou o suor do rosto. A noite estava mais quente e opressiva do que o dia. O calor e a exaustão tinham-no feito dormir de pé.

— Desculpe. Devo ter cochilado. Assustou-me — respondeu Steel, fazendo um esforço para prestar atenção. — Apresente o seu relatório.

— Senhor, não há sinais do inimigo. Não há vestígios de ninguém... quer dizer, de ninguém vivo. Não há sobreviventes. Os feridos... — o homem calou-se e engoliu em seco. — Os feridos foram chacinados... Não tiveram uma hipótese.

Steel começara a dirigir uma prece a Takhisis pela alma deles, mas interrompeu-se.

— Mais alguma coisa? — perguntou, circunspecto.

— Senhor, há notícias boas. Descobrimos ainda vivos alguns dragões azuis. Tal como nós, receberam ordens para se manterem afastados da batalha. E juntaram-se a eles alguns dragões prateados. Ao que parece, chegaram tarde. Encontravam-se na montanha do Dragão Prateado, de guarda ao túmulo de Huma, quando receberam ordens para se dirigirem para a Torre do Sumo Sacerdócio.

— Ordens? Quem deu essas ordens?

Olhando com ar severo para Steel, o cavaleiro respondeu:

— Senhor, afirmam que foi o próprio Huma.

Steel abanou a cabeça.

— Que mais tem a comunicar? — perguntou.

— Todas as nossas armas foram despedaçadas e destruídas, com uma exceção. Descobrimos um monte de lanças. Parecem ser lanças de dragão. Foram alinhadas cuidadosamente contra a parede. Senhor, estão ali, junto ao vão das escadas.

— Lanças de dragão — repetiu Steel, olhando fixamente para o homem. — Tem certeza?

— Bom, senhor, na verdade não. Nenhum de nós as viu antes. Mas, coincidem com a descrição que nos foi dada.

— Onde estão? — inquiriu Steel que, apesar do calor, se sentiu percorrido por um calafrio. — Mostre-me.

— Sim, senhor, por aqui.

O cavaleiro conduziu o oficial pelos corredores, até chegarem à entrada que dava para a Câmara de Paladino. De baixo, vinha um fulgor vivo e prateado.

— Foi o brilho que nos chamou a atenção, senhor. Julgamos tratar-se de alguém. Mas só encontramos as lanças.

Steel desceu as escadas e veio-lhe a recordação nítida do dia em que as descera: acompanhado por Caramon Majere e Tanis Meio Elfo, para prestar homenagem ao pai.

Todos os cavaleiros do batalhão se encontravam ali reunidos, no meio dos túmulos e da poeira. A câmara parecia estranhamente vazia embora os corpos parecessem se manter imperturbados. Quem sabe se as almas dos mortos seculares não tinham voado para a refrega? As lanças que, ao clarão das tochas, emitiam fulgores prateados, encontravam-se cuidadosamente alinhadas contra a parede. Os cavaleiros das trevas mantinham-se bem afastados das mesmas, olhando-as com suspeita e dúvida e murmurando uns para os outros.

Seriam as famosas lanças de dragão, forjadas em prata mágica por The-res do Braço de Prata? Seriam as armas que contribuíram para a derrota da Rainha das Trevas? Se era assim, como tinham ido parar ali no túmulo, e porquê? Ninguém leal a Takhisis poderia tocá-las, dado estarem abençoadas por Paladino e se destinarem a servi-lo.

Steel aproximou-se para observar mais de perto as lanças. Estudara as descrições destas armas, tal como estudara todas as batalhas nas quais as mesmas tinham tomado parte ativa. Se se tratasse das famosas lanças de dragão — e o aspecto o confirmava — então pertenciam ao tipo conhecido por lança do infante, mais curta e mais leve do que as lanças para montaria, que se fixavam nas selas dos dragões.

Dobrando-se ainda mais, Steel ficou extasiado com o acabamento das armas. Cada uma media cerca de um metro de comprimento e tanto o cabo como a ponta eram de prata — possivelmente a prata mágica proveniente da montanha do Dragão de Prata. Rezava a lenda que tais lanças só podiam ser forjadas por um homem com o Braço de Prata de Ergoth e o Martelo de Kharas, o famoso artefato dos duendes. A ponta era pontiaguda e cortante e os lados estavam eriçados de farpas. As lanças pareciam bem equilibradas. Steel estendeu a mão para pegar numa.

Como se uma faísca o atingisse, Steel sentiu um choque no braço, que o deixou dormente dos dedos ao ombro e lhe enviou espasmos de fogo por todo o corpo. Ficou, por vários segundos, paralisado, incapaz de se mover. Agarrando no braço e esfregando-o para lhe restituir a circulação, caiu para trás.

— Que gracinha, pai — murmurou. — O teu deus deve ter soltado uma boa gargalhada por conta disso. Renuncio a todos e a cada um de vocês. — Tentou erguer a mão, a fim de arrancar o colar do pescoço mas, o braço foi percorrido por espasmos e a mão recusou-se a obedecer-lhe. — Peguem nas lanças, você disse! Cavalguem e derrotem o Caos! Como, se as malditas lanças não têm utilidade nenhuma?...

— Para nós têm.

Steel interrompeu o discurso.

Avistou, no alto das escadas, um pequeno bando de Cavaleiros da Solamnia, magros, andrajosos, com os braços e as costas sulcados por chicotadas.

— Os prisioneiros! — Vários cavaleiros desembainharam as espadas. — Escaparam!

— Baixem as armas! — ordenou Steel. — Não se encontram aqui para lutar conosco. Pelo menos, é o que penso.

No cavaleiro que falara, reconhecera o jovem que fora fustigado por causa do erro de Steel, quando ambos eram prisioneiros.

— Senhor Cavaleiro, porque está aqui? — inquiriu Steel. — Não sabíamos que tinham escapado das celas. Por esta altura, já podiam estar a caminho de Palanthas.

— Assim foi — retrucou o prisioneiro, com um sorriso pesaroso. Descendo as escadas, postou-se diante de Steel e acrescentou: — Quando o ataque começou, nos encontrávamos nos calabouços. Os guardas nos abandonaram para se juntar ao combate. Não fazíamos idéia do que se passava. Não conseguíamos ver nada, mas o que nos chegou aos ouvidos foi quanto bastou. Os sons horríveis quase nos levaram à loucura. Julgamos que iam nos chacinar nas celas, mas o inimigo nunca chegou a descer, não nos descobriu. Algo bateu contra a torre, fazendo-a oscilar até aos alicerces. As paredes se racharam e as pedras começaram a ruir. Pensamos que ficaríamos soterrados. Por fim, o abalo passou, ainda estávamos vivos e mais, a porta da nossa cela escancarara-se.

— Saímos furtivamente. Preparávamo-nos para escapulir por uma das portas laterais da Espora do Cavaleiro, quando te ouvimos — prosseguiu o cavaleiro, apontando para Steel — falando com alguém e dizer que a guerra não estava perdida, que planejava conduzir um bando de heróis ao Abismo.

O jovem cavaleiro inclinou-se e ergueu, com toda a facilidade, uma das lanças prateadas e reluzentes que, tal como Steel calculara, possuía um excelente equilíbrio.

Os cavaleiros das trevas soltaram, em surdina, advertências e aproximaram-se do prisioneiro, prontos a atacá-lo.

Ignorando-os, o Cavaleiro da Solamnia baixou a lança, de modo à ponta tocar no chão.

— Raramente conhecemos um homem com tamanha coragem e honra. Steel Montante Luzente, se aceitar os nossos préstimos, o seguiremos para lutar ao teu lado.

Steel olhou-os, estupefato.

— Poderiam ter escapado, regressando aos seus lares. Por que voltaram?

Esboçando um gesto solene com a cabeça, o cavaleiro respondeu: