Steel saltou da sela e, em passos rápidos, encaminhou-se para Palin, que avançou ao encontro deles.
— Majere, que se passa? — inquiriu Steel. — Por que nos obrigou a parar? Apresse-se. Dirigimo-nos para a batalha.
— Eu sei — replicou Palin. — Por isso os detive. Leve-me contigo.
Franzindo o cenho, Steel respondeu com brandura:
— Majere, agradeço a oferta e a tua coragem merece igual respeito do que no passado. Mas, tenho que recusar.
Os outros cavaleiros e dragões sobrevoavam-nos em círculos, dragões prateados voando lado a lado com dragões azuis, cavaleiros das trevas e cavaleiros da luz unidos na mesma cavalgada.
— Majere, volte para o mundo lá de cima — disse Steel. — Volte para a mulher que ama. Volte para os pais que te amam. Usufrua com eles o tempo que puder. Não se preocupe por perder a batalha. Se falharmos, a batalha irá encontrá-lo. Adeus.
Palin avançou e interpôs-se no caminho de Steel.
— Posso evitar que falhe — disse, estendendo o livro de encantamentos. — Repare no nome que está escrito na capa. O livro me foi dado pelo Conclave dos Feiticeiros. E incumbiram-me de lhe dizer o seguinte. Tudo o que tem de fazer contra o Caos é feri-lo.
— Feri-lo? — repetiu Steel, incrédulo.
— É tudo. Antes de partir, o deus Reorx me disse.
— É tudo? — Fulgor intrometeu a cabeça para participar na conversa. — É tudo mesmo! Não falamos de um capitãozinho ogro qualquer! Trata-se do Pai de Tudo e de Nada! Até na forma mortal causa um pavor indescritível! A sua altura ultrapassa a das montanhas de Vingaard. Os braços têm a espessura e o diâmetro do rio Torath! O cabelo é só chamas, o olhar catástrofe, as mãos a morte. Está rodeado de dragões de fogo, criaturas-sombras e guerreiros do demônio! Feri-lo! — repetiu Fulgor, resfolegando.
— Somos capazes. Eu e você — disse Palin calmamente, pousando a mão no livro de encantamentos. — Atravessamos juntos a Clareira de Shoikan e de lá saímos vivos. Poucos mortais podem afirmar o mesmo.
— É verdade — respondeu Steel, esboçando um sorriso. — Refletiu por um instante. — Um guerreiro nunca rejeita uma arma útil. Muito bem, Majere, venha conosco. Mas, preste atenção ao que te digo... não podemos desperdiçar efetivos para defendê-lo. Se se meter em confusão, terá que se desvencilhar sozinho.
— De acordo — respondeu Palin. — Não te deixarei ficar mal. Desde a minha primeira batalha, aprendi muito.
Steel voltou a montar no dragão. Estendendo a mão a Palin, ajudou-o a instalar-se na sela atrás.
Fulgor abriu as asas e decolou em direção ao resto dos cavaleiros. No céu, o clarão vermelho-alaranjado tornava-se cada vez mais brilhante e forte. O ar estava quente, fétido, tão denso que cortava a respiração.
— Quantos encantamentos possui? — inquiriu Steel, gritando para se fazer ouvir através do vento sibilante. — São poderosos? Como funcionam?
— Prefiro não falar nesses assuntos — respondeu Palin, segurando com força o livro de encantamentos debaixo do braço. — É proibido.
Steel virou a cabeça para fitá-lo e de repente, sorriu.
— Deixe de tretas. Não tem tantos assim, não é?
Palin sorriu e respondeu:
— São muito complexos. E não tive muito tempo para estudá-los.
— Quantos tem?
— Um. Mas — acrescentou Palin em tom solene —, é muito bom.
30
Caos.
O pai.
Tudo ou nada.
— Sabe o que digo dele? — observou Tasslehoff Pés Ligeiros, olhando para cima, para cima e para cima. — É bem feio!
— Cale-se! — murmurou Dougan, estrebuchando de pavor. — Ele pode ouvir!
— Se ofenderia?
— Se ofenderia! — replicou Dougan, furioso. — Esborrachava-nos como se fôssemos percevejos! Cale-se e deixe-me pensar.
Tas pretendia, do fundo do coração, ficar calado, mas vendo Usha tão pálida, assustada e infeliz, não se conteve e sussurrou:
— Não se preocupe. O Palin vai se sair bem. Tem o bastão e o livro de encantamentos.
— Como pode ele vencer aquela... aquela coisa? — perguntou Usha, olhando apavorada para o terrível gigante.
Uma palavra de Dougan transportara Usha, Tas e o duende ao Abismo. Ou antes, parecia que a magia do deus trouxera o Abismo até eles. Continuava a avistar o bosque dos sete pinheiros mortos, mas o resto da ilha desaparecera. No meio do pinhal, que se situava no meio de lugar nenhum, erguia-se o altar despedaçado dos Irdas. Dougan, Tas e Usha agacharam-se atrás dele.
Pairando sobre eles, avolumava-se o Caos.
O gigante encontrava-se sozinho. Ao que parece, não dera pelo pinhal nem pelo altar, que se localizavam por trás dele. O monstro olhava em frente, perscrutando o tempo e o espaço. Mantinha-se calado. Tudo à sua volta se silenciara. Contudo, à distância, pareciam se ouvir sons de batalha.
— As pessoas do mundo lutam contra ele e as suas forças — disse Dougan baixinho. — Cada pessoa, onde quer que esteja, luta à sua maneira. Efetuaram-se alianças entre velhos inimigos. Os Elfos lutam lado a lado com os Ogros. Os Humanos, os Gobelins, os Duendes, os Draconianos, todos puseram as quesilas de lado. Até os Gnomos... que os deuses os abençoem e ajudem. — Dougan deu um suspiro. — E os kenders também dão uma ajuda, pequena, mas valiosa.
Tas abriu a boca para, excitado, tecer um comentário, mas Dougan, franzindo o cenho, olhou-o com um ar tão feroz, que optou por se calar.
— É por isso, menina — disse Dougan, dando uma palmadinha no braço de Usha —, que ainda temos esta hipótese. Se nos virmos obrigados a enfrentar o Caos e as suas legiões... — O duende abanou a cabeça e, com a mão, limpou o rosto suado. — Será em vão.
— Dougan, não sei se consigo — respondeu Usha, a tremer. — Não sei se terei coragem.
— Eu estou contigo — disse Tas, fazendo-lhe festinhas na mão. O kender olhou de novo para Caos e acrescentou: — Humpf. É um grandalhão. E feioso. Mas já vi outras coisas grandalhonas e feiosas. Lorde Soth, por exemplo. E não senti uma pontinha de medo. Bom, talvez uma pontinha de nada, porque era um cavaleiro da Morte e terrivelmente poderoso. Podia nos matar com uma só palavra. Já imaginou? Só que não me matou. De modo que me deu com uma tigela na cabeça e fiquei com uma galo na testa. Eu...
Dougan dardejou-o com o olhar.
— Cale a boca — antecipou-se Tas docilmente, tapando a boca com a mão, descobrira ser a única maneira de conseguir manter-se calado... embora por pouco tempo. Até a mão descobrir algo mais interessante para fazer, como vasculhar os bolsos do preocupado duende.
Apertando com força a Pedra Preciosa Cinzenta, Usha olhou para o gigante.
— O que é... — A voz embargou-se e teve de recomeçar. — O que eu preciso fazer?
— Menina, só isto. — Dougan falava tão baixinho que Usha se viu forçada a se aproximar. — Os cavaleiros e Palin, o teu menino, atacarão o Caos, que convocará as suas legiões e rebaterá. A batalha vai ser difícil, menina, mas eles são fortes. Não se preocupe. Ora bem, se algum deles conseguir ferir o Caos... só precisa lhe ferrar com uma picada, entende, é tudo o que precisamos, uma única gota de sangue, vertida para a Pedra Preciosa Cinzenta, o colocará em nosso poder. Desta forma capturamos sua essência física, percebe? Ou fica aqui com esses contornos e forma, ou parte.
— E, se decidir ficar? — perguntou Usha, desanimada. A idéia parecia-lhe grotesca.
Dougan cofiou a barba.
— Não vai, menina — respondeu, esforçando-se o máximo possível por parecer convincente. — Não vai. Eu e os filhos mágicos ponderamos todas as hipóteses. Ele odeia ficar confinado, entende? Quem olha para aquele corpo, não diria que representa a ordem. As suas tropas, as legiões, todas exigem ordens e comandos. Tem que lhes atender às necessidades, enviá-las para aqui e para ali. Menina, já começa a ficar farto, pois já não está achando graça.