Выбрать главу

— Graça... — Usha pensou no seu povo, nas casas arruinadas, nos corpos carbonizados. Sentiu os olhos marejarem-se de lágrimas. Obrigou-se a fitar longa e duramente o Caos. Borrado e indistinto quando visto através das lágrimas, não parecia tão dantesco. Afinal, tratava-se de uma missão fácil. Aproximava-se, sorrateira, por trás, enquanto o monstro não estivesse olhando...

De repente, Caos soltou um rugido, um ribombo calamitoso que revolveu o chão, despedaçando-o, fez tombar os ramos calcinados dos pinheiros e abalou o altar despedaçado atrás do qual os três se escondiam. O Pai não soltava rugidos de fúria. Rugia porque soltava gargalhadas.

— Reorx! Seu piolho pesadão, disforme, minorca, gorducho, aborto que se proclama deus! Vejo que anda com companhias muito reles atualmente!

Dougan levou o dedo aos lábios, puxou Usha para baixo da pilha de madeira, tentou agarrar Tas mas falhou. O kender continuava de olhos fixos no gigante.

— Não tenho medo de você! — exclamou Tas tentando desfazer um inesperado e incômodo nó do tamanho do coração que lhe embargava a garganta. — Deu-me um prazer enorme ter oportunidade de ver uma coisa tão grandona e feiosa como você, mas agora que já te vi, acho, sinceramente, que o melhor seria ir embora.

— Ir embora? — replicou Caos, escarninho. — Irei, sim! Quando esta bola de porcaria que vocês consideram um mundo for reduzida a poeira e atirada ao vazio! Reorx, não é necessário ter o incômodo de se esconder, pois sei que está aí! Consigo te cheirar!

Caos virou-se. Os seus olhos sem pálpebras, que nada mais refletiam senão profundezas fantasmagóricas, concentraram-se nos três e pareceram sorver-lhes a alma.

— Vejo um deus, um humano e uma coisa... nem sequer sei o que é.

— Uma coisa! — repetiu Tas, indignado. — Não sou uma coisa! Sou um kender. Quanto a ser minorca, prefiro ser pequenino do que parecer um bocado de vômito lançado do monte da Desgraça!

— Tas, pare! — gritou Usha, horrorizada.

Sentindo-se bastante melhor, o kender lançou-se num discurso inflamado:

— Isso é o nariz, ou foi um vulcão que entrou em erupção na tua cara?

Caos soltou um ribombo e os seus olhos vazios começaram a se semicerrar.

— Dougan, obrigue-o a se calar! — suplicou Usha.

— Não, menina, ainda não — murmurou Dougan. — Olhe! Olhe o que vem aí!

No céu alaranjado, materializou-se uma esquadra de dragões azuis e prateados. No seu dorso cavalgavam cavaleiros — os devotados às trevas e os que abraçavam a Luz. Ao se aproximarem de Caos, parecia que as lanças do dragão e as espadas por eles empunhadas se incendiavam e emitiam um clarão de chamas.

Um dragão azul os conduzia, e nele se via montado um cavaleiro de armadura negra e, atrás, um mago de vestes brancas.

Caos pareceu não avistá-los, concentrado como estava no kender.

Tentando desesperadamente que Caos não olhasse ao redor, Dougan pôs-se atabalhoadamente de pé.

— Ei, touro grandalhão! — gritou o duende, agitando o punho. Tas olhou para Dougan com ar severo.

— Isso não é lá muito original! — exclamou o kender em voz baixa.

— Menino, não interessa — respondeu Dougan, limpando o suor da cara com a manga do casaco. — Limite-se a falar. Só mais uns segundos... é tudo...

Tas voltou a inspirar fundo, mas o fôlego e os insultos saíram disparados num grande “Aaagh!”, como se um murro o atingisse no estômago.

Na mão enorme, Caos segurava o Sol — uma imensa bola feita de chamas e magma. Os três sentiram o calor abater-se sobre si, afogueando-lhes a carne.

— Uma gota do meu sangue? É isso que querem? — exclamou o Caos numa voz tão fria e tão vazia como o negrume do céu. — Acham que, com isso, me controlarão?

De novo o Pai de Tudo e de Nada soltou um rugido que era uma gargalhada. Pôs-se de novo a fazer malabarismos com o Sol, arremessando-o descuidamente no ar e apanhando-o.

— Nunca me controlarão! Nunca controlaram. Não conseguirão nunca! Bem podem construir fortalezas, cidades-muradas, casas de pedra! Bem podem enchê-las de luz, música e risos! Pois eu serei a catástrofe! Serei a praga e a pestilência! O assassínio, a intolerância. Serei a seca e a fome, as inundações e a voracidade! E vocês... — Caos ergueu a bola de fogo e preparava-se para arremessá-la contra eles — Vocês são nada!

— Engana-se! — ouviu-se uma voz nítida e forte. — Somos tudo! Somos a esperança!

Uma lança de dragão, irradiando laivos rubros e prateados, fendeu o ar. Atingiu o Sol e esfrangalhou-se. O Sol explodiu em milhares de pedaços de magma que despencaram no chão envoltos em chama, para logo gelarem.

O Caos virou-se.

Alinhados em posição de combate, os cavaleiros defrontaram-no, com as lanças do dragão preparadas, as espadas em riste, irradiando fulgores rubros e prateados. No meio deles, encontrava-se um mago de vestes brancas, sem armadura e sem armas.

— Esperança? — disse Caos soltando uma nova gargalhada. — Não vejo esperança, apenas desespero!

Os fragmentos de rocha transformaram-se em guerreiros do demônio, excreções do Caos constituídas pelos terrores que cada pessoa vivenciara durante a existência. Incolores e volúveis como sonhos maus, os guerreiros demoníacos assumiam aspectos diferentes consoante os que os combatiam, materializando-se no que a pessoa mais temia.

Da fenda, começaram a brotar dragões de fogo. Caricaturando os dragões reais, eram constituídos por magma, com as escamas de obsidiana, as asas e a crina de chama, com carvões incandescentes em lugar de olhos. Das entranhas do mundo, vomitavam gases tóxicos. Das asas desprendiam-se fagulhas, que transformavam num pasto de chamas tudo o que afloravam.

Desesperados, os cavaleiros ficaram olhando para aqueles monstros, de rosto empalidecido pelo desânimo e o medo, à medida que as horríveis criaturas se lançavam ao ataque. Soltando-se das mãos trêmulas, os estandartes começaram a deslizar para o solo.

O Caos apontou para os Cavaleiros da Solamnia.

— Paladino morreu! — rugiu. — Lutam sozinhos!

E virando-se para os cavaleiros das trevas:

— Takhisis fugiu! Vocês lutam sozinhos!

Caos esparramou os braços enormes, que pareciam abarcar o Universo.

— Não há esperança! Não há deuses! Quem lhes resta?

Steel desembainhou a espada e ergueu-a no ar. O metal não refletiu as chamas, mas irradiou um fulgor esbranquiçado, como o luar a refletir-se no gelo.

— Temos uns aos outros — respondeu.

31

A luz.

O abrolho.

Uma faca chamada mata-coelhos.

— Majere, tem que pousar — disse Steel a Palin. — Não consigo lutar contigo às minhas costas.

— E eu não posso lutar escarranchado na garupa do dragão — concordou Palin.

Fulgor pairou sobre o solo. Steel estendeu o braço a Palin e puxou-o para fora da sela. Quando o cavaleiro se preparava para largá-lo, o mago segurou sua mão por um instante fugaz.

— Sabe o que fazer? — perguntou, ansioso.

— Mestre Feiticeiro trate do seu encantamento — respondeu Steel com frieza. — Estou preparado.

Palin aquiesceu com a cabeça e estreitou a mão de Steel.

— Adeus, primo — disse.

Steel sorriu. Por um instante, brilhou-lhe nos olhos um reflexo cálido.

— Adeus... — Calou-se e acrescentou, baixinho: — Primo.