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Steel virou a cabeça.

— A minha espada — disse, procurando-a com o olhar.

Palin encontrou-a perto do cavaleiro. Erguendo-a, colocou o punho na mão de Steel.

O cavaleiro fechou os olhos.

— Agora deixe-me com os outros — disse.

— Assim farei, primo — respondeu Palin, com os olhos marejados de lágrimas. — Assim farei.

Os dedos de Steel crisparam-se em torno do punho da espada. Tentou erguê-la de novo.

Est Sularus (A minha honra)... — As palavras em solâmnico foram sussurradas com o último estertor — oth Mithas (é a minha vida) — concluiu, soltando o derradeiro suspiro.

— Palin. — Era Usha, que se encontrava ao seu lado.

O mago levantou a cabeça e limpou a chuva e as lágrimas.

— O que é? Encontrou Tas?

— Venha ver — respondeu Usha com brandura.

Palin levantou-se. Tinha as vestes empapadas de chuva, mas para começo de Outono, o ar estava quente. Passou pelos corpos dos cavaleiros e interrogou-se sobre o destino dos dragões.

Depois, sentindo um baque de medo no coração, lembrou-se do bastão e do livro de encantamentos.

Mas avistou-os na erva, próximos um do outro. A lombada de couro vermelho estava enegrecida e queimada. Palin tocou-o com cuidado e abriu a capa. Não restava uma única página. Tinham sido todas destruídas, consumidas no último encantamento.

Palin suspirou, pensando quão grande era a perda. Contudo, estava certo de que Magius ficaria satisfeito se soubesse que a sua magia ajudara a derrotar o Caos. Palin pegou no bastão e foi com um sobressaltado e algo alarmado que constatou como o sentia estranho ao toque. A madeira, sempre tão cálida e convidativa, encontrava-se agora fria, áspera e irregular. Provocou-lhe uma sensação desconfortável na mão. Voltou a pousá-lo, aliviado por largá-lo e interrogou-se sobre o que havia de errado.

Foi encontrar Usha, que olhava fixamente para um monte de alforjes dispersos. Inclinando-se para examinar os pertences mais valiosos do kender, Palin logo esqueceu o bastão.

Separou vários objetos. Não reconheceu nenhum. Para bagagem de um kender não constituía surpresa, mas quase se convenceu de que pertenciam a outro que não Tas, que haviam sido abandonados pelo proprietário (possivelmente para permitir ao kender fugir mais depressa). Foi quando ergueu um dos alforjes e deste caiu um monte de mapas.

— São de Tasslehoff — disse, com o medo a gelar-lhe o coração. — Mas onde está ele? Nunca os abandonaria.

— Tas! — gritou Usha, pondo-se à procura. — Palin, olhe! Ali está a braçadeira dele... misturada com um monte de... penas de galinha.

Palin aproximou-se das penas e, por baixo destas e da braçadeira, avistou um lenço com as iniciais FB, uma colher de prata (de confecção elfa) e uma faca manchada de sangue escuro.

— Morreu! — exclamou Usha, com um soluço. — Nunca abandonaria a colher!

Palin olhou para a estrada, que se espraiava até se unir a outra, e mais outra, para depois se ramificarem, mas sempre em frente, a desembocarem em toda a parte e, na volta, a casa.

De repente, a estrada não passava de uma mancha.

— Há um único motivo que levaria Tas a abandonar os seus queridos pertences — disse Palin baixinho. — Encontrou algo mais interessante.

A chuva suave parou. Ao dia pardacento sucedeu-se a noite de breu. As estrelas estranhas acordaram e pontilharam o céu como se fossem pedras divinatórias lançadas sobre um pano negro. A Lua pálida e indiferente surgiu, iluminando-lhes o caminho.

Palin mirou as estrelas e a Lua solitária. Estremecendo, baixou a cabeça e deu com os olhos dourados de Raistlin.

— Tio! — exclamou Palin contente, e no entanto pouco à vontade.

O bastão já não lhe servia de arrimo. Tornara-se pesado e incômodo e não conseguia descobrir o que se passava de errado.

— Agora que a guerra acabou, vem para a nossa companhia? A guerra acabou, não foi? — perguntou, ansioso.

— Esta guerra terminou — acrescentou Raistlin em tom ríspido. — Haverá outras, mas não são da minha competência. E não, não vim para ficar. Só parei por estas bandas para me despedir.

Palin olhou com ar desapontado para o tio.

— Tem mesmo que ir? Preciso ainda aprender tanta coisa!

— É verdade, sobrinho e será até o dia em que morrer, mesmo que isso te aconteça quando for muito, muito velho. O que se passa com o bastão? Segurava-o como se te custasse agarrá-lo.

— Alguma coisa não bate certo — respondeu Palin, sentindo o medo crescer dentro de si, medo de coisas percepcionadas, suspeitas mas desconhecidas.

— Dê-me aqui — disse Raistlin com brandura.

Palin estendeu-o, experimentando uma súbita relutância. Raistlin pegou-o e examinou-o com admiração. Com a mão esguia, aflorou a madeira e acariciou-a.

Shirak — murmurou.

O bastão irradiou um fulgor, que começou a esvair-se, a escurecer. O clarão tremeluziu e desvaneceu-se.

Palin olhou-o consternado e depois ergueu a cabeça em direção à única Lua. Sentiu um aperto de medo no coração.

— O que se passa? — exclamou, aterrorizado.

— Ah, jovem, talvez eu possa responder.

Avistaram um velho feiticeiro, com vestes cor de rato e um chapéu vergonhoso com a copa partida, que percorria a estrada com passo cambaleante, vindo da Estalagem da Última Casa. Limpando a boca com a palma da mão ouviram-no observar:

— Bela cerveja. Uma das melhores do Caramon. Promete ser um ano excelente — disse, abanando a cabeça. — Vou, com certeza, sentir falta dela.

— Saudações, ó Velho — disse Raistlin, arrimado no bastão e sorrindo.

— Quê? Hein? É alguma piadinha à minha idade? — Sob as sobrancelhas hirsutas, os olhos do feiticeiro faiscavam.

Virou-se para Palin e avistou o lenço do kender, que Palin enfiara no cinto. A barba do velho eriçou-se.

— É meu! — guinchou e, arrebanhando-o, exibiu o pano. — Aqui estão as minhas iniciais, FB! Quer dizer... Mmmmm. Foos bal. Não, não soa lá muito bem. Fluber. Também não...

— Fizban — disse Palin.

— Onde? — O velho deu precipitadamente meia vota. — Apanhe-o! Anda sempre me seguindo!

— Fizban! — exclamou Usha, olhando-o maravilhada. — Sei quem é! O Protetor me falou de você! Na verdade, é o Paladino!

— Nunca ouvi falar dele! — respondeu o velho, irritado. — As pessoas estão sempre nos confundindo, mas eu sou muito mais bonito do que ele.

— Não morreu! — exclamou Palin, em tom aliviado. — O Caos disse que tinha morrido. Quer dizer, disse que o Paladino tinha morrido.

Fizban viu-se obrigado a se calar por um momento, a fim de ponderar o assunto.

— Não, não creio — respondeu, franzindo o cenho. — Não me digam que me deixaram outra vez num monte de penas de galinha!

Palin sentia-se reconfortado, alegre, sem receios.

— Senhor, conte-nos o que aconteceu. Ganhamos, não ganhamos? O Caos foi derrotado?

Fizban sorriu e suspirou. A expressão aturdida desapareceu, para dar lugar a um ancião de rosto bondoso, triste, sofredor e, contudo, triunfante.

— O Caos foi derrotado, meu filho. Mas não foi destruído. O Pai de Tudo e de Nada nunca poderá ser destruído. Vocês o obrigaram a sair deste mundo. Concordou em fazê-lo, mas por um elevado preço. Partirá de Krynn, mas os filhos têm que partir também.

— Você... você não vai, não é? — exclamou Usha. — Não pode!

— Os outros já se foram — respondeu Fizban baixinho. — Vim lhes apresentar os meus agradecimentos e... — soltou um novo suspiro — beber uma última caneca de cerveja com os meus amigos.