— O que você pensa que está fazendo? — inquiriu Flint, de mãos nas ancas e fuzilando o kender com o olhar.
— Descansando debaixo da sua árvore — replicou Tas. — Porquê? O que você pensa que eu estou fazendo? — Parecia interessado. — É alguma coisa diferente do que eu penso que estou fazendo? Porque se é...
— Vai para o inferno! — rosnou Flint. — Não é o que está fazendo ou o que pensa que penso que está fazendo, é o que não está fazendo!
Tas encarou o duende com ar severo.
— Você só diz bobagens — respondeu. — Se pensa que não faço o que em princípio devia estar fazendo, e se pensa que eu penso que faço o que não devia fazer, então...
— Cale-se! — rugiu Flint, crispando as mãos na cabeça.
— Flint, está acontecendo alguma coisa?
— Por sua causa estou ficando com dores de cabeça, é o que é! Bom, onde eu estava?
— Ora, eu não estava fazendo...
— Basta! — exclamou o duende, com a respiração pesada. — Não queria dizer isso. E levante-se. Não há tempo para ficar aqui na vida boa. Temos que nos encontrar com Tanis e com os outros, ali — acrescentou, fazendo um gesto vago com a mão.
— Talvez daqui a pouquinho — respondeu Tas, aninhando-se ainda mais. — Sinto-me tão cansado! Se não se importa, gostaria de repousar aqui mesmo. Mas que árvore tão linda! Ou seria, se não estivesse toda acastanhada e com um aspecto tão triste. Acho que a árvore está tremendo. Faz um gelo aqui! Tenho frio. Flint, você não tem?
— Frio! Claro que tenho frio! Quase pareço um atum defumado! Se chegasse na hora combinada...
Tas não o escutava. Avaliava a situação.
— Sabe, Flint, acho que eu, você e a árvore temos frio (acho que é por isso que parece tão esquisita), porque não há fogo na forja.
— Eu sei que não há fogo na forja! — uivou Flint, tão furioso que começou a cuspir perdigotos. — Eu... Mas... Você...
— Bom, cheguei bem a tempo! — disse Tas, em tom resoluto. — O que você faria sem mim! Mais tarde iremos encontrar com Tanis e os outros. A esta hora já se meteram num sem-fim de confusão e nós é que teremos que salvá-los. Tal como nos bons e velhos tempos. Ora bem, porque não acende o fogo e eu me sento debaixo desta bela árvore e te conto histórias? Ah, a propósito, tenho uma coisa para nós. — Tas esquadrinhou um dos alforjes e retirou um frasco de prata que exibiu, orgulhoso. — Do Caramon e do melhor!
Flint olhou para a árvore. Olhou para a forja. Olhou para o kender. E depois para o frasco.
Sobretudo para o frasco. Pôs-se a coçar a cabeça.
— Por Reorx — murmurou o duende —, não faria mal tirar uma soneca. Só para me aquecer, entende? Suponho que pagou o Caramon por isso, não é verdade?
Flint pegou o frasco, retirou a rolha e cheirou avidamente.
— Hei de pagar — respondeu Tas, inclinando-se para trás e pousando a cabeça no alforje. — Da próxima vez que estiver lá. Bom. Onde eu estava? Ah, sim. A famosa Colher de Revolver dos Kenders. Bom, havia um espectro, estás entendendo, e...
O kender continuou a tagarelar. Flint provou o conhaque, achou-o delicioso, bebeu várias goladas e meteu o frasco num bolso.
Havia tempo para se juntarem a Tanis e aos outros. Uma eternidade, se é que me entendem.
— Bem, acho que vou atear o fogo — decidiu Flint. — Só para não ter que ouvir o papaguear deste kender cabeça de atum.
Flint juntou lenha, encheu a forja e ateou uma centelha. Começou a manejar o fole e este transformou a fagulha em chama.
Logo a forja crepitava com um fogo reluzente, que aqueceu o duende, o kender e a árvore.
Flint acomodou-se, decidido a experimentar de novo o conhaque, para confirmar se era tão bom como o julgara da primeira vez.
Era mesmo.
Estendeu o frasco a Tas, que bebeu e o devolveu ao duende.
Na forja as chamas crepitavam, cada vez mais quentes e vivas.
E, no céu escuro que pairava sobre Ansalon, uma nova estrela nasceu — uma estrela vermelha — que perdurará, imutável e para todo o sempre, como o símbolo de que, mesmo na Idade dos Mortais, a Humanidade não se encontra só.