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— Concedo autorização para partir, Montante Luzente. A viagem será perigosa, mas quanto maior o perigo, maior se revelará a glória. Restituirá os corpos destes cavaleiros à sua terra natal, para que procedam às exéquias. Quanto ao resgate do Veste Branca, a decisão sobre o seu destino cabe à nossa prestimosa camarada.

Trevalin olhou para a Dama da Noite, que fervia de indignação por se ver excluída da tomada de decisão. Contudo, por não ser a comandante de Steel, não podia ter voz ativa neste processo de idas e vindas. Porém, o Veste Branca era seu prisioneiro, o que lhe conferia o direito de decidir quanto ao que fazer com ele.

Ponderou o assunto, debatendo-se, obviamente, entre o anseio de mantê-lo sob o seu jugo e o anseio quanto aos proventos que o resgate deste possivelmente lhe trariam. Quem sabe se algo mais a perturbava... Os seus olhos verdes e faiscantes fixavam-se ora em Steel ora em Palin.

— O Veste Branca foi condenado à morte — disse abruptamente.

— Quê? Porquê? Qual o motivo? — Trevalin mostrou-se estupefato e parecia impaciente. — Ele se rendeu! É um prisioneiro de guerra! Tem o direito a ser resgatado!

— O pedido de resgate já foi formulado — retrucou a Dama da Noite. — Recusou. Portanto, irá pagar com a vida.

— Jovem, é verdade? — perguntou Trevalin olhando com ar severo para Palin — Recusou o resgate?

— Pediram-me o que não posso dar — respondeu Palin, enclavinhando os dedos no bastão. Todos os presentes souberam de imediato qual o resgate pedido. — O bastão não me pertence. Foi-me emprestado, é tudo.

— O bastão? — Trevalin virou-se para a Dama da Noite. — Tudo o que pretende é o bastão? Se o recusou, confisque-o!

— Tentei — respondeu Lillith, exibindo a mão direita, cuja palma se mostrava cheia de vesículas e queimada.

— Veste Branca, foi você o responsável? — inquiriu Trevalin.

Palin enfrentou-o, com os olhos avermelhados pelas lágrimas derramadas, mas transparentes.

— Será que interessa, Senhor? — respondeu. — O Bastão de Magius foi-me confiado mediante um ato de fé sagrada. Não sou seu “dono”. Limitei-me apenas a controlá-lo. O bastão não pertence a ninguém a não ser a ele mesmo. Contudo, não me separarei dele, mesmo que isso me custe a vida.

Ambos os cavaleiros das trevas se mostraram impressionados com a resposta do jovem. O mesmo não aconteceu com a Dama da Noite. Esfregando a mão ferida, dardejou todos com um olhar ameaçador.

— Uma questão interessante — observou Trevalin. — Um homem não pode pagar com a vida pelo que não lhe pertence. Pode recorrer aos amigos e à família no sentido de obter para si o dinheiro necessário ao resgate, mas roubá-los é que não. A honra proíbe a este jovem a restituição do bastão. Assim sendo, Senhora, reivindicar a vida dele é um direito que lhe assiste. Contudo, parece que isso não combina com a Visão.

A Dama da Noite lançou um olhar contundente a Trevalin e abriu a boca para protestar. Contudo, a invocação da Visão transcendia todo o resto. Viu-se forçada a guardar silêncio até ele acabar.

— A Visão exige que, em todos os aspectos, coloquemos a causa de Sua Majestade das Trevas acima de todas as coisas. Tomar a vida deste jovem de nada servirá para engrandecer a causa. A alma dele voaria até Paladino e seria este o vencedor, não nós. Contudo, se conseguíssemos trocar a vida deste jovem por qualquer outra coisa, por algum objeto mágico de que os feiticeiros de Wayreth são detentores...

A expressão da Dama da Noite suavizou-se. Pousou os olhos em Palin, como que a conjecturar, e, fato estranho, também em Steel.

— Talvez — ouviu-se murmurar para consigo —, talvez seja este o motivo. Muito bem — disse em voz alta —, inclino-me perante a tua sapiência, subcomandante Trevalin. Há uma coisa que aceitaremos como resgate de Palin Majere. — Fez uma pausa, em jeito melodramático.

— O que é, Dona? — inquiriu Trevalin, impaciente por se libertar das suas obrigações.

— Queremos que os feiticeiros nos franqueiem o acesso ao Portal para o Abismo.

— Mas... é impossível! — exclamou Palin.

— A decisão não lhe pertence — retrucou a Dama da Noite com frieza. — Está sob a jurisdição do Conclave dos Feiticeiros. Cabe a eles decidir. Franquear o Portal não é o mesmo que entregar o Bastão de Magius. Tal opção pertence ao Conclave.

Palin abanou a cabeça.

— O que pede não pode... não será concedido. É impossível. Se quiser, acabe já com a minha vida. Não poderia — acrescentou em tom doce, pousando a mão no ombro do falecido irmão — morrer em melhor companhia.

— O julgamento já decorreu, Veste Branca. É nosso prisioneiro e tem que se curvar à nossa vontade. — Trevalin mostrava-se firme. — Viajará, na companhia do cavaleiro Steel, até à Torre de Wayreth, a fim do teu resgate ser comunicado ao Conclave dos feiticeiros. Se recusarem, pagará com a vida. Voltará à nossa presença a fim de morrer.

Palin encolheu os ombros e manteve-se em silêncio, indiferente ao destino que o aguardava.

— Você, Montante Luzente, responde pelo prisioneiro. Se escapar, pagará com a vida. Será condenado à morte no lugar dele.

— Compreendo, subcomandante — respondeu Steel —, e aceito o castigo.

— Tem quinze dias para completar a viagem. Na primeira noite, em que as luas vermelha e prateada forem ambas visíveis no céu, virá à minha presença, como teu comandante, consiga ou não ter êxito na tua incumbência. Se o prisioneiro fugir, deverá comunicar-me de imediato.

Steel fez a continência e afastou-se, a fim de selar o seu dragão. Aliviado, Trevalin retomou as tarefas e ordenou a um escudeiro que preparasse os dois cadáveres para a viagem. Os corpos dos outros cavaleiros foram dispostos numa carroça, a fim de serem conduzidos ao túmulo. Palin permaneceu junto dos irmãos, desvelando-se a limpar os corpos, retirar o sangue e fechando-lhes os olhos enevoados e fixos.

Lillith manteve-se perto de Palin, seguindo-o intensamente com os olhos. Não o fazia por receio que escapasse. Procurava, sim, alguma pista. Porque havia aquele jovem mago — dentre todos os jovens magos do mundo — sido enviado para ali, a fim de participar naquela batalha? Porque fora o único a sobreviver? E, fato mais importante, porque travara Palin Majere conhecimento com o seu primo, o Montante Luzente?

Invocou a imagem dos dois, caminhando lado a lado, falando um com o outro. Neles não detectou semelhanças congênitas imediatas. De fato, e à primeira vista, não podiam ser mais diferentes. Steel era alto, musculoso, bem constituído. Uma cabeleira longa, escura e encaracolada, emoldurava-lhe o rosto enérgico e de belos contornos, os seus olhos eram escuros, grandes e intensos. Era, inegavelmente, um homem bonito. Mas embora as mulheres olhassem pela primeira vez para Steel com admiração, não voltavam a fazê-lo. Sem dúvida era agradável, porém toda a atração acabava aqui. Tornava-se óbvio para todos que pertencia, de corpo e alma, a uma dama implacáveclass="underline" a Guerra.

Só a guerra conseguia satisfazer-lhe a luxúria, os desejos. O seu porte frio, orgulhoso, arrogante, só ganhava vida durante a investida, o combate. O entrechoque das armas constituía a música por ele adorada, a canção do desafio, a melodia de amor que entoava.

A contrastar, Palin Majere, o primo, possuía uma constituição franzina, cabelo castanho avermelhado e pele clara. De ossatura delicada e olhos inteligentes e penetrantes, a Dama da Noite identificara-o de imediato com o tio. Avistara-se uma vez com Raistlin Majere e, mal vira o sobrinho deste, reconhecera-o. Julgara ela que por via das mãos. Possuía o toque delicado e hábil do tio.

Primos, nas veias corria-lhes o mesmo sangue. Sim, a semelhança residia ali, na alma, e não no corpo. Steel conhecia a força que detinha. Palin ainda não a descobrira. Mas esta pulsava nele tal como no tio. Como utilizá-la em prol de Sua Majestade das Trevas? Pois decerto havia um motivo qualquer que determinara o encontro entre os dois!