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— São homens — respondeu o outro, olhando espantado ao redor. — Mas, assim nos disseram, homens como os que povoaram Krynn durante a Idade do Crepúsculo. Repare! Possuem utensílios feitos de madeira! As suas lanças são de madeira. E, por sinal, bem grosseiras.

— Com ponta de madeira e não de pedra — retorquiu o outro. — Casas que não passam de cabanas de lama. Os potes onde cozinham são feitos de barro. Nem um pedacinho de aço ou de ferro à vista. Que horda miserável! Não entendo que ameaça poderão constituir. Só se for pela imundície. Pelo fedor, não devem tomar banho desde a Idade do Crepúsculo!

— Que bando tão feio! Lembram mais macacos do que homens. Não sorriem, têm um aspecto carrancudo e ameaçador.

Alguns dos humanos machos — ao vê-los assim, cobertos de peles de animais, tornava-se difícil identificá-los como humanos — avançaram em silêncio e vagarosamente na direção dos cavaleiros. Os “homens-animais” caminhavam com o dorso curvado, os braços balançando contra os flancos e as articulações dos dedos quase tocando o solo. Tinham as cabeças cobertas de melenas compridas e desgrenhadas, e a barba, em desalinho, quase lhes ocultava o rosto. Balançavam-se, arrastando os pés, e miravam os cavaleiros com indisfarçável temor. Um dos homens-animais acercou-se a ponto de, com a mão suja, tocar na armadura negra e reluzente.

Um dos brutos avançou, procurando, com o corpo maciço, servir de escudo ao cavaleiro.

Este o afastou e desembainhou a espada. O aço cintilou à luz do Sol. Virou-se para uma das árvores atarracadas. Com os seus ramos retorcidos e o tronco nodoso, assemelhava-se bastante ao povo que vivia à sua beira. Erguendo a espada, o cavaleiro, com um golpe fulminante, decepou um dos ramos.

O homem-animal prostrou-se de joelhos e curvou-se no pó, emitindo sons lamurientos e tristes.

— Acho que vou vomitar — disse o cavaleiro ao camarada. — Os duendes não iriam se juntar a este bando.

— Tem razão.

— Nós dois daríamos conta da tribo inteira.

— É bem possível, mas nunca conseguiríamos fazer desaparecer das nossas espadas o fedor — respondeu o outro.

— Que faremos? Os matamos?

— Pouca honraria adviria daí. Torna-se óbvio que estes desgraçados não representam uma ameaça para nós. Recebemos ordens para localizar quem ou o que habita a ilha e depois regressarmos, a fim de transmitir as novas. Quem sabe se esta gente não é predileta de algum deus e provocaríamos a ira deste maltratando-a? Seria possivelmente a essa catástrofe que os Cavaleiros Cinzentos se referiam?

— Duvido que seja isso — retorquiu o outro cavaleiro. — Não posso conceber um deus que trate desta maneira os seus prediletos.

— Morgion, talvez — observou o companheiro, com um sorriso ambíguo. O cavaleiro soltou um grunhido, dizendo:

— Bom, nenhuma desgraça se deve abater sobre nós só pelo fato de olharmos para eles. Os Cavaleiros Cinzentos não podem nos culpar por isso. Envie os brutos em exploração ao resto da ilha. Regressemos à costa. Necessito de ar puro.

Os dois cavaleiros voltaram para a praia. Sentando-se à sombra da árvore, enquanto aguardavam o regresso das outras patrulhas, passaram o tempo falando da invasão iminente de Ansalon, referindo-se à vasta armada de navios equipados com carrancas de dragões e tripulados por minotauros, que transportavam milhares e milhares de guerreiros bárbaros. Quase tudo se encontrava preparado para a invasão do continente, que ocorreria na Véspera do Verão.

Os Cavaleiros de Takhisis desconheciam ao certo onde iriam atacar, pois tal informação era mantida em segredo. Mas não duvidavam quanto à vitória. Desta vez, a Rainha das Trevas iria ser bem sucedida. Desta vez, os seus exércitos sairiam vitoriosos. Desta vez, ela conhecia o segredo da vitória.

Decorridas algumas horas, os brutos regressaram para relatar as novas. A ilha não era muito grande, cerca de cinco quilômetros de comprimento assim como grande número de outras em redor. Os brutos não encontraram mais ninguém. A tribo de homens-animais desaparecera, escondendo-se, possivelmente, nas cabanas de lama até a partida dos forasteiros.

Os cavaleiros regressaram à embarcação. Os brutos arrastaram-na para a água, saltaram para dentro e agarraram nos remos. A embarcação foi sulcando as águas, rumo ao navio negro, onde tremulava o estandarte dos Cavaleiros de Takhisis: o lírio da morte, a caveira e o abrolho.

Atrás dos cavaleiros ficou uma praia vazia, deserta.

Mas a sua partida, tal como a chegada, fora observada.

2

A ilha mágica.

Um comício urgente.

O juiz.

O navio negro com a carranca de dragão foi se desvanecendo no horizonte, até desaparecer por completo. Então, os homens-animais desceram das árvores.

— Será que voltam? Estamos seguros? — perguntou um deles a uma fêmea.

— Ouviu-os. Vão comunicar que somos “inofensivos”, que não representamos qualquer ameaça para eles. O que significa... — acrescentou a mulher, depois de refletir por um instante — ...que voltarão. Não será hoje nem depois. Mas, voltarão.

— Que podemos fazer?

— Não sei. Viemos para esta ilha a fim de preservarmos o nosso segredo. Talvez tenha sido um erro. Quem sabe se não seja melhor nos espalharmos pelo mundo inteiro. Aqui, arriscamos sermos descobertos e estamos vulneráveis aos ataques. Espalhando-nos, ao menos poderíamos nos misturar com as outras raças. Não sei — repetiu, sem saber o que fazer. — Como posso assegurar? Cabe ao Juiz decidir.

— Sim! — O macho pareceu aliviado. — É verdade. Aguarda impaciente o nosso regresso. Devemos ir quanto antes.

— Mas não assim — advertiu-o a companheira.

— Não, claro que não. — Com uma expressão desolada, voltou, através do cabelo desgrenhado, a perscrutar o oceano. — É tudo tão pavoroso, tão assustador! Mesmo agora não me sinto em segurança. Continuo a avistar aquele navio, a perfilar-se vagamente no horizonte. Continuo a ver os cavaleiros negros. Ouço as suas vozes... as que se ouvem e as que se quedam mudas. Falam de conquistas, batalhas, mortes. Decerto... — Hesitou. — Decerto deveríamos avisar... alguém em Ansalon. Talvez os Cavaleiros Solâmnicos.

— A responsabilidade não é nossa — replicou a mulher, em tom cortante. — Temos é de nos preocupar conosco, como sempre fizemos. Pode acreditar — acrescentou, em tom amargo — que, em circunstâncias idênticas, não se preocupariam conosco. Retomemos a nossa verdadeira forma e partamos.

Os dois murmuraram palavras de magia que nenhum feiticeiro de Ansalon podia entender e muito menos pronunciar. Palavras pelas quais os feiticeiros de Ansalon dariam a alma para possuir. Tal nunca viria, nem poderia, acontecer. Pois essa poderosa magia era inata e não adquirida.

A aparência trôpega do homem-animal foi desaparecendo à medida que tombava o feio invólucro da crisálida, para revelar a criatura indizível e feérica que aprisionava. Dos disfarces emergiram duas criaturas maravilhosas.

Torna-se difícil descrever tamanha beleza. Eram altas, esguias, de ossatura delicada, com olhos grandes e luminosos. Mas há muitos neste mundo passíveis de serem descritos como tal, de serem considerados belos. E o que aos olhos de um parece bonito, aos olhos de outro não será. Um elfo do sexo masculino considera as elfas com bigodes de gato mais sedutoras e o rosto liso das mulheres humanas desnudo e flácido. Contudo, até um elfo tem a percepção da beleza dessas pessoas, independentemente de encarnarem ou não o seu conceito de belo. São lindas como o Sol que se põe para lá das montanhas, como o luar a refletir-se no mar, como a neblina matinal que se eleva dos vales.

Uma palavra transformou as vestes de peles de animais não curtidas em seda cintilante e finamente tecida. Outra palavra alterou a árvore na qual se escondiam, imprimindo suavidade aos ramos contorcidos e alisando o seu tronco nodoso. A árvore tomou-se alta e ereta, e folhas de um verde carregado roçagaram ao sabor da brisa do oceano. No ar pairou o doce perfume derramado pelas flores. Uma outra palavra determinou que todas as árvores passassem por igual metamorfose.