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— Preciso falar com Dalamar. É óbvio que sabe algo a respeito desses cavaleiros das trevas.

— E vai te contar? — perguntou Caramon com uma expressão duvidosa.

— Se achar que pode beneficiá-lo, conta — respondeu Tanis. — Porthios permanecerá aqui no mínimo algumas semanas. Alhana precisa de tempo para descansar e o próprio Porthios, embora não admita, encontra-se à beira da exaustão. Ainda bem, desse modo posso ausentar-me e fazer uma visita a Dalamar.

E pousando a sua na mão grande do corpulento humano, acrescentou:

— Antes que me esqueça, Caramon, não sei como agradecer-lhe por consentir que Porthios e Alhana fiquem aqui. Se alguém descobrisse a presença deles aqui podia pô-lo em perigo. Formalmente foram expulsos, exilados. São elfos das trevas, o que significa caça da grossa...

— Ora! — Caramon esboçou um gesto, como que para afastar o pensamento, e ao mesmo tempo sacudiu inadvertidamente uma mosca incômoda. — Que interessa ao povo de Consolação, se nada sabe a respeito das questões entre os Elfos? E muito menos que Porthios e Alhana foram exilados e designados “elfos das trevas”. Ninguém reparará na diferença, a menos que, de repente se tornem vermelhos. Para nós, um elfo é um elfo.

— No entanto, correm boatos por aí de que os Qualinesti e os Silvanesti enviaram assassinos no rastro de Porthios e Alhana — disse Tanis com um suspiro. — Outrora, foram os dirigentes das nações elfas mais poderosas de Ansalon. Através do casamento, forjaram uma aliança entre os dois reinos que faria dos Elfos uma das potências líderes do continente. Pela primeira vez, em séculos, vai nascer uma criança que se tornará a herdeira de ambos os reinos! E já há quem tenha jurado a sua morte!

Tanis cerrou os punhos e acrescentou:

— O que mais me deixa frustrado é a maior parte dos Elfos desejar a paz, não só com os primos mas com os vizinhos. São os extremistas de ambos os lados que estão pressionando no sentido de voltarmos à época do isolacionismo, fecharmos as fronteiras, abatermos qualquer humano ou duende que apareçam no caminho. O resto dos Elfos vai na conversa porque é mais fácil fazer do que falar, provocar confrontos.

Abanando a cabeça, Tanis rematou:

Acho que os assassinos não se atreverão a atacar a estalagem mas, nestes dias, nunca se sabe...

— Sobrevivemos aos dragões — disse Caramon em tom jovial. — Sobreviveremos aos Elfos, à seca e a todas as catástrofes que possivelmente ocorram.

— Assim espero — disse Tanis, agora em tom sombrio. — Assim espero, meu amigo.

— Por falar em Qualinesti, o Gil, como passa?

Tani permaneceu por longo tempo em silêncio. A dor da partida de Gil não diminuíra, embora longos meses tivessem decorrido desde que o filho fugira de casa, ofuscado pela miragem de se tornar dirigente — ou regente fantoche dos elfos de Qualinesti.

Gilthas — assim chamado em memória de Gilthanas, o malogrado irmão de Laurana — fora o filho que ambos desejavam mas julgavam nunca poder gerar. Laurana passara por uma gravidez difícil. Gilthas era um bebê frágil que por diversas vezes esteve à beira da morte. Tanis sabia que ele e a mulher se constituíam declaradamente como protetores do filho, recusando-lhe a hipótese de visitar a terra natal dos pais, tentando protegê-lo de um mundo dividido por preconceitos raciais que consideraria difícil aceitar uma criança de sangue misto.

Quando Porthios, o Orador do Sol de Qualinesti, abandonou a pátria e pôs a vida em risco ao lutar a favor dos Silvanesti, os extremistas aproveitaram a sua ausência para o estigmatizarem por traição e escolherem um novo Orador. Optaram por Gilthas cuja mãe, irmã de Porthios, podia ascender à posição, mas que, ao casar com Tanis Meio Elfo, perdera tal direito.

Acreditando que Gil, em virtude do seu sangue humano, era um tolo e um fraco passível de ser manipulado no sentido de atuar como rei-fantoche, os extremistas persuadiram o jovem a fugir de casa e viajar até Qualinesti. Uma vez lá, Gil revelou-se mais duro do que os senadores imaginavam. Viram-se forçados a recorrer a ameaças de violência contra Alhana Brisa das Estrelas, regente dos Silvanesti e sua prisioneira, para persuadirem Gil a tornar-se Orador.

Tanis efetuara diligências — com a ajuda de Dalamar — para salvar o filho mas, o meio elfo falhara.

Ou antes, disse Tanis para consigo, com sofrido orgulho, eu fui bem sucedido. O Gil é que optou por ficar, por servir o seu povo, por fazer tudo ao seu alcance, no sentido de travar os extremistas e levar a paz às nações elfas.

Mas o tempo não fizera diminuir a dor sentida com a perda do filho e agora, para agravar as coisas, um Porthios enfurecido e clamando vingança andava a reunir as suas tropas a fim de declarar guerra aos Qualinesti, uma tragédia que Tanis tentava evitar. Quando sentiu a voz menos embargada, respondeu ao amigo:

— O Gil está bem, pelo menos é o que ouço dizer. Como sabe, não me é permitido vê-lo... caso contrário arrisco-me a que me matem.

Caramon aquiesceu, com uma expressão de simpatia a suavizar-lhe a cara grande.

— A Laurana ainda está tentando chegar a um acordo com os Qualinesti. Há meses que anda em negociações com eles. Disse na última carta que acha que começam a ceder. Que Gil tem algo a ver com isso. Ele é mais forte do que julgam. Mas... — Tanis encolheu os ombros e abanou a cabeça — ... Tenho saudades dele, Caramon. Nem imagina...

Caramon, que sentia a falta dos filhos, conseguia imaginar, mas sabia o que Tanis queria dizer. Havia uma diferença. O filho de Tanis praticamente era um prisioneiro do seu próprio povo. Os filhos de Caramon em breve regressariam para casa.

Os dois continuaram a falar dos tempos passados e atuais, quando uma suave pancada na porta veio interrompê-los. Sobressaltado, Caramon deu um salto.

— Em nome do Abismo, quem será? A esta hora da noite! Não ouvi ninguém subir as escadas...

— Nem ouvirá — disse Tanis, levantando-se. — Trata-se da escolta de Porthios. E estes soldados elfos são silenciosos, até mesmo para elfos. O luar brilhando na erva faz mais barulho do que eles.

Tanis encaminhou-se para a porta, pousou a mão no puxador e, lembrando-se da advertência que fizera a Caramon a respeito dos assassinos, emitiu um leve assobio.

A resposta veio num tom mais alto, e bateram de novo à porta.

Tanis abriu.

Um guerreiro elfo esgueirou-se para dentro. Relanceando o olhar em volta, acenou para si mesmo com a cabeça, à laia de aprovação. Concluída a inspeção, virou-se para Tanis.

— Tudo em ordem?

— Tudo em ordem. Apresento-lhe Caramon Majere, o teu anfitrião. Caramon, apresento-lhe Samar, o Protetor da Casa.

Samar examinou Caramon com frieza. O elfo não pareceu muito impressionado com a barriga rotunda e a cara jovial do homem.

Era freqüente os que lidavam com Caramon pela primeira vez tomarem erradamente o seu sorriso afável e a lentidão de pensamento como indício de uma mente apatetada. Conforme os amigos de Caramon viriam a constatar, isso não correspondia à verdade. Só chegava a uma resposta depois de percorrer a questão mentalmente, analisá-la a partir de todos os prismas, examiná-la de todos os ângulos. Concluído este processo, com frequencia chegava a conclusões caracterizadas pela extrema argúcia.

Porém, Caramon não era pessoa para se deixar intimidar por um elfo. O grandalhão retribuiu, dando mostras do maior aprumo e autoconfiança. Afinal de contas, aquela estalagem lhe pertencia.

O rosto frio de Samar desanuviou-se, e este esboçou um sorriso.

— Caramon Majere, um Herói da Lança. “Um grande homem, mas o seu coração ainda é maior do que o corpo.” São palavras da minha Rainha. Saúdo-o em nome de Sua Majestade.