Выбрать главу

Os dois abandonaram a praia e embrenharam-se pelo interior, seguindo a direção tomada pelos cavaleiros para chegar à aldeia de cabanas de lama. Não falavam, o silêncio bastava-lhes. As palavras há pouco ditas, eram possivelmente mais do que os de sua raça haviam trocado uns com os outros durante anos. Os Irdas apreciam o isolamento, a solidão. Nem sequer gostam da companhia uns dos outros por períodos longos, e só a crise surgida levara os dois observadores a entabular conversa.

Sendo assim, a cena com que depararam no regresso constituiu um choque quase tão grande como fora para os cavaleiros avistarem as cabanas de lama e os utensílios de cozinha em barro. Os dois Irdas avistaram o seu povo — várias centenas — reunido debaixo de um enorme salgueiro, circunstância quase inédita nos anais da história dos Irdas.

As árvores feias e grotescas tinham desaparecido, para dar lugar a uma floresta densa e luxuriante de carvalhos e pinheiros. Erigidas em torno e por entre as árvores viam-se habitações pequenas, cuidadosamente concebidas e desenhadas. Cada uma diferia em aspecto e aparência. Mas poucas havia com mais de quatro divisões, que incluíam a área das atividades culinárias, a área de meditação, a área de trabalho e a área de repouso. As residências com cinco divisões, também albergavam os elementos jovens da espécie. As crianças viviam com um dos progenitores (em geral a mãe, a menos que as circunstâncias determinassem o contrário), até atingirem a Idade da Identidade. Nessa altura, a criança saía de casa para estabelecer residência própria.

O lar dos Irdas era autônomo. Cada Irda cultivava o seu sustento, obtinha a sua água, prosseguia os seus estudos. Não havia proibições nem entraves no tocante ao intercâmbio social, pois simplesmente não existia. Tal idéia nunca ocorreria a um Irda e, em caso afirmativo, seria considerada uma característica inerente a outras raças inferiores, como os Humanos, os Elfos, os Duendes, os Kender e os Gnomos. Ou às raças obscuras, como os Minotauros, os Gobelins e os Draconianos. Ou, a uma raça à qual os Irdas nunca aludiam — os Ogros.

Apenas uma vez na vida um Irda se juntava a outro Irda, para fins de acasalamento. Constitui, tanto para o homem como para a mulher, uma experiência traumatizante, não é o fazem movidos pelo amor. O que os força a se juntarem se deve à prática mágica conhecida por Valin. Criada pelos anciões da raça no sentido de perpetuar a espécie, a Valin determina que a alma de um Irda se apodere da alma de outro. Não há fuga, defesa, escolha ou seleção possíveis. Quando ocorre a Valin entre dois Irdas, têm de acasalar, caso contrário a Valin irá torturá-los e atormentá-los ao ponto de arrastá-los para a morte. Depois da mulher conceber a magia da Valin evapora-se, e depois de decidir quem se responsabilizará pelo bem-estar da criança, os dois seguem caminhos distintos. Constitui uma experiência tão avassaladora na existência de dois Irdas, que raramente ocorre mais de uma vez na vida. Daí que se registrem poucos nascimentos entre os Irdas e que o seu número se mantenha pouco elevado.

Os Irdas vivem há séculos no continente de Ansalon, desde a origem deste. No entanto, são poucas as outras raças, mais prolíficas, que conhecem a existência destes. Tais criaturas prodigiosas, povoam as lendas e contos folclóricos. Todas as crianças aprendem, no colo da mãe, a história dos Ogros, outrora as mais belas criaturas alguma vez concebidas, mas que, devido ao pecado do orgulho, se viram amaldiçoados pelos deuses e convertidos em monstros feios e pavorosos. Tais lendas funcionam como lições de moral.

— Rolando, se puxar outra vez o cabelo da tua irmã, vai se transformar num ogro!

— Margarida, se continuar a admirar tua linda face, um dia olhará o espelho e descobrirá que é feia como um ogro!

Reza a lenda que os Irdas eram ogros que conseguiram escapar da ira dos deuses, permanecendo belos e guardando intactas todas as bênçãos e poderes. Por serem tão poderosos, belos e abençoados, os Irdas não mantinham contato com o resto do mundo. Por isso, desapareciam. Quando as crianças percorriam um bosque escuro e sombrio, procuravam sempre um Irda, pois, segundo a lenda, se apanharmos um Irda, podemos obrigá-lo a nos conceder um desejo.

A verdade desta lenda é idêntica à da maioria de tantas outras, mas configura o receio primordial dos Irdas: se alguma outra raça descobrisse um Irda, tentaria reverter a poderosa magia em benefício dos seus próprios desígnios. O medo de serem utilizados, levou os Irdas a viverem sós, disfarçados, e a evitar todo o contato com as outras espécies.

Muitos anos haviam decorrido desde que um Irda pisara solo de Ansalon — fossem os bosques escuros e sombrios ou qualquer outro local. Após a Guerra da Lança, os Irdas aguardaram, esperançados, o advento de um longo reinado de paz, mas viram gorado o seu anseio. Tornou-se impossível, entre as diversas facções e raças de Ansalon, chegar a um consenso no sentido de um tratado de paz. O pior era sucederem-se agora disputas entre as raças. E corriam rumores da formação de vastas trevas no Norte.

Receoso de que o seu povo se visse enredado em mais uma guerra devastadora, o Juiz tomara uma decisão. Mandou que chegasse a mensagem a todos os Irdas de que deveriam abandonar o continente de Ansalon e convergir para aquela ilha remota, onde ninguém saberia da sua existência. E eles obedeceram. Por largos anos, viveram na ilha em paz e no isolamento. Paz e isolamento esses agora devassados.

Os Irdas tinham se congregado ali, por baixo do salgueiro, para tentar pôr termo à ameaça. Uniram-se para debater a questão dos cavaleiros e dos bárbaros, e no entanto mantinham-se à parte, cada um deles separado dos companheiros, a olhar de relance para a árvore, depois se mirando de soslaio, constrangidos, infelizes. O ramo da árvore que fora decepado pelo frio gume de aço do cavaleiro, jazia no chão. A seiva esvaía-se do golpe infligido na árvore viva. O espírito da árvore chorava de angústia, e os Irdas não podiam reconfortá-lo. Uma existência pacífica, aprimorada ao longo dos anos, chegara ao fim.

— Penetraram no nosso escudo mágico — declarou o Juiz, dirigindo-se à assistência. — Os Cavaleiros das Trevas sabem que nos encontramos aqui. Eles vão voltar.

— Permita que discorde, Meritíssimo Juiz — argumentou outro Irda, em tom respeitoso. — Os cavaleiros não vão voltar. Os nossos disfarces os enganaram. Julgam-nos selvagens, ao nível dos animais. Porque haveriam de voltar? O que eles poderiam querer de nós?

— Conhece os meandros da raça humana — replicou o Juiz, em tom repassado de mágoas acumuladas ao longo de séculos. — É possível que os Cavaleiros das Trevas nada queiram de nós agora. Mas virá o tempo em que os chefes deles necessitarão encher as fileiras dos exércitos, ou considerem esta ilha um bom local para a construção de navios, ou haja necessidade de colocarem uma guarnição aqui. Um humano nunca suporta deixar em paz o que quer que seja. Tem que fazer algo com todo o objeto que encontra, descobrir-lhe uma serventia, desmontá-lo para ver como funciona, atribuir-lhe um significado ou importância qualquer. O mesmo acontecerá conosco. Hão de voltar.

Os Irdas, por sempre viverem sós, em isolamento, não careciam de nenhum tipo de corpo governamental. Contudo, estavam cientes da necessidade de um deles tomar as decisões em nome de todos. Assim, desde tempos imemoriais, procediam à escolha de um dos seus pares, e este passava a denominar-se o Juiz. Por vezes do sexo feminino, outras do sexo masculino, o Juiz selecionado não era o mais idoso nem o mais jovem, o mais sábio ou o mais sagaz, o mago mais poderoso ou o mais fraco. O Juiz possuía uma dimensão normal, e sendo, portanto, normal, não assumia atos drásticos, antes seguia uma orientação mediana.