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— E dado o poder destes elfos ter aumentado, os duendes de Thorbardin receiam um ataque e estão a ponderar a hipótese de, uma vez mais, encerrarem a sua montanha. Os Cavaleiros Solâmnicos procedem à construção das suas defesas — não por temerem os Cavaleiros das Trevas mas por receio dos Elfos. Os Cavaleiros de Paladino foram advertidos contra os paladinos negros do Mal, mas recusam-se a acreditar que o tigre possa ter mudado de listras, como reza o ditado. Os Solâmnicos crêem ainda que o Mal há de virar-se contra si mesmo, como aconteceu na Guerra da Lança, quando Kitiara, o Chefe Supremo dos Dragões, acabou por se envolver em contenda com o Eminente Ariakus, o seu próprio comandante, enquanto o feiticeiro Veste Negra Raistlin Majere atraiçoava ambos. Tal não acontecerá desta vez.

— A balança pende agora a favor da Rainha das Trevas. Mas, meus amigos, desta vez... — O Juiz relanceou o olhar pela sua gente. — Desta vez estou inclinado a crer que a Rainha Takhisis ganhará.

— Mas, e quanto a Paladino? E quanto a Mishakal? Tal como no passado, as nossas preces lhes são dirigidas. Eles nos protegem — disse o Protetor, e muitos aquiesceram.

— Será que Paladino nos protegeu dos cavaleiros do Mal? — contrapôs o Juiz, em tom severo. — Não! Permitiu que atacassem a nossa costa!

— Não nos causaram danos — observou o Protetor.

— Contudo — salientou o Juiz, em tom agourento —, os deuses do Bem, em cuja proteção por tanto tempo confiamos, pouco podem fazer por nós. Este incidente terrível foi prova disso. A nossa magia, a magia deles, não funcionou conosco. Chegou a hora de confiarmos em algo mais poderoso.

— É óbvio que tem qualquer coisa em mente. Conte-nos — disse o Protetor, com voz sombria.

— Eis o que tenho em mente: recorramos aos mais poderosos artefatos mágicos, a fim de que estes nos protejam — de uma vez por todas — dos intrusos. Conhecem o nome do artefato a que me refiro — a Pedra Preciosa Cinzenta, de Gargath.

— A Pedra Preciosa Cinzenta não é nossa — replicou o Protetor, com voz severa. — Não nos pertence, mas sim aos povos do mundo.

— Doravante não — replicou o Juiz. — Fomos nós que procuramos esse artefato e o encontramos. O adquirimos e trouxemos para cá, para salvaguardá-lo.

— O roubamos — replicou o Protetor. — De um pescador ingênuo que o encontrou enterrado na praia, o levou para casa e o guardou, devido à cintilação das suas facetas e ao regozijo sentido em mostrá-lo aos vizinhos. Não fez uso do mesmo, ignorava a sua magia, esta não lhe interessava em absoluto. De modo que a Pedra Preciosa Cinzenta de pouco lhe valeu. Possivelmente estava escrito que seria ele o guardião. Quem sabe se, ao sonegá-la, inadvertidamente alteramos os planos dos deuses. Quem sabe se, por esse motivo, eles deixaram de nos proteger!

— Haverá possivelmente alguns que qualificam o ato como roubo — retrucou o Juiz ao Protetor, em tom muito duro. — Mas eu afirmo que, ao recuperarmos a Pedra Preciosa Cinzenta, fizemos ao mundo um favor. Há muito que esse artefato constitui um problema, pois semeia destruição por onde passa. Escaparia à alçada do simplório, como escapou a tantos outros antes dele. Mas agora se encontra preso graças à nossa magia. Ao mantê-lo aqui, sob o nosso jugo, estamos a beneficiar a Humanidade inteira.

— Meritíssimo Juiz, se bem me recordo, disse-nos que a magia da Pedra Preciosa Cinzenta nos protegeria das incursões do mundo exterior. Ao que parece, não é o caso — replicou o Protetor. — Como pode agora afirmar que a sua magia nos protegerá?

— Passei largos anos a estudar a Pedra Preciosa Cinzenta, e recentemente fiz uma descoberta importante — respondeu o Juiz. — A força que impele a Pedra, que a leva a perambular pelo mundo, não é inerente à gema em si. Acredito que existe algo no interior da mesma. Esta não passa de um receptáculo... de um vaso... que contém e restringe o poder. Tal força mágica, uma vez liberta, provará indubitavelmente o seu imenso poder. Proponho a todos os presentes que rachemos a Pedra Preciosa Cinzenta ao meio, libertemos a força nela contida e a utilizemos para proteger a nossa Pátria.

Os Irdas deixaram transparecer a sua infelicidade. Desagradava-lhes levar a cabo ações de que natureza fosse, e preferiam passar a vida em meditação e estudo. Quase se tornava inconcebível assumir uma medida tão drástica! Contudo, bastava olharem ao redor para ver a devastação infligida à bem-amada Pátria, ao derradeiro refúgio longe do mundo.

O Protetor ainda esboçou um protesto final.

— Se a Pedra Preciosa Cinzenta encerra alguma força, esta, tal como afirma, deve ser muito poderosa. Está certo de que conseguiremos subjugá-la?

— Estamos agora aptos a controlar, com toda a facilidade, a própria Pedra Preciosa Cinzenta. Não vejo como será difícil controlar tal poder e utilizá-lo em nossa defesa.

— Mas como pode asseverar que controlamos a Pedra? Quem sabe se não é esta que te controla, Meritíssimo Juiz!

Uma voz — mais áspera do que as entoações musicais dos Irdas — fez-se ouvir por trás do Protetor. Todas as cabeças se viraram na direção da mesma e os Irdas recuaram, a fim de conseguirem ver quem falava. Tratava-se de uma mulher jovem, uma mulher humana de idade indeterminada, entre os dezoito e os vinte e cinco anos humanos. Aos olhos dos Irdas, a jovem era uma criatura extraordinariamente feia. A despeito da sua aparência grosseira — ou possivelmente devido a ela —, os Irdas estimavam-na, amavam-na, mimavam-na. Assim procediam há anos, desde que esta — uma criança órfã — passara a viver entre eles.

Poucos Irdas se atreviam a dirigir ao Juiz uma declaração tão impertinente. A jovem devia sabê-lo. Todos os olhares se concentraram, reprovadores, no Irda responsável pela humana — o homem que, justamente por esse motivo, era designado por Protetor.

Este deu mostras de profundo embaraço e dirigiu-se à jovem, ao que parece instando com ela para que voltasse para casa.

O Juiz assumiu uma expressão de paciência infinita e declarou:

— Usha, minha filha, não estou bem certo quanto às tuas palavras. Poderá explicá-las melhor?

A jovem pareceu agradada por ser o alvo de tantas atenções. Encolheu os ombros e, libertando-se da mão do Protetor, que suavemente procurava refreá-la, avançou até o meio do círculo formado pelos Irdas.

— Como sabe que a Pedra Preciosa Cinzenta não te controla? Se assim fosse, não o diria, não é? — Usha relanceou o olhar pela assistência, orgulhosa do seu argumento.

O Juiz aceitou-o, louvou a clarividência da humana e teve o cuidado de reprimir um sorriso. Claro que a idéia se tornava ridícula, mas afinal, a garota era humana.

— Desde que ficou sob a nossa guarda, a Pedra Preciosa Cinzenta tem se revelado bastante submissa — respondeu. — Permanece no altar que lhe construímos e quase não cintila. Minha filha, duvido que esteja nos controlando. Quanto a isso, é desnecessário se preocupar.

Em Krynn, nenhuma outra raça era tão poderosa em magia como os Irdas. Até os deuses — sabia-se que alguns Irdas, entre eles o Juiz, o afirmavam baixinho — não eram tão poderosos. O deus Reorx perdera a pedra preciosa. Fora então que os Irdas a descobriram, a trouxeram e agora a possuíam. Os Irdas conheciam as histórias sobre o passado da Pedra Preciosa Cinzenta, que semeava o caos e a destruição sempre que atravessava o mundo. Rezava a lenda que a Pedra Cinzenta era responsável pela criação da raça dos Kender, dos Duendes e dos Gnomos. Mas, tal acontecera antes dos Irdas se converterem nos seus guardiões. A gema estivera ao cuidado dos Humanos. Que se podia esperar?

O comício prosseguiu, os Irdas tentando por todos os meio possível, resolver a situação sem o recurso de medidas drásticas.

Usha logo se sentiu entediada — como facilmente acontece com os humanos —, e comunicou ao Protetor que voltaria para casa para fazer o jantar. Este pareceu aliviado.