Cemitério paraibano
(
entre Flores e Princesa
)
Uma casa é o cemitério
dos mortos deste lugar.
A casa só, sem puxada,
e casa de um só andar.
E da casa só o recinto
entre a taipa lateral.
Nunca se usou o jardim;
muito menos, o quintal.
E casa pequena: própria
menos a hotel que a pensão:
pois os inquilinos cabem
no cemitério saguão,
os poucos que, por aqui
recusaram o privilégio
de cemitérios cidades
em cidades cemitérios.
Cemetery in Paraíba
(
between Flores and Princesa
)
This cemetery is a house
for those who herein lie.
A house without attachments,
a house of just one story.
And only the part of a house
enclosed by the stucco walls.
No one ever used the garden,
much less the surrounding yard.
Too small to be a hotel,
it’s more like a boardinghouse,
with a cemetery lobby
just big enough to hold
those few residents who,
coming here, refused
the privilege of city cemeteries
in cemetery cities.
A palavra seda
A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.
É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.
E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.
Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas
há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,
de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza,
que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.
The Word Silk
The atmosphere surrounding you
reaches heights in which
it changes many things
concerning you or near you.
And as well as things, words
impossible in poems:
for instance, the word gold
and, until this poem, silk.
True, your person arouses
rather than inducing sleep;
nor is it a sedative, a word
derived from the word for silk.
And it’s true that the surface
of your outward person,
of your skin and of all
that gropes inside you,
has nothing of the luxurious,
false, academic surface
— that surface designated
by the phrase “like silk.”
But in you, somewhere,
or perhaps outside you,
perhaps in the ambience
made tense by your presence,
there’s something muscular,
animal, carnal, pantherish,
catlike — catlike in substance
or in a cat’s way of being —
something animal, animalistic,
crude, cruel — a cruelty — which
beneath the worn-out word
persists in the thing silk.
Cemitério pernambucano
(
Floresta do Navio
)
Antes de se ver Floresta
se vê uma Constantinopla
complicada com barroco,
gótico e cenário de ópera.
É o cemitério. E esse estuque
tão retórico e florido
é o estilo doutor, do gosto
do orador e do político,
de um político orador
que em vez de frases, com tumbas
quis compor esta oração
toda em palavras esdrúxulas,
esdrúxula, na folha plana
do Sertão, onde, desnuda,
a vida não ora, fala,
e com palavras agudas.
Cemetery in Pernambuco
(
Floresta do Navio
)
Before seeing Floresta
one sees a Constantinople
with touches of baroque,
gothic, and opera scenery.
It’s the cemetery, with its
florid and rhetorical plaster
cast in the orotund style
of the speaker or politician,
of a political speaker
who instead of sentences
used tombs to make this speech,
all in grandiloquent language —
grandiloquence, on the flat sheet
of the backlands, where naked
life does not make speeches
but talks with short sharp words.
Cemitério pernambucano
(
Custódia
)
É mais prático enterrar-se
em covas feitas no chão:
ao sol daqui, mais que covas,
são fornos de cremação.
Ao sol daqui, as covas logo
se transformam nas caieiras
onde enterrar certas coisas
para, queimando-as, fazê-las:
assim, o tijolo ainda cru,
as pedras que dão a cal
ou a capoeira raquítica
que dá o carvão vegetal.
Só que nas covas caieiras
nenhuma coisa é apurada:
tudo se perde na terra,
em forma de alma, ou de nada.
Cemetery in Pernambuco
(
Custódia
)
It’s more practical to be buried
in graves dug in the ground:
under this sun, more than graves
they are crematory ovens.
Under this sun soon the graves
are transformed into kilns
where certain things are buried
to burn into finished form:
so it is with still raw bricks,
the stones that become lime,
and the slashed and burnt brush
that changes into charcoal.
But in these graves-turned-kilns
the contents are not refined:
all is lost in the earth,
in the form of a soul, or nothing.