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from Dois parlamentos / Two Parliaments 1961

Festa na casa-grande ( ritmo deputado; sotaque nordestino )
I — O cassaco de engenho, o cassaco de usina: — O cassaco é um só com diferente rima. — O cassaco de engenho bangüê ou fornecedor: — A condição cassaco é o denominador. — O cassaco de engenho de qualquer Pernambuco: — Dizendo-se cassaco se terá dito tudo. — Seja qual for seu nome, seu trabalho, seu soldo: — Dizendo-se cassaco se terá dito todos.
6 — O cassaco de engenho quando é criança: — Parece cruzamento de caniço com cana. — O cassaco de engenho criança é mais caniço: — Puxa mais bem ao pai porque não é maciço. — O cassaco de engenho quando é criança: — Não só puxa ao caniço, puxa também à cana. — Mas à cana de soca, repetida e sem força: — A cana fim de raça, de quarta ou quinta folha.
II — O cassaco de engenho quando é mulher: — É um saco vazio mas que se tem de pé. — O cassaco de engenho mulher é como um saco: — De açúcar, mas sem ter açúcar ensacado. — O cassaco de engenho quando é mulher: — Não é um saco capaz de conservar, conter. — É um saco como feito para se derramar: — De outros que não se sabe como se fazem lá.
16 — O cassaco de engenho quando é um velho: — Somente por acaso ele alcança esse teto. — O cassaco de engenho velho nem é acaso: — É que um cassaco novo apressou-se no prazo. — O cassaco de engenho quando é um velho: — Então, chegado aí, se apressa em esqueleto. — Se apressa a descarnar como taipa em ruína: — E como ele é de taipa seu esqueleto é faxina.
2 — O cassaco de engenho
de longe é como gente: — De perto é que se vê o que há de diferente. — O cassaco de engenho, de perto, ao olho esperto: — Em tudo é como homem, só que de menos preço. — Não há nada de homem que não tenha, em detalhe, e tudo por inteiro, nada pela metade. — É igual, mas apesar, parece recortado com a tesoura cega de alfaiate barato.
7 — O cassaco de engenho de longe é de osso e carne: — De perto é que se vê que de outra qualidade. — O cassaco de engenho se se chega a tocá-lo: — É outra a consistência de seu corpo, é mais ralo. — Tem a textura bruta e ao mesmo tempo frouxa, menos que algodãozinho, sim própria das estopas. — E dos panos puídos chegados ao estado em que, no português, pano passa a ser trapo.
12 — O cassaco de engenho de longe é o mesmo barro: — De perto é que se vê que o dele foi mais baço. — O cassaco de engenho é opaco e mortiço: — Nunca aprende com os aços de uma usina, seu brilho. — Nem com o brilho mais cego do cobre que ele vê nas tachas em que mexe nos engenhos bangüê. — Sequer aprende o brilho do cabo das enxadas que ele enverniza em seco com a lixa da mão áspera.
17 — O cassaco de engenho de longe é branco ou negro: — De perto é que se vê que é amarelo mesmo. — O cassaco de engenho é amarelo sempre: — Mas do amarelo inchado que é verde levemente. — Desse verde amarelo em que o azul não entra e que não fosse nele se diria doença. — Um verde especial, espécie de auriverde, só dele, branco ou negro, de receita só dele.
3 — O cassaco de engenho quando está dormindo: — Se vê que é incapaz de sonhos privativos. — Nele não há esse ar distante ou distraído de quem detrás das pálpebras um filme está assistindo. — Detrás de suas pálpebras haverá apenas treva e de certo nenhum sonho ali se projeta. — O cassaco de engenho dorme em sala deserta: — A nenhum sonho-filme assiste, nem tem tela.
8 — O cassaco de engenho quando não está dormindo: — É como se seu sono ainda o encharcasse, limo. — Quando não está dormindo não é que está acordado, é apenas que caminha onde o sono é mais raso. — Não tem como evitar que o marasmo o embeba e o impeça de subir à consciência seca. — O cassaco de engenho nunca acorda de todo: — Anda sempre nos pântanos do sono, por seu lodo.
13 — O cassaco de engenho quando no trabalho: — Tudo com que trabalha lhe parece pesado. — É como se seu sangue, que entretanto é mais ralo, lhe pesasse no corpo, espesso como caldo. — Como o caldo de cana já muito cozinhado e que vai-se espessando no gesto do melaço. — O cassaco de engenho tem o ritmo pesado: — O do gesto do mel deixando o último tacho.
18 — O cassaco de engenho quando não trabalha: — As coisas continuam sendo-lhe bem pesadas. — Por sua pouca roupa está sempre esmagado e pesa-lhe no pé inexistente sapato. — Pesa-lhe a mão que leva e se não leva nada, e pesa-lhe igualmente se se move ou parada. — Ao cassaco de engenho pesa o ar que respira: — E até mesmo lhe pesa o chão sobre que pisa.
4 — O cassaco de engenho faz amarelamente toda coisa que toca tocando-a, simplesmente. — É o contrário do barro das casas-de-purgar que se bota no açúcar a fim de o branquear. — O cassaco de engenho purga tudo ao contrário: — Como o barro, se infiltra, mas deixa tudo barro. — Limpa tudo do limpo e deixa em tudo nódoa: — A que há em sua camisa, em sua vida, no que toca.