Berceo’s Catechism
1. Make the light word weigh
as much as the thing it tells
by isolating it from among
all the leaves it was lost in.
2. Make the loose word adhere
to the body of its referent,
fusing it into a solid, dense thing,
able to clash with the one next to it.
3. Don’t let its speech stick out
but impose the discipline
of speaking anonymously —
just another word in the line.
4. And don’t let the word flow,
like a river that keeps growing,
but channel the endless water
into parallel, unseen streams.
As águas do Recife
Os dois
touros
1. O mar e os rios do Recife
são touros de índole distinta:
o mar estoura no arrecife,
o rio é um touro que rumina.
Quando o touro mar bate forte
nele há o medo de não ficar,
de ter saído, de estar fora,
de quem se recusa a ser mar.
E há no outro touro, o rio,
entre mangues, remansamente,
mil manhas para não partir:
anda e desanda, ainda, sempre.
Mas se são distintos na ação,
mesma é a razão de seu atuar:
tentam continuar a ser da água
de aquém do arrecife, antemar.
A queda
de braço
2. Eis por que dentro do Recife
as duas águas vivem lutando,
jogando de queda de braço
entre os muros dos cais urbanos.
A que é mar porque, obrigada,
saltou o quebra-mar do porto
vem, cada maré, desafiar
a água ainda rio para o jogo.
A água que remonta e a que desce
travam então uma queda de braço:
aplicadamente e em silêncio,
equilibradas por espaços.
Um certo instante estão imóveis,
nem maré alta nem baixa, ao par;
até que uma derruba e vence,
e ao vencer, perder: se exilar.
The Waters of Recife
The two
bulls
1. The sea and the rivers of Recife
are bulls with different temperaments:
the sea stampedes against the reef,
the river is a bull that ruminates.
The bull that is sea beats hard
because it escaped, it is free
and dreads being pulled back in;
it no longer wants to be sea.
Standing in coastal swamps,
the other bull, the river,
has a thousand tricks for lingering:
it starts and stops, over and over.
Although their actions are different,
their reason for acting is the same:
they try to continue as water
on the reef’s near side, before sea.
The arm
wrestle
2. That is why inside Recife
the two waters live in conflict,
engaging in a daily arm-wrestle
between the walls of the city docks.
The water that’s sea, forced
to jump the jetty of the port,
comes with each tide to challenge
the water that’s still river to fight.
One rising and the other falling,
the waters begin their arm-wrestle,
assiduously and in silence,
now gaining, now losing, by turns.
For a moment they stand off, immobile
— neither high nor low water, but tied —
until one of them finally prevails,
and in winning, loses: it is exiled.
A arquitetura da cana-de-açúcar
Os alpendres das casas-grandes,
de par em par abertos, anchos,
cordiais como a hora do almoço,
apesar disso não são francos.
O aberto alpendre acolhedor
no casarão sem acolhimento
tira a expressão amiga, amável,
do que é de fora e não de dentro:
dos lençóis de cana, tendidos,
postos ao sol até onde a vista,
e que lhe dão o sorriso aberto
que disfarça o que dentro é urtiga.
The Architecture of Sugarcane
The porch of the manor house,
extending into the open air
and as cordial as lunch hour,
is not genuinely open-hearted.
The inviting porch of the mansion
(where no one is ever invited)
owes its friendly expression
to what is not inside:
to the white sheets of sugarcane
that wave in the sun, giving
the porch a welcome smile,
disguising the nettle within.
Rilke nos
Novos Poemas
Preferir a pantera ao anjo,
condensar o vago em preciso:
nesse livro se inconfessou:
ainda se disse, mas sem vício.
Nele, dizendo-se de viés,
disse-se sempre, porém limpo;
incapaz de não se gozar,
disse-se, mas sem onanismo.
Rilke in
New Poems
Replacing the angel with the panther
and making what was vague precise,
this was a book of unconfessions,
still telling, but not as a vice.
Here, by expressing at an angle,
he told his own self, yet kept clean.
Unable to resist consummation,
he told all, but without masturbation.
O autógrafo
Calma ao copiar estes versos
antigos: a mão já não treme
nem se inquieta; não é mais a asa
no vôo interrogante do poema.
A mão já não devora
tanto papel; nem se refreia
na letra miúda e desenhada
com que canalizar sua explosão.
O tempo do poema não há mais;
há seu espaço, esta pedra
indestrutível, imóvel, mesma:
e ao alcance da memória
até o desespero, o tédio.
The Autograph
Calmly the hand copies these
old verses, no longer restlessly
trembling, no longer the wing
in the poem’s searching flight.
The hand no longer devours
so much paper, nor forces
its explosion to fit
into tiny, florid letters.
The time of the poem is over;
there is its space, this unmoving,
unbreaking, unchanging stone,
and within the reach of memory
even desperation, tedium.
Proust e seu livro
De certo o sabia, quem viveu
com a vida e a obra emaranhadas,
que viveu fazendo-as, refazendo-as,
elastecendo-a em tempo e páginas,
que vestiu sua obra, por dentro,
percorrendo-a, viajando em seu barco,
de certo viu que um dia acabá-la
era matar-se em livro, suicidá-lo.