Выбрать главу
Proust and His Book He whose work and life were inexorably entwined, who lived to make and remake them, stretching them in time and pages, who wore his work inside himself, exploring it, sailing in its ship, must have known its final line would spell a double suicide.

from A escola das facas / The School of Knives 1980

Menino de engenho A cana cortada é uma foice. Cortada num ângulo agudo, ganha o gume afiado da foice que a corta em foice, um dar-se mútuo. Menino, o gume de uma cana cortou-me ao quase de cegar-me, e uma cicatriz, que não guardo, soube dentro de mim guardar-se. A cicatriz não tenho mais; o inoculado, tenho ainda; nunca soube é se o inoculado (então) é vírus ou vacina.
Plantation Boy The cut sugar stalk is a sickle. Cut at a sharp angle it gains the whetted edge of the sickle that cut it to a sickle: a mutual giving. When I was a boy, the edge of a stalk once cut and almost blinded me, and a scar, which left no visible mark, knew how to make its mark inside me. Though I no longer have the scar, what was inoculated is in me still; I have never discovered if it is a virus or vaccine.
Horácio O bêbado cabal. Quando nós, de meninos, vivemos a doença de criar passarinhos, e as férias acabadas o horrível outra-vez do colégio nos pôs na rotina de rês, deixamos com Horácio um dinheiro menino que pudesse manter em vida os passarinhos. Poucos dias depois as gaiolas sem língua eram tumbas aéreas de morte nordestina. Horácio não comprara alpiste; e tocar na água gratuita, para os cochos, certo lhe repugnava. Gastou o que do alpiste com o alpiste-cachaça, alma do passarinho que em suas veias cantava.
Horácio The perfect drunk. . When we as children went through the craze of raising birds and, vacation ended, the here-we-go-again of school had pulled us back to the hated grindstone, we left with Horácio our childish savings, enough to keep alive the birds. A few days later the songless cages were aerial graves of Northeast death. Horácio bought no seed, and to refill dishes with water that cost nothing must have disgusted him. He spent what was for birdseed on alcoholic seed, soul of the bird which in his blood was singing.
A voz do canavial Voz sem saliva da cigarra, do papel seco que se amassa, de quando se dobra o jornaclass="underline" assim canta o canavial, ao vento que por suas folhas, de navalha a navalha, soa, vento que o dia e a noite toda o folheia, e nele se esfola.
The Voice of the Canefield Spitless voice of the cicada, of dry crumpling paper, of the newspaper when it folds: so is the singing of the canefield in the wind which through its leaves from razor to razor breathes, wind which all night and day leafs through it and is flayed.
Forte de Orange, Itamaracá A pedra bruta da guerra, seu grão granítico, hirsuto, foi toda sitiada por erva-de-passarinho, musgo. Junto da pedra que o tempo rói, pingando como um pulso, inroído, o metal canhão parece eterno, absoluto. Porém o pingar do tempo pontual, penetra tudo; se seu pulso não se sente, bate sempre, e pontiagudo, e a guerrilha vegetal no seu infiltrar-se mudo, conta com o tempo, suas gotas contra o ferro inútil, viúvo. E um dia os canhões de ferro, sua tesão vã, dedos duros, se renderão ante o tempo e seu discurso, ou decurso: ele fará, com seu pingo inestancável e surdo, que se abracem, se penetrem, se possuam, ferro e musgo.
Fort Orange, Itamaracá The rough stone of war, its rugged, granitic grain, was besieged and overrun by moss and mistletoe. Next to the stone which time erodes, beating like a pulse, the uneroded cannon metal seems eternal, absolute. But the punctual trickling of time penetrates all; even if not felt, its pulse continues its pointed beating, and the vegetal guerrillas can count on time’s trickle in their silent infiltration against the widowed iron. And one day the hard fingers, the cannons’ vain rigidity, will also surrender to time and its rhetoric, its regularity; trickling, unheard and unchecked, it will force them to embrace, penetrate and possess each other, iron and moss.
A voz do coqueiral O coqueiral tem seu idioma: não o de lâmina, é voz redonda: é em curvas sua reza longa, decerto aprendida das ondas, cujo sotaque é o da sua fala, côncava, curva, abaulada: dicção do mar com que convive na vida alísia do Recife.
The Voice of the Coconut Grove The language of the coconut grove is not of the blade but round: in curves it voices its long prayer, which it must have learned from the waves, whose accent, like its speech, is concave, curved, arched: diction of the sea with which it lives the wind-whipped life of Recife.
A escola das facas O alísio ao chegar ao Nordeste baixa em coqueirais, canaviais; cursando as folhas laminadas, se afia em peixeiras, punhais. Por isso, sobrevoada a Mata, suas mãos, antes fêmeas, redondas, ganham a fome e o dente da faca com que sobrevoa outras zonas. O coqueiro e a cana lhe ensinam, sem pedra-mó, mas faca a faca, como voar o Agreste e o Sertão: mão cortante e desembainhada.