The School of Knives
On reaching the Northeast the trade wind
sweeps through coconut and cane fields;
coursing through the green blades,
it whets itself on cleavers, on daggers.
Flying over the fertile Mata,
its hands, which were round and female,
acquire the appetite and teeth of knives,
with which it flies over other regions.
The coconut tree and cane stalk teach it,
not with the grindstone but knife to knife,
how to fly through the Sertão backlands,
sharp hand drawn and ready to strike.
Barra do Sirinhaém
1
Se alguém se deixa, se deita,
numa praia do Nordeste,
ao sempre vento de leste,
mais que se deixa, se deita,
se se entrega inteiro ao mar,
se fecha o corpo, se isola
dentro da própria gaiola
e menos que existe, está;
se além disso a brisa alísia
que o mar sopra (ou sopra o mar)
faça com que o coqueiral
entoe sua única sílaba:
esse alguém pode que ouvisse,
assim cortado, e vazio,
no seu só estar-se, o assovio
do tempo a fluir, seu fluir-se.
2
Se alguém se deixa, se deita,
numa praia do Nordeste
ao sempre vento de leste;
mais que se deita, se deixa,
sente com o corpo que a terra
roda redonda em seu eixo,
pois que pode sentir mesmo
que as suas pernas se elevam,
que há um subir do horizonte,
que mais alto que a cabeça
seu corpo também se eleva,
vem sobre ele o mar mais longe.
Essas praias permitem
que o corpo sinta seu tempo,
o espaço no rodar lento,
sua vida como vertigem.
The Sandbank at Sirinhaém
1
If you let go and you lie down
under the steady eastern wind
of a beach in Northeast Brazil,
more than letting go, you lie;
if you give yourself up to the sea,
your body closes in, isolates
itself inside its own cage,
and less than existing, you are;
if furthermore the trade wind
stirred by the sea (or stirring it)
makes the coconut trees
intone their single syllable,
you may be able to hear,
in this detached and empty
state, just being, the whistling
of time flowing, your flowing.
2
If you let go and you lie down
under the steady eastern wind
of a beach in Northeast Brazil,
more than lying, you let go,
you feel with your body that
the Earth turns round your axis,
and you can even feel
that your legs are lifting,
that the horizon is rising,
that higher than your mind
your body also rises,
covered by the furthest sea.
These beaches make it possible
for the body to feel its time,
space in its slow turning,
your life as revolution.
A cana-de-açúcar menina
A cana-de-açúcar, tão pura,
se recusa, viva, a estar nua:
desde cedo, saias folhudas
milvestem-lhe a perna andaluza.
É tão andaluza em si mesma
que cresce promíscua e honesta:
cresce em noviça, sem carinhos,
sem flores, cantos, passarinhos.
Sugarcane Girl
Sugarcane is too virtuous
to be seen, alive, in the nude:
leafy skirts from a young age dress
and re-dress her Andalusian leg.
Because she is so Andalusian,
she grows up promiscuous and pure:
as a novice, without caresses,
without songs or birds or flowers.
A cana e o século dezoito
A cana-de-açúcar, tão mais velha,
que o século dezoito, é que o expressa.
A cana é pura enciclopedista,
no geométrico, no ser-de-dia,
na incapacidade de dar sombras,
mal-assombrados, coisas medonhas,
no gosto das várzeas ventiladas,
das cabeleiras bem penteadas,
de certa esbelteza linear,
porte incapaz de se desleixar,
e que vivendo em mares, anônima,
nunca se entremela como as ondas:
mas guardam a elegância pessoal,
postura e compostura formal,
muito embora exposta à devassada
luz sem pudor, sem muros, de várzea.
Sugarcane and the Eighteenth Century
Much older than the eighteenth century,
sugarcane can tell its history.
Sugarcane is a pure encyclopedist
in its fondness for daytime and geometry,
in its refusal to make shadows,
frightful things, phantoms,
in its taste for lowlands well aired,
for well-combed heads of hair,
for a certain linear grace,
a bearing that’s never careless;
and living by the sea it remains
anonymous, never making waves.
But it has an elegance all its own,
a sense of proportion, a formal pose,
despite its exposure to the wide-open,
unwalled, shameless light of the lowlands.
from Agrestes / Rough & Rude 1985
O nada que é
Um canavial tem a extensão
ante a qual todo metro é vão.
Tem o escancarado do mar
que existe para desafiar
que números e seus afins
possam prendê-lo nos seus sins.
Ante um canavial a medida
métrica é de todo esquecida,
porque embora todo povoado
povoa-o o pleno anonimato
que dá esse efeito singular:
de um nada prenhe como o mar.
The Nothing That Is
A sugarcane field is so vast
that all measures of it are vain.
It has the sea’s unending
wide-openness, defying
numbers and their ilk
to trap it in their assertions.
In the canefield one forgets
to measure anything at all,
for although it is populous,
its population is anonymous,
making it resemble a pregnancy
of nothingness, like the sea’s.
Bancos & catedrais
Quando de carro comigo
por Sevilha, Andaluzia,
passando por cada igreja,
recolhida, te benzias.
Pela larga Andaluzia
ninguém se engana de igreja:
amplas paredes caiadas
com portais pardos, de pedra.
Contudo, quando comigo
pela Vila de Madrid
notei que tu te benzias
passando o que, para ti,
lembrava vulto de igreja.
O que era monumental
fazia-te imaginar:
eis mais outra catedral.
Sem querer, não te enganavas:
se não eram catedrais
eram matrizes de bancos,
o verbo de onde as filiais.
Só erravas pela metade
benzendo-te em frente a bancos;
quem sabe foram construídos
para lucrar desse engano?