VI
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;
não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,
aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.
VII
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.
É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.
É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.
Psychology of Composition
II
The blank page
won’t let me dream;
it incites me to clear
and exact poetry.
I take refuge
on this pristine shore
where nothing exists
for night to fall on.
Without any night,
all fountains cease;
without any fountain,
there is no flight;
without any flight,
nothing recalls the flowing
of my time, in the wind
wherein time blows.
VI
Not the form found
like a seashell, lost
among sands as limp
as hair;
not the form obtained
by a lucky or divine throw,
by shooting at glass rabbits
of the invisible;
but the form attained
like the end of a skein
which the spider
of careful attention
unrolls; like the furthest
point of that fragile thread,
inevitably snapped
by the weight of huge hands.
VII
Mineral
the paper used
for poetry, the poetry
it is possible not to write.
Mineral
the flowers and plants,
fruits and animals,
when in the state of words.
Mineral
the distant horizon,
our names, all things
made of words.
Mineral
the book, any book, because
the written word is mineral,
mineral the cold nature
of the written word.
Antiode
(
contra a poesia dita profunda
)
A
Poesia, te escrevia:
flor! conhecendo
que és fezes. Fezes
como qualquer,
gerando cogumelos
(raros, frágeis cogu —
melos) no úmido
calor de nossa boca.
Delicado, escrevia:
flor! (Cogumelos
serão flor? Espécie
estranha, espécie
extinta de flor, flor
não de todo flor,
mas flor, bolha
aberta no maduro.)
Delicado, evitava
o estrume do poema,
seu caule, seu ovário,
suas intestinações.
Esperava as puras,
transparentes florações,
nascidas do ar, no ar,
como as brisas.
B
Depois, eu descobriria
que era lícito
te chamar: flor!
(Pelas vossas iguais
circunstâncias? Vossas
gentis substâncias? Vossas
doces carnações? Pelos
virtuosos vergéis
de vossas evocações?
Pelo pudor do verso
— pudor de flor —
por seu tão delicado
pudor de flor
que só se abre
quando a esquece o
sono do jardineiro?)
Depois eu descobriria
que era lícito
te chamar: flor!
(flor, imagem de
duas pontas, como
uma corda). Depois
eu descobriria
as duas pontas
da flor; as duas
bocas da imagem
da flor: a boca
que come o defunto
e a boca que orna
o defunto com outro
defunto, com flores,
— cristais de vômito.
C
Como não invocar o
vício da poesia: o
corpo que entorpece
ao ar de versos?
(Ao ar de águas
mortas, injetando
na carne do dia
a infecção da noite.)
Fome de vida? Fome
de morte, freqüentação
da morte, como de
algum cinema.
O dia? Árido.
Venha, então, a noite,
o sono. Venha,
por isso, a flor.
Venha, mais fácil e
portátil na memória,
o poema, flor no
colete da lembrança.
Como não invocar,
sobretudo, o exercício
do poema, sua prática,
sua lânguida horti —
cultura? Pois estações
há, do poema, como
da flor, ou como
no amor dos cães;
e mil mornos
enxertos, mil maneiras
de excitar negros
êxtases; e a morna
espera de que se
apodreça em poema,
prévia exalação
da alma defunta.
D
Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:
flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-virtude — em
disfarçados urinóis.)
Flor é a palavra
flor, verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.
Flor é o salto
da ave para o vôo;
o salto fora do sono
quando seu tecido
se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.
E
Poesia, te escrevo
agora: fezes, as
fezes vivas que és.
Sei que outras
palavras és, palavras
impossíveis de poema.
Te escrevo, por isso,
fezes, palavra leve,
contando com sua
breve. Te escrevo
cuspe, cuspe, não
mais; tão cuspe
como a terceira
(como usá-la num
poema?) a terceira
das virtudes teologais.
Antiode
(
against so-called profound poetry
)
A
Poetry, I wrote you
flower! knowing
you are feces
like any other feces,
generating mushrooms
(rare, delicate mush —
rooms) in the damp
heat of our mouths.
Squeamish, I wrote
flower! (Are mushrooms
flowers? Curious
species, extinct
species of flower,
not entirely flower
but still flower, a blister
opening on ripeness.)
Squeamish, I avoided
the poem’s dung,
its stem, its ovary,
its intestinations.
I waited for pure
transparent flowerings
born, like a breeze,
in the air, of the air.