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Onde vão eles?

À rua du Griffon, a uma casa de raparigas. Resta saber se também lá vão quando o patrão cá está! Olhai! Lá vem um a sair.

De facto, o mesmo homem que Fiora observara de tarde acabava de aparecer e fechava cuidadosamente a porta, cuja chave metia no bolso antes de se afastar num passo tranquilo.

Pergunto a mim própria por que razão não saem os dois

observou Fiora. Se a casa está vazia!

Se o patrão é sovina, deve ser rico. Quer, sem dúvida, que a sua casa esteja guardada. Vamos!

Sem fazerem mais barulho do que dois gatos, os dois companheiros de aventuras avançaram pela pequena ponte que atravessava o rio. Tinham os dois a ligeireza da juventude e os seus pés, calçados com couro suave, não acordava qualquer eco. Chegada à porta, Fiora examinou-a cuidadosamente. A noite de Verão estava iluminada e a jovem tinha bons olhos, mas adquiriu rapidamente a certeza de que, a menos que a atacasse com um pé-de-cabra, aquela porta seria impossível de forçar. Como era a única abertura para o rés-do-chão, a casa era, portanto, inviolável daquele lado.

Vamos ver o jardim! sussurrou Fiora.

Este estendia-se pelas traseiras do edifício, entre o Suzon e a rua de la Vieille-Poissonnerie. O quarto lado dava para uma ruela estreita e escura, mas uns muros bastante altos protegiam-no.

Se compreendi bem disse Esteban quereis entrar lá dentro? Eu passo primeiro...

A longa vida de mercenário treinara o castelhano em todos os exercícios do corpo. Escalar o muro foi, para ele, uma brincadeira de crianças. Instalou-se no alto escarranchado e inclinou-se para ajudar Fiora. Agarrou as mãos que ela lhe estendeu e içou-a. Após o que ambos examinaram o local.

Vale bem a pena ter um jardim para o deixar neste estado!

resmungou Esteban. De facto, do seu observatório, os visitantes só viam uma massa confusa de arbustos e ervas selvagens, no meio da qual não era possível ver qualquer carreiro. A própria casa tinha um pequeno torreão perfurado por pequenas aberturas, que devia encerrar a escadaria, mas as janelas eram tão raras como na fachada que dava para a rua: duas no andar de cima, das quais uma estava aberta para as trevas interiores e outra por baixo do telhado, fechada por persianas.

Esperai aqui! ordenou Fiora. Eu volto já...

E antes que o seu companheiro a pudesse reter já ela tinha deslizado para o outro lado do muro, onde permaneceu agachada por um instante para deixar morrer o ruído da folhagem. A voz abafada de Esteban chegou-lhe como se viesse de muito longe:

Tende cuidado, peço-vos! Nem sequer tendes uma arma!

Tenho uma faca. Deve chegar em caso de necessidade respondeu ela pousando a mão na bainha de couro que pendia da sua cintura. Em seguida, sem esperar mais e tomando a casa como ponto de referência, insinuou-se, sempre dobrada, pela vegetação selvagem do jardim. Prosseguia lentamente, um passo depois do outro, afastando os ramos com as mãos enluvadas de couro espesso e as pernas bem protegidas por botas macias, que lhe subiam até aos joelhos. Um som de fuga na erva imobilizou-a, o coração parado, mas um miado agudo tranquilizou-a quase de imediato: era um gato, que a aproximação da lua cheia punha em desassossego.

Por fim, chegou junto da casa e tocou com a mão na madeira de uma porta talhada no torreão, mas era tão sólida e benfeita como a outra. A única possibilidade de entrar era por aquela janela aberta no andar de cima, mas a sacada tornava o acesso impossível, a menos que se possuísse uma escada.

Desiludida, Fiora ia arrepiar caminho quando um novo ruído lhe suspendeu o movimento. Desta vez não era o grito de um gato, mas sim uns soluços que pareciam vir do solo. Afastando suavemente as grandes ervas que enchiam o rodapé, a jovem viu subitamente um estreito respiradouro protegido por uma grade de ferro. Lá dentro devia ser uma cave, certamente e nessa cave alguém chorava...

Ajoelhando-se, Fiora curvou-se para tentar ver qualquer coisa, mas os seus olhos não conseguiram perfurar a escuridão.

Quem chora? murmurou ela, perturbada por aquela dor invisível que evocava a de uma alma sofredora. Posso ajudar-vos?

Os soluços cessaram com uma funga dela. Fiora ia renovar o seu apelo quando uma algazarra de ferrolhos lhe chegou aos ouvidos, seguida de uma voz rude que rugiu:

Chega de chorar! Nem consigo beber!... Não te quero ouvir mais, compreendido?

O silêncio voltou a cair, cortado apenas por um pequeno gemido. A criatura ali fechada esforçava-se, sem dúvida, por conter os soluços. O homem, que devia ser o segundo criado, não se mexeu. E, subitamente, Fiora ouviu:

Não consegues dormir?... Não admira, com esse chavascal todo!... Toma! Bebe um pouco... e, se te portares bem, dou-te mais...

Ouviu-se um som de correntes e depois um som, como que de um animal a beber. O homem desatou a rir:

Pronto! Estás a ver? Assim já está melhor!... Vamos, deixa-te ir! Mais vale divertirmo-nos um pouco, não achas? Enquanto o velho não chega!

Fiora, espantada, não teve qualquer dificuldade em identificar os sons que se seguiram. Lentamente, evitando até respirar, a jovem afastou-se do respiradouro e recuou até ao muro, sobre o qual Esteban enregelava. De novo, ele ajudou-a a subir.

Então? Vistes alguma coisa?

Ela apoiou vivamente a mão sobre a boca do companheiro.

Vi, mas este não é o local para falarmos disso. Voltemos para casa! sussurrou ela.

Alguns minutos mais tarde estavam de regresso e Fiora fazia o relato da sua aventura com a paixão que punha sempre que estava emocionada:

Há uma mulher naquela cave, uma mulher acorrentada, sem dúvida, e que serve de brinquedo àqueles miseráveis. É preciso fazer qualquer coisa!

Também acho disse Demétrios mas o quê? Entrar na casa à força? Tu mesma constataste que era impossível. Denunciar sire du Hamel às autoridades? Nós não passamos de estrangeiros: nem sequer nos ouviriam e antes que um inquérito, se o conseguíssemos, se iniciasse, aquela desgraçada desapareceria, sem dúvida. De qualquer maneira, se a história que Chrétiennotte te contou é verdadeira, é uma situação que dura haja algum tempo...

E isso é razão para que se eternize? Tenho de entrar naquela casa, custe o que custar. Senão, como havemos de chegar a du Hamel?

Quando ele chegar, pensaremos nisso...

Temos de pensar antes e prepararmo-nos. Aliás, tenho uma ideia, arriscada, sem dúvida, mas é a nossa única hipótese.

E que ideia é essa?

Explicar-ta-ei. Entretanto, preciso de três objectos.

Que são?

Um vestido de veludo cinzento, cujo modelo fornecerei, uma cabeleira loura... e a chave da casa de du Hamel. Deve ser possível roubá-la a um dos criados quando ele sai à noite para ir ter com as raparigas.

Isso deve ser possível de arranjar aprovou Esteban. Arranjarei essa chave... mas será preciso agir logo que a tenhamos.

Uma hora deve chegar disse Fiora mas talvez, depois, sejamos obrigados a abandonar a cidade...

No dia seguinte, como fora combinado, dame Morel-Sauvegrain apresentou-se em casa da sua jovem locatária para travar conhecimento e saber notícias da sua saúde. Fiel ao seu papel, Fiora recebeu-a com uma solicitude a que não era estranha uma certa curiosidade, porque aquela dama conhecia bem o homem contra o qual Demétrios e ela própria se tinham unido por um laço de sangue.

A antiga ama-de-leite ducal era uma mulher grande, de mais de sessenta anos, mas que conservava uma certa frescura e cujos cabelos prateados faziam lembrar que tinham sido louros. Usava o luto, jamais abandonado por um marido morto há trinta e sete anos, com elegância, mas esse luto era de seda bordada e a sua coifa era de renda preciosa.

Uma simpatia imediata aproximou as duas mulheres. Fiora agradeceu à sua anfitriã as atenções que tivera por ela e dame Symonne deplorou que uma criatura tão jovem estivesse forÇada ao repouso.