Léonarde acertara em cheio. A jovem bateu as palmas, ao mesmo tempo que um sorriso lhe iluminava o rosto.
Marguerite... repetiu Fiora. É uma flor muito bonita, muito branca e com o coração dourado. Fica-vos muito bem: vós sois muito branca e tendes os cabelos da cor do sol...
Demétrios felicitou vivamente a jovem pela sua iniciativa e acrescentou que talvez pudessem ir mais longe. Quando chegou a noite todos se reuniram no quarto de Marguerite, cujas janelas e persianas, apesar do calor, fecharam cuidadosamente. A divisão ficou apenas iluminada por um candelabro pousado em cima de uma arca bastante longe do leito e por uma vela em cima da mesinha-de-cabeceira.
O grego pegou em Fiora pela mão e conduziu-a até à cabeceira, para que Marguerite se sentisse mais confiante. Em seguida, inclinou-se para a jovem:
Primeiro, gostaria que me respondêsseis a uma pergunta, para que eu saiba se me é possível ajudar-vos. Sempre fostes muda?
Marguerite abanou a cabeça negativamente.
Portanto, houve um momento, na vossa vida, em que pudestes falar?
Sim...
Perdestes a fala no seguimento de um acidente?
Não...
No seguimento de um grande medo ou de uma violenta emoção?
Sim...
Muito bem. Nesse caso, é possível que eu consiga vo-la devolver. Se tiverdes confiança em mim e me obedecerdes. Asseguro-vos que só quero o vosso bem e que não tendes absolutamente nada a recear de mim. Não vos farei qualquer mal e nem sequer vos tocarei...
Tereis de fazer o que ele diz, Marguerite murmurou fiora, segurando-lhe na mão. Ele vai tentar descobrir o mal de que vós sofrestes e de que continuais a sofrer...
Pelo olhar tranquilo que Marguerite pousou nela, Fiora compreendeu que a jovem tinha confiança nela. Demétrios foi apagar uma a uma as velas do candelabro, ficando acesa apenas a que estava na mesinha-de-cabeceira, que ele segurou na mão e levantou um pouco acima da cabeça pousada na almofada, de maneira a que Marguerite só precisasse de manter os olhos abertos para a ver.
Tendes de fixar atentamente a chama disse o médico com uma doçura firme. E foi obedecido: os olhos claros reflectiram a luz dourada e fixaram-na com uma calma absoluta. Marguerite largou a mão de Fiora, cruzou as mãos no peito e esperou sem manifestar o menor receio.
Muito bem! aprovou Demétrios que, de imediato, ordenou: E agora, olhai bem para a luz e não desvieis dela os olhos... os olhos... os olhos... os olhos...
A voz profunda e encantatória do grego transportava com ela uma espécie de paz, uma calma, à qual foram sensíveis os três espectadores. Entretanto, as pálpebras de Marguerite estremeciam, como se desejassem fechar-se e apenas a sua vontade as mantivesse abertas.
Vós tendes sono, muito sono... As vossas pálpebras estão tão pesadas... Não luteis contra o sono que vos invade. Deixai-vos ir... dormi, dormi! Todos os vossos membros estão relaxados, o vosso corpo está infinitamente cansado; reclama repouso... Abandonai-vos a esse repouso... Dormi... dormi... dormi!...
As pálpebras fecharam-se por completo. As mãos estavam estendidas, sem força, ao longo do corpo. A respiração tornou-se regular, Por um instante, o silêncio reinou no quarto tranquilo. Cada um retinha a respiração. Então, Demétrios continuou:
Eu sei que dormis, Marguerite, ouvis-me? Lentamente, esta acenou com a cabeça...
Muito bem... Agora, o vosso espírito está livre do vosso corpo e as más influências foram repelidas. Juntos, vamos regressar à vossa infância. Concentrai-vos, Marguerite. Vós tendes dez anos... Ainda falais?
Umas lágrimas subiram instantaneamente aos olhos da adormecida. Ela fez sinal que sim, mas, de imediato, fez um gesto reflexo para proteger a cabeça de golpes invisíveis. Fiora apertou as mãos uma contra a outra com tanta força que as unhas se lhe encravaram nas palmas...
Éreis uma criança infeliz, mas, no entanto, faláveis. Que se passou depois? Olhai para a vossa vida de maneira a regressar ao drama em que perdestes a voz. Recuai nos anos...
Subitamente, o corpo de Marguerite começou a agitar-se. Os lençóis foram empurrados, ao mesmo tempo que, com os dois braços, a adormecida procurava repelir qualquer coisa que a aterrorizava. A jovem fazia esforços terríveis para manter as pernas unidas, mas, apesar disso, qualquer coisa as afastava irresistivelmente. Marguerite chorava, gemia... e tudo aquilo era de uma clareza incríveclass="underline"
Dios! sussurrou Esteban ela foi violada...
Em seguida tudo se acalmou e Marguerite ficou inerte, como que privada de vida. Demétrios concedeu-lhe um momento de descanso e voltou ao ataque.
Foi nesse momento terrível que perdestes o uso da fala? Marguerite abanou lentamente a cabeça da direita para a esquerda.
Portanto, foi depois. Lembrai-vos do que se passou em seguida. É preciso que regresseis ao instante em que a vossa voz se apagou... Esse instante é muito doloroso?
Marguerite, de facto, torcia-se no leito. Segurava as mãos em cima do ventre, como se este fosse demasiado grande e lançava gemidos terríveis.
Dir-se-iadisse Léonarde em voz neutra que ela está a dar à luz?
E, caindo de joelhos, pôs-se a rezar...
Não poderíamos murmurou Fiora impedi-la de reviver todo esse sofrimento?
Demétrios pousou as mãos em cima das da jovem e fez uma pressão suave...
O bebé disse ele já nasceu... já destes à luz.
Instantaneamente, Marguerite acalmou-se. Um sorriso maravilhado iluminou-lhe o rosto. Puderam vê-la estender os braços Para um bebé imaginário, encostá-lo ao peito, embalá-lo, beijá-lo. Aquela felicidade serena, espalhada naquele pequeno rosto emaciado, tinha qualquer coisa de pungente... Mas, subitamente, foi o drama! Espantados, os espectadores viram Marguerite apertar os braços contra o peito com uma expressão ao mesmo tempo aterrorizada e selvagem, como se uma ameaça terrível se abatesse sobre ela. Viram-na lutar com todas as forças, mas estava vencida à partida. E, de repente, ela gritou com uma voz rouca, como que enferrujada:
O meu filho! Dai-me o meu filho!... Não podeis levar-mo! É o meu filho... tende piedade!
A jovem abriu a boca para lançar um grito que deveria ser desumano, mas Demétrios pôs as mãos na cabeça da infeliz e ordenou:
Não griteis, Marguerite! Já passou... Não penseis mais nesse instante em que atingistes o cúmulo do sofrimento humano. Vós não lançastes esse grito... Vós ainda podeis falar... Não é verdade que ainda podeis falar?
Ainda ofegante e coberta de suor, a jovem parecia uma náufraga que acabava de atingir uma praia depois de uma luta esgotante. Fiora quis tomá-la nos braços, mas, com um gesto, Demétrios pregou-a no lugar...
Respondei-me, Marguerite! Podeis falar?... Dizei: Posso...
P... posso...
A voz era fraca, áspera, mas, no entanto, nítida.
Muito bem disse Demétrios. E agora, repousai! Fizestes um esforço terrível, mas o mal foi vencido... Dentro de instantes vou acordar-vos. Não vos lembrareis de terdes vivido esse martírio e já podeis falar à vossa vontade aos que vos rodeiam e vos amam. Compreendeis-me?
Sim... compreendo.
Então, vou chamar-vos para junto de nós. Acordareis quando eu pronunciar o vosso nome. Atenção! Marguerite, abri os olhos!
E os olhos abriram-se, de facto para um olhar um pouco ausente, que se virou, primeiro, para o rosto atento do médico e depois para os maravilhados de Fiora e de Léonarde, que a luz recortava na obscuridade do quarto. Um pouco mais longe, Esteban, com uma mão que tremia, reacendia o candelabro. Fiora aproximou-se de Marguerite e abraçou-a:
Estais curada, minha amiga. A vossa voz regressou.
A minha voz?... É verdade... Oh! que aconteceu? Parece-me que acabo de ter um sonho... um sonho terrível...
Foi só um sonho, mas as forças malditas que tinham prisioneira a vossa voz foram vencidas. Doravante sois e sereis como toda a gente e poderemos conversar as duas!