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Logo que Marguerite esteja recomposta decretou ela partimos para Brévailles...

E, decidida, caiu no sono, ao mesmo tempo que, ao longe, se ouvia o primeiro canto do galo...

CAPÍTULO IV

A VINGANÇA PERTENCE AO SENHOR

Renuncia, Fiora! disse subitamente Demétrios, aproximando o seu cavalo do da jovem. Iam os dois à cabeça do pequeno grupo que se dirigia para Brévailles. Léonarde e Marguerite vinham a seguir montadas em mulas bem dóceis e Esteban, armado até aos dentes contra os infortúnios da estrada, fechava a marcha.

A que queres tu que eu renuncie? A levar Marguerite à sua avó?

Sabes muito bem o que quero dizer. Mesmo sem Marguerite, tu terias vindo para matar o teu avô... Não protestes! Quer queiras, quer não, é a verdade!

Não o seria se ele tivesse sido, antes de mais nada, um pai, mas, além disso, está na origem de todos os males da minha mãe. Não só a casou à força com aquele miserável du Hamel, como não fez nada para a salvar quando chegou a hora. Queres que lhe perdoe?

Não, mas gostaria que te poupasses. Deixa-me conduzir Marguerite com Léonarde e regressa com Esteban à hospedaria de Verdun, onde dormimos. É melhor não entrares naquela casa acrescentou ele, apontando com a sua chibata para o castelo cujas torres pareciam flutuar sobre o manto de nevoeiro que subia do rio.

Não era um grande castelo, mas, com as suas três torres, o torreão e as altas frontarias com as suas ameias em perfeito estado, tinha um aspecto terrível e não devia ser fácil forçar a entrada. Construído acima do Doubs, cujas águas tumultuosas lhe enchiam os fossos e o isolavam quando a ponte levadiça estava levantada, parecia-se com um guerreiro obstinado que, sem se preocupar com os pés molhados, vigiava e dominava o rio...

De que é que tens medo? perguntou Fiora com uma ponta de desdém.

Do teu rosto!

O véu esconde-o!

Mas serás obrigada a descobrir-te. Que acolhimento pensas tu que te vão reservar numa casa onde o proprietário faz reinar uma disciplina próxima do terror? Lembra-te do que te disse Christophe! Ele é um homem duro, impiedoso e que, não só não tentou salvar os filhos culpados, como ajudou o marido a conseguir o castigo. Se entras ali, receio que já não saias...

É o que veremos! Além disso, que tenho eu a temer na tua companhia? Terás perdido o poder que te permite dominar as pessoas em momentos de grande emoção? Podes exercê-lo! A visão do meu rosto tem todas as hipóteses de provocar essa reacção.

É sempre mais difícil num homem e receio que este Brévailles seja um velho duro de roer, impermeável a qualquer estado emocional.

A ocasião é óptima para tentares uma experiência interessante! Aliás, não vejo como se pode recusar uma neta que não poderia ser mais legítima? Marguerite não nasceu do pecado! acrescentou ela com uma ponta de amargura. Eu não tenho o direito de lhe recusar esta oportunidade.

Admitindo que seja uma oportunidade! Não sei se este castelo é o local ideal para esquecer os anos de sofrimento.

De facto, Marguerite conseguira contar-lhes, a pouco e pouco, o que fora a sua vida nas sucessivas casas do seu pai. Quatro anos de relativa doçura nos braços de uma ama-de-leite que a deixara por um mundo melhor, depois o quase-abandono junto de criadas indiferentes e, na maior parte do tempo, longe dos olhos de um pai que não escondia a sua aversão. As suas únicas saídas conduziam-na à igreja vizinha sob a guarda de uma criada beata, que nunca achava longas as estações que faziam, de joelhos, nas lajes frias. A jovem acabara por pensar que um convento não seria mais penoso do que a sua vida na casa paternal e, um dia, ousara pedir que lhe permitissem professar.

Du Hamel recusara secamente. Não tinha vontade nenhuma de pagar um dote por uma filha que já lhe economizava um ordenado de ajudante de cozinha. Além disso, quando Marguerite se transformara em adolescente, tivera de suportar as violências de um palafreneiro, que a forçara odiosamente na palha da estrebaria. O seguimento, os novos amigos da infeliz ela continuava a ignorar os laços de sangue que a ligavam a Fiora, porque Demétrios, prudente, o exigira já o conheciam, negro, durante o transe em que a jovem estivera mergulhada: o parto na cave onde du Hamel a sequestrara depois de a ter espancado cruelmente quando o seu estado se tornara visível e o nascimento do bebé, que lhe tinham arrancado dos braços e friamente estrangulado diante dos seus olhos...

Fora na época em que du Hamel fora nomeado para Dijon. O miserável aproveitara para reduzir o seu pessoal a dois criados; dois irmãos que tinham sabido ganhar a sua inteira confiança à custa de salários mais altos e transportara Marguerite fechada numa liteira com as cortinas hermeticamente fechadas, que continha também a maior parte das bagagens e que só se abrira de noite, diante da casa da rua du Lacet. A infeliz criança fora então acorrentada na cave, pelo menos durante a noite, porque de dia trabalhava na casa, mal alimentada e muitas vezes maltratada. Apenas o grande criado Claude lhe testemunhava alguma compaixão quando du Hamel não estava em casa. Levava-lhe alguma comida e vinho, pelo qual a jovem adquirira gosto, mas fazia-a pagar esses favores com a única moeda que a pobre criança tinha à sua disposição. Felizmente, aqueles infames e breves abraços nunca tinham tido consequências extremas.

A despeito dessa ajuda interesseira, Marguerite ia ficando cada vez mais fraca e, sobretudo, desesperada. A vontade de viver se se podia chamar àquilo viver! tinha-a abandonado e ela chegara a desejar ardentemente um fim próximo, até que, por fim, ele lhe fora levado...

Agora, estava melhor. Recuperava as forças e as faces iam ficando com alguma cor, mas parecia mais um ser mecânico animado do que uma mulher naturalmente viva. Para com os seus salvadores mostrava muito reconhecimento, mas não parecia interessar-se pelo futuro. Era doce e silenciosa, apesar de ter recuperado o uso da fala. Com ela, Fiora tinha a sensação de se encontrar na presença de uma sombra...

Receio bem disse Léonarde que a sua alma tenha desaparecido juntamente com a do filho... Talvez a recupere se alguém lhe der muito, muito amor! Nós só lhe podemos oferecer amizade.

Parada na beira do caminho que seguia o curso do rio, Fiora pensava naquilo tudo. O castelo, era verdade, não tinha um ar muito convidativo, com as suas muralhas enegrecidas pelo tempo. Marguerite não iria trocar um calabouço por um outro género de prisão? Fiora virou-se para olhar para a jovem, um pouco atrasada na companhia de Léonarde e aproveitando a paragem para se isolar. Dissera-lhe que a levava para casa da sua avó, evitando falar-lhe do avô. Como acolheria ele a filha de Marie, a rejeitada, mesmo nascida no casamento? Aquela morada sombria de acesso hostil não lhe inspirava muita confiança.

Mais por descargo de consciência do que para apaziguar essa suspeita perturbadora, Fiora mandou parar um camponês que de gadanha ao ombro se dirigia para um campo.

Aquilo é Brévailles?

O homem tirou polidamente o gorro que lhe cobria a cabeça e aprovou:

É claro que é Brévailles! Mas... é p’ra lá que quereis ir? acrescentou ele numa mistura intraduzível de inquietação e curiosidade. Não entr’ali quem quer, sabeis?

No entanto, eu queria ver Madeleine. Suponho que ela está?