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Quando esta saiu, ainda maravilhada com o que vira no interior daquele santo lugar, Fiora contentou-se em subir para a sela e perguntar:

Essa rua dês Lombards ainda é muito longe?

Não. Depois de atravessarmos o outro braço do Sena, já não falta muito. Gostas de Paris?

Não sei. É, sem dúvida, uma bela cidade, mas tenho a impressão de sufocar.

A viagem cansou-te e o tempo faz o resto.

Saíram da ilha por uma ponte de madeira ladeada de casas todas iguais e a ponte de Notre-Dame, que fora construída pelo Rei Carlos VI, avô de Luís XI. Ouvia-se um grande barulho vindo dos moinhos, cujas grandes rodas batiam na água, que erguiam e depois deixavam cair em grandes cachões brilhantes... Passado o Sena, meteram por uma praça espaçosa que ia morrer docemente na margem do rio. Um imponente edifício, repousando sobre grandes arcadas e coroado por coruchéus limitava-a a leste.

É a Casa dos Pilares explicou Demétrios. É ali que estão os almotáceis. Uma espécie de Senhoria. Chamam-lhe a Greve. Lá dentro há um exército de negociantes, carregadores, barqueiros e até taberneiros, que vão abastecer-se de vinho nos tonéis que vês além na margem, junto daquele monte de feno. É o lugar mais animado de Paris, dos folguedos... e também das execuções, infelizmente!

Meu Deus, como cheira mal! protestou Fiora tapando o nariz.

Esse cheiro vem das fábricas de curtumes que podes ver deste lado, mas perto daqui fica, também, o Grande Matadouro. Mas, acho-te muito esquisita, de repente. No centro de Florença também não cheira a rosas. As damas usam perfumes, tanto lá, como aqui. Eu ofereço-te um...

Por fim, mergulharam num dédalo de ruas estreitas, tornadas escuras pelos grandes telhados das casas com varandas que as ladeavam e quase se tocavam. Apesar da valeta escavada a meio do pavimento, este estava cheio de detritos, mas, pelas janelas abertas, os cheiros das cozinhas lutavam vitoriosamente contra aqueles.

A visão sedutora da rua dês Lombards reconfortou um pouco Fiora. As suas casas, arvorando todas belos estandartes coloridos, pertenciam, em grande parte, a comerciantes genoveses, milaneses, venezianos e florentinos, que tinham a seu cargo a banca, o câmbio e até a usura e que, na sua generalidade, eram ricos. O aspecto das suas casas ressentia-se desse estatuto.

A casa de comércio de Agnolo Nardi, irmão-de-leite de Francesco Beltrami e seu representante para a França setentrional, erguia-se no ângulo da rua dês Lombards com a Grande rua Saint-Martin, quase em frente dos portões da igreja de Saint-Merri. Era uma grande e bela casa cujas três empenas, alinhadas, cobriam a casa do mestre, o depósito de tecidos e um banco. O comércio duplo era a imagem daquilo que Beltrami criara em Florença. Os edifícios estavam cuidadosamente conservados e, sobre os telhados pontiagudos, dois cata-ventos vermelhos, quais línguas de animais fabulosos, enquadravam um florão dourado de belo efeito. As janelas, todas abertas para a frescura da tarde, deixavam ver belos tectos de vigas pintadas com iluminuras. Por fim, por trás da tripla casa, um pequeno jardim, vedado por muros, separava-a da de um joalheiro, cujas aberturas davam para a rua de la Vieille-Courroieríe, o que dava àquele pequeno recinto fechado uma tranquilidade absoluta.

Agnolo Nardi não era totalmente desconhecido de Fiora e de Léonarde. Elas tinham-no conhecido sete anos antes, no decurso de uma visita que ele fizera à casa-mãe e dele tinham conservado a recordação de um homenzinho redondo, moreno como uma castanha, vivo e alegre, amigo da boa carne e do bom vinho. Em suma, uma personagem amável e interessante, cuja generosidade, honestidade e habilidade para os negócios, Beltrami gabava..

Depois, tinham tido conhecimento do seu casamento com uma jovem parisiense, filha de um dos melhores mercadores de tecidos da cidade e cujo nome, Agnelle Perrin, as divertira. Assim, o cordeiro encontrara o seu complemento natural, esperando-se que também encontrasse a felicidade.

E disso não tiveram dúvidas quando, assim que desceram dos cavalos, o viram acorrer igual à imagem que dele tinham guardado, de braços curtos e rechonchudos abertos e um sorriso que lhe iluminava literalmente a figura bonacheirona:

Donna Fiora e donna Léonarda! Até que enfim! Não imaginais como estava preocupado! Já vos imaginava metidas numa má aventura qualquer!

E abraçou ambas com a alegria de um irmão que reencontra as suas irmãs.

Reconheceste-nos? espantou-se Fiora, reencontrando instintivamente e com prazer a língua toscana e o tratamento por tu florentino.

Reconheci, sobretudo, donna Léonarda. Tu, donna Fiora, mudaste muito. Por Santa Reparata, padroeira da nossa querida cidade, tu és, seguramente, a mais bela das Florentinas!

E aproveitou para a abraçar duas ou três vezes com um prazer infantil.

Estáveis à nossa espera? perguntou Léonarde.

Evidentemente e há muito tempo! Messer Donnati, que gere agora os negócios do nosso pobre Francesco, mandou-me uma mensagem acompanhada de uma carta de monsenhor Lourenço, que me honrou muito...

Em seguida virou-se para Demétrios, que saudou cortesmente:

r Agnolo, agneau, agnelle, cordeiro, cordeira.

Messer Lascaris, sede bem-vindo à minha modesta casa, vós e o vosso escudeiro.

Em seguida acorreu Agnelle, erguendo com ambas as mãos as saias de tafetá cor de açafrão, que faziam um frufru encantador. Formava, com o marido, um casal pouco vulgar: tão loura quanto ele era moreno, da mesma altura e tão redonda como ele, tinha uma tez um pouco dourada, parecendo-se com um pote de mel. O seu rosto encantador, cujos olhos eram do belo azul da flor do linho, resplandecia de saúde e boa disposição. Abraçou Fiora como se fosse a sua irmã mais nova era bastante mais nova do que o marido e Léonarde com um respeito que seduziu a velha solteirona. Em que é que está a pensar mestre Agnolo, deixando-vos aqui, na rua, à vista das comadres, em vez de vos mandar entrar? Vinde, vinde! Precisais de uma boa refeição e de repouso. Amanhã faremos a festa.

A festa? perguntou Fiora. Que festa?

Ora essa, para comemorarmos a vossa chegada! Estávamos há que tempos à vossa espera!

Tínhamos assuntos a tratar na Borgonha disse Fiora e isso atrasou-nos mais do que desejávamos. Além disso, ignorávamos que vós nos esperáveis.

Com impaciência! E temíamos pela vossa segurança. Messer Donati e o senhor de Médicis explicaram, nas suas cartas, as terríveis infelicidades que se abateram sobre vós. Só desejamos uma coisa: ajudar-vos...

Dito aquilo, Agnelle agarrou nas duas convidadas por um braço e encaminhou-as para a escadaria que ia dar aos andares superiores e à divisão principal. O interior da casa era igual à sua dona: fresco, elegante e de uma sobriedade flamenga. A sala, com a sua grande chaminé ornamentada com estátuas de santos e a grande tapeçaria com figuras humanas que cobria a parede de frente para as janelas, os aparadores carregados de graciosas louças italianas, de vidros de Veneza, dourados e coloridos, e belas pratas, era digna de um castelo. As cadeiras de castanho, esculpidas, tinham almofadas de veludo encarnado, bem cheias de penas e ornamentadas com franjas. Altos candelabros de bronze suportavam velas de cera branca e, em frente da chaminé apagada, uma braseira de cobre, cheia de goivos e peónias brancas exalava um odor delicioso, que evocava um jardim. Quanto às criadas, vestidas de tule azul recentemente passado a ferro, as suas coifas e aventais limpos pareciam saídos directamente do armário.