Выбрать главу

Pensava que ele não podia passar sem ti? disse ela quase agressiva.

Sobretudo, não pode passar sem o unguento que eu lhe preparei com folhas de sabugueiro e de espinheiro esmagadas em banha fina e que lhe aplico nas hemorróidas depois de uma lavagem com uma decocção fria de hipericão. Sente-se óptimo...

De tal modo que já não precisa de ti! Qualquer charlatão pode fazer a tua receita...

Na condição de a saber e eu nunca passo as minhas composições a ninguém. Só a ti, claro, Não te preocupes, o Rei ainda vai precisar de mim...

Dois dias antes, não aguentando mais, Fiora pedira o seu cavalo. A jovem sabia que Compiègne não ficava longe e queria lá ir, na esperança de saber qualquer coisa, por pouco que fosse, acerca de Philippe, mas apercebera-se, então, que, se era fácil entrar em Senlis, era muito mais difícil sair sem uma ordem do Rei ou do governador da cidade. Ao vê-la quase desfeita em lágrimas, Demétrios esforçou-se por consolá-la.

Tem paciência! Estou persuadido de que messire de Selongey não corre perigo imediato. Ao mandar-te vir, o nosso sire, como diz o jovem Commynes, tinha uma ideia qualquer na cabeça, já que não ignora nada dos laços matrimoniais que te ligam ao seu prisioneiro. Dá-lhe tempo a que se exprima...

Falemos de Commynes! Esse também desapareceu! Nunca mais o vi.

Viram-no na manhã desse terceiro dia. Foi ele que foi dizer aos dois estrangeiros para se dirigirem ao castelo para a audiência real. Quanto a Esteban, ficara suspenso da sotaina de frei Inácio, por culpa de quem não perdera uma única missa. O único passeio um pouco divertido acontecera quando o monge, querendo deslocar-se à abadia da Vitória, fora repelido pelos guardas da cidade. A despeito da protecção do arcipreste, teria de esperar que o Rei se dispusesse a recebê-lo. Mas a sua presença irritava Fiora, que, temendo encontrá-lo, não pôs os pés fora do albergue Trois Pots.

Naquela manhã, Luís XI parecia de excelente humor. Do seu lugar, Fiora podia vê-lo a rir e a conversar amigavelmente com o senhor do Lude. Acolheu com clemência algumas súplicas de burgueses vindos apelar à sua justiça e distribuiu generosas esmolas à prioresa de um convento do exterior, que sofrera depredações aquando do movimento de tropas. Após o que o Rei se levantou:

Meus senhores disse ele esfregando as mãos longas e secas temos notícias que alegrarão os corações de todos os nossos bons súbditos, tal como alegraram o nosso. A ameaça que pesava sobre o nosso reino, provocada pela ambição louca do nosso primo de Borgonha, que convenceu o inglês a cruzar o mar para se apoderar do nosso país, acaba de se afastar. Houve uma grave disputa entre o Rei Eduardo e Carlos o Temerário, na qual este acusou aquele de não fazer marchar as suas tropas contra nós e de ser favorável à ideia de um acordo. O nosso belo primo de Borgonha, que tinha regressado a Péronne, partiu, ontem, para se juntar ao seu exército no Luxemburgo e não mais voltar. Amanhã iremos dar graças ao Senhor Nosso Deus e à Santa Virgem Maria, nossa protectora, por terem poupado o nosso bom povo à dor e à aflição, porque a guerra é uma coisa bem feia...

As aclamações encheram a sala, fazendo adejar os estandartes suspensos no alto das paredes. Fiora e Demétrios, sobretudo para não se fazerem notar, juntaram as suas vozes às outras, a jovem ainda mais porque via naquilo uma excelente ocasião para tentar obter o perdão de Philippe, indignamente abandonado por esse senhor que ele tanto amava e que, aparentemente, nada tentara para o tirar da prisão.

A jovem estava quase a dirigir-se ao trono quando, na porta da sala, um hussardo real bateu três vezes no chão com o seu bastão e disse com voz forte:

Que o Rei se digne receber monsenhor o arcipreste da catedral e Sua Reverência o prior da abadia de Saint-Vincent, que desejam apresentar-lhe um monge vindo de Roma!

A um sinal de Luís XI, as portas abriram-se para deixar passar os três religiosos.

Ao ver o monge espanhol, Fiora teve um arrepto de repulsa e horror, como se uma víbora acabasse de se atravessar no seu caminho. Continuava o mesmo. Pleno de desdém e arrogância, avançou entre os dois dignitários, as mãos escondidas nas mangas e não olhando para ninguém senão para o Rei, que se levantara para acolher os homens da Igreja. A cúpula desnudada do seu crânio luzia à luz pobre do dia carregado de nuvens e, ao ouvir um trovão ao longe, Fiora perguntou a si própria se Deus teria posto o Rei de França em guarda contra o ser malfeitor que caminhava ao seu encontro...

À medida que ele avançava, Cher Ami recuava. Abandonando a sua pose elegante de animal heráldico, o cão levantou-se e rosnou. O Rei pousou vivamente a mão sobre a coleira trabalhada:

Paz, meu filho, paz! Deita-te!

Mas Fiora reparou que os olhos de Luís XI se tinham, curiosamente, semicerrado. De má vontade, mostrando os dentes, Cher Ami obedeceu. O monge não lhe concedeu a honra de um olhar e mal respondeu à saudação plena de reverência que o Rei lhe dirigiu.

Este homem deve ser louco sussurrou Demétrios. Que maneira curiosa de se apresentar a um soberano! Palavra de honra, ele toma-se pelo Papa!

Creio, mesmo, que se acha um pouco acima do Papa! Mas, chhhh!...

Com efeito, Luís XI saudou amavelmente o viajante vindo da cidade santificada pela tumba do Apóstolo e acrescentou:

É sempre uma grande alegria, para uma alma cristã, acolher um enviado do nosso Mui Santo Padre.

Não foi para te alegrar que o Papa Sisto me enviou, Rei de França, porque o seu coração está pesado e cheio de cólera.

De cólera contra nós? Isso é impossível. Não nos lembramos de ter, fosse em que fosse, ofendido o vigário de Cristo...

A tua memória é curta, Rei e, sobretudo, complacente. Esqueces com facilidade que há sete anos manténs na prisão um príncipe da Santa Igreja. O Papa enviou-me para te ordenar que libertes agora mesmo o cardeal Balue!

O rosto de Luís XI fechou-se e as suas pupilas emitiram um brilho:

Jean Balue é um traidor merecedor da morte, não teve pejo em conspirar contra nós com as gentes da Borgonha. Contra nós, que, de um filho de moleiro, fizemos um prelado coberto de riquezas e honrarias, contra nós, que pedimos e obtivemos para ele o chapéu de cardeal. Que se dê por satisfeito por ainda estar vivo!

Para ti viver é estagnar no fundo de uma jaula, como uma fera? Não tinhas o direito de pousar a tua mão num homem de Deus, que depende unicamente do Papa.

Nós temos todo o direito e o Papa sabe-o bem, já que aceitou há três anos a Concordata de Tours! Estaríamos dispostos a fazer um gesto susceptível de aliviar o coração de Sua Santidade, na condição de que não se tratasse de negócios do Reino. Mas, precisamente, trata-se de um assunto do Reino...

Recusas-te a libertar o cardeal?

Evidentemente!

Consentes, no entanto, em ler a carta que te envia Sisto IV?

Uma carta? Por que não começastes por aí, reverendo irmão?...

Frei Inácio tirou da manga um rolo fino de pergaminho atado com uma fita branca e selado com um grande selo dourado, que Luís XI recebeu com reverência beijando, até, o selo, antes de se virar para o seu chanceler, para que ele abrisse a missiva. Nesse instante, Fiora empurrou Demétrios e lançou-se sobre o monge, que, desequilibrado, caiu por terra, deixando cair a grande faca que, na sua mão, acabava de substituir o pergaminho. Os olhos vivos da jovem, fixos em frei Inácio, tinham visto a faca num relâmpago e a sua reacção fora imediata; atacar com uma só ideia: afastar do Rei aquela ameaça de morte que acabava de entrever. O galgo reagira com a mesma impetuosidade e, de patas sobre o peito do monge, ameaçava-lhe a garganta com as presas. Entretanto, Fiora levantou-se,- pegou no punhal e, de joelho em terra, ofereceu-o a Luís XI: