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Cola di Monforte, conde de Campobasso, pertencia a uma antiga família dos arredores de Nápoles, que se ligara à fortuna da casa de Anjou. Corriam estranhos boatos sobre ele e os seus. Dizia-se que o seu pai morrera de lepra e que ele matara a sua mulher infiel de quem tivera, entretanto, dois filhos. Quando em 1442 o Rei Renato, o Bom, que reinava em Nápoles e na Lorena, foi destituído, por Afonso de Aragão, do seu reino mediterrâneo sobre o qual velava o Vesúvio, Campobasso, com dezoito anos e ligado ao séquito de Jean da Calábria, o filho mais velho de Renato e também amigo do seu outro filho Nicolas, deixou sem pena uma terra pobre que não tinha comparação com os doces horizontes da Provença e de Anjou. Do castelo de Tarascon ao de Angers, Campobasso seguiu a fortuna de Nicolas da Calábria, tornado duque da Lorena por morte do seu pai Jean. O que lhe valeu tornar-se dono e senhor do castelo de Pierrefort, em Martaincourt, uma poderosa fortaleza dominando, do alto das suas muralhas, o pitoresco vale de Esch e onde mantinha uma guarnição de príncipe. Com efeito, condottiere de alma e coração, ligado à guerra, assim como ao dinheiro, Campobasso não partiu só das suas terras, antes com alguns dos seus vassalos, formando o agradável começo de um pequeno exército com o qual era preciso contar, porque, bem equipado e treinado por um homem para quem as armas não tinham segredos, transformara-se rapidamente numa condotta de valor.

Talvez Campobasso tivesse continuado fiel à casa de Anjou se, nos finais de Julho de 1473, o jovem duque Nicolas não tivesse morrido subitamente. Tão depressa que se falou em envenenamento, mas era preciso um sucessor. A nobreza da Lorena entregou a coroa ducal à filha mais velha do rei Renato, Yolanda, viúva do conde Ferry de Vaudémont, mas esta não desejava reinar: vivia de recordações no seu castelo de Joinville. No entanto, tinha um filho de vinte e dois anos, ao qual, naturalmente, transmitiu os seus direitos hereditários. Este passou a ser o duque Renato II.

Mas tal senhor não convinha a Campobasso. Achava-o demasiado frágil, demasiado amável, demasiado ”donzel”. Pelo contrário, quando em Setembro, no Luxemburgo, quando ainda fazia parte da guarda de Renato II, conheceu o duque da Borgonha, achou que era aquele o chefe que convinha aos seus desejos. Aliás, já conhecia o Temerário por o ter encontrado, oito anos antes, quando tomara a liderança da célebre Liga do Bem Público, armada contra o Rei de França e da qual faziam parte Jean da Calábria, então duque da Lorena e o seu filho Nicolas. Foram precisos dois anos para que Carlos se sentasse no trono do seu pai, mas a sua arrogância e esplendor seduziram Campobasso. Quando ele passou a intitular-se grande duque do Ocidente, o italiano ficou deslumbrado.

Resultado: ainda nesse ano de 1473, mas em Dezembro, o Temerário punha pé em terra no pátio do castelo de Pierreíort, onde o condottiere o acolheu. O borgonhês não teve qualquer dificuldade em desviar o seu anfitrião do serviço do Menino, que era o que este mais queria. Regiamente pago e coberto de presentes pelo mais faustoso dos príncipes, Campobasso aceitou o posto de comandante das tropas lombardas, que ele próprio se encarregou de recrutar em Milão. A despeito das aparências, foi uma traição. Carlos de Borgonha dizia-se o melhor amigo do jovem Renato e obrigou-o a aceitar a sua protecção ”contra as manigâncias do Rei de França”. Protecção essa que custou ao jovem soberano quatro das suas melhores cidades, onde se instalaram guarnições ”protectoras” essencialmente borgonhesas e extremamente tirânicas.

No entanto, o Menino não se deixou enganar por muito tempo e três meses mais tarde mandou incendiar o torreão de Pierrefort na ausência do seu proprietário não teve tempo de destruir o resto privando assim o castelo do napolitano da sua melhor defesa.

Para consolar Campobasso, o Temerário prometeu-lhe que, assim que submetesse a Lorena, poderia escolher a cidade que mais lhe agradasse. Com efeito, a sua intenção era esmagar o pequeno duque e ficar com as suas terras, que uniriam os Países Baixos à Borgonha propriamente dita.

Promessa ainda por cumprir naquele fim de 1475, porque, depois, o Temerário não cessara de guerrear e Campobasso de o servir, com um talento e uma lealdade que pareciam a toda a prova.

Jacopo Galeotto era menos complicado. Condottiere ao serviço do duque de Milão, juntou-se ao exército borgonhês sem se fazer rogado durante o cerco de Neuss quando Campobasso lhe pediu. Os dois homens estavam ligados pela amizade e completavam-se, porque se um e outro eram guerreiros endurecidos e cavaleiros de mérito, Galeotto possuía um talento suplementar e muito úticlass="underline" era engenheiro, arrastando sempre consigo um bando de carpinteiros hábeis na construção de torres de cerco, aríetes e outras máquinas de guerra essas máquinas fizeram maravilhas no cerco de Neuss, mas sem conseguir vencer a resistência encarniçada dos habitantes e da guarnição. Galeotto, claro, ficou algo rancoroso, enquanto Campobasso começava a fazer a si próprio algumas perguntas. Vira o soberbo exército bloqueado durante meses diante de um calhau teimoso, desgastando-se sem resultados interessantes. Ora, ganhar em Neuss era pôr o imperador de joelhos e abrir a Alemanha aos seus apetites. Em vez disso, fora preciso recuar sob a bênção de um bispo italiano, o que não passara de uma miserável consolação para quem esperava um grande saque.

Campobasso continuava a pensar naquilo. Há já duas horas que jogava xadrez com o amigo sem se interessar verdadeiramente pelo jogo. O seu espírito estava longe. Subitamente, levantou-se. Tão bruscamente que o tabuleiro virou-se. As pedras negras e brancas rolaram pelo chão que nenhum tapete aquecia.

Isso é maldade! rugiu Galeotto. Na jogada a seguir levavas cheque-mate, mas tu nunca compreenderás que obstinares-te em defender a rainha é um erro.

Desculpa. Eu jogo mal, é certo, mas estava distraído.

Onde estavas, então?

Sem responder, o condottiere foi até uma das janelas que davam para o Moselle e olhou por um instante para a corrente viva que reflectia um céu desesperadamente cinzento. Para lá da ponte guardada pelos seus mercenários conseguia ver as fracas luzes amarelas que se acendiam no velho bairro judeu, aliás quase deserto, porque, se os duques do Luxemburgo tinham demonstrado para com os filhos de Israel uma certa tolerância, o mesmo não acontecera com o duque da Borgonha. Os mais jovens tinham partido para se juntarem às colónias judias de Frankfurt ou Colónia. Apenas os velhos tinham ficado para o serviço da antiga sinagoga e eram os únicos, numa cidade onde Campobasso exercia uma autoridade impiedosa, a congratularem-se com a sua presença. Habituado desde sempre aos guetos das cidades italianas, o comandante da praça não achara útil exterminar aquela meia dúzia de velhos, que, aliás, tinham tido a boa ideia de lhe comprar a sua tranquilidade.

Galeotto juntou-se ao amigo na janela e olhou, por um instante, para a bruma exterior:

Que achas tu de tão apaixonante ver a chuva a cair no rio?

Eu não estou a olhar para a chuva: estou a olhar para os homens. Todos eles nasceram no lado de lá dos Alpes e sentem-se aqui tão infelizes como eu.

Infelizes? Que palavra, na tua boca! O que é que te apoquenta?

Tudo! E antes de mais esta cidade, onde tudo é negro! Negro como esta terra, onde nada nasce...

Mas que nos dá o ferro com o qual se forjam armas. O que tem uma certa vantagem. Achas? Pois eu dava todo o ferro do mundo para rever a baía de Nápoles e as minhas colinas ao sol...

Nós somos condottieri disse Galeotto encolhendo os ombros com filosofia. Um dia aqui, outro ali e, se o pagamento for bom...