Acha-lo bom, tu? Não tocamos em nada desde Neuss, onde esperávamos um saque tão bom. Depois, viemos para aqui para nos refazermos, mas isto aqui não é o Paraíso. Não importa. Nós esperávamos conquistar a França e dividi-la com os Ingleses e tu ouviste o que disse o monge que prendemos esta manhã: o Rei Eduardo, empanturrado de prata e vinhos franceses, atravessou o mar e nós, nós estamos para aqui como dois imbecis neste ninho de ratos suspenso sobre a Lorena... na qual não temos o direito de entrar!
No entanto, há borgonheses na Lorena. Nós temos lá quatro cidades...
Nós? Esqueces-te que não passamos de mercenários? O duque Carlos reserva as boas praças para os do seu séquito, para senhores nascidos na sua terra, não para aventureiros como nós...
Mas temos um posto de confiança. E a praça não é assim tão má... ou queres-me dizer que preferias servir o Rei Luís? Nesse caso, alto! Luís XI não precisa de nós. Possui, talvez, o melhor exército do mundo, um exército permanente, em pé de guerra durante todo o ano e nem sequer se serve dele. Esse combate com o cérebro!
No entanto, tem mercenários. A famosa Guarda Escocesa...
A maior parte dos homens nasceu em França. São mais franceses do que os verdadeiros...
Mas estão cheios de privilégios, honras e ouro...
Sem dúvida, mas são leais, coisa que nós não somos, nem tu, nem eu. Olha, faz-te escocês, se o coração te diz alguma coisa!
Não sejas estúpido. Nós temos, tu e eu, homens que esperam de nós proveito e glória. Se nós...
A entrada de um pajem ensopado, cujos longos cabelos negros escorriam água sob um gorro cuja pena estava reduzida a metade, cortou-lhe a palavra. Era um rapaz de doze anos, belo como um anjo, mas cujo olhar insolente dizia de uma segurança nitidamente acima da sua idade e condição. Olhar esse que ignorou Galeotto e se pousou, carinhoso e vagamente cúmplice em Campobasso, que sorriu:
Que queres, Virgínio?
Trago notícias, monsenhor...
Da parte do duque? exclamou o condottiere com uma pressa que o fez corar.
O pajem encolheu os ombros:
Nada de tão importante, monsenhor. Três viajantes acabam de chegar à porta de França: dois homens e uma mulher. A mulher diz que é vossa prima!
Minha prima? Raios me partam se eu tenho alguma prima! Como é ela? Jovem?
Acho que sim...
Bonita?
O pajem encolheu de novo os ombros com um desdém que divertiu Galeotto.
No teu lugar, pagava para ver. Este caro Virgínio é mau juiz em matéria de mulheres. E depois, uma prima que te chega assim do fim do mundo merece alguns olhares.
Se monsenhor diz que não a conhece, só pode ser uma espia. Vou dizer ao corpo da guarda que a atire para a prisão, a ela e aos companheiros...
Antes que Campobasso tivesse tempo de responder já Galeotto tinha agarrado o pajem pelo colar da túnica brasonada e erguia-o no ar:
Eh lá, mosquito! Mais devagar! Desde quando é que tu dás aqui ordens? Para essa mulher te desagradar tanto é porque deve ser interessante...
Pousa-o! disse Campobasso. E tu, Virgínio, vai buscar essa gente e traz-ma aqui. Ou antes, traz a mulher e deixa os homens com o corpo da guarda. A propósito, onde está Salvestro?
Com a voz subitamente rouca, o pajem, que massajava a garganta enquanto lançava a Galeotto um olhar furioso, respondeu:
O vosso escudeiro está em casa do burgomestre. Este matou um porco e esqueceu-se de mandar metade para o castelo.
Quando é assim, é preciso trazer o porco todo. Hei-de ralhar com Salvestro. E agora vai!
Deixá-lo abusar um pouco disse Galeotto quando o garoto desapareceu. Há mulheres aqui, sem contar com as putas da tropa...
Nenhuma dessas fêmeas é tão bela como ele disse o conde com um sorriso ambíguo. O rapaz tem o corpo de um jovem deus grego... e gosta de fazer amor.
Há-de vir o dia em que não conseguirás fazer-te obedecer. Devias mandá-lo para junto do teu filho em Pierrefort, porque, se um dia o duque percebe...
Tenho assim tanta importância, para que ele se interesse com o que se passa na minha cama? disse Campobasso com amargura. Por vezes, pergunto a mim próprio se ele não fará o mesmo? Nunca nenhuma mulher passou a porta do seu quarto, ou da sua tenda...
Não precisa. O pai teve tantas amantes que tirou o gosto ao filho. Além disso, dizem que ele não consegue esquecer a primeira mulher, Isabel de Bourbon. Mesmo a segunda, que é bem boa, só consegue da parte dele um interesse polido. Também é verdade que dizem que ela já não era virgem quando casou com ele... Por todos os santos do céu!
Os olhos de Galeotto acabavam de se abrir ao mesmo tempo que a porta para deixar passar Fiora. Esta estava na soleira, envolta no seu grande manto negro onde brilhavam umas gotas de chuva, o capuz descido, deixando livre a sua bela cabeça coroada de maneira soberba pelas tranças brilhantes, das quais pendia um véu verde. Altiva, a jovem pousou os olhos cinzentos nos dois homens que a contemplavam, mudos de admiração.
Eis a vossa prima, monsenhor disse Virgínio. A sua voz má rompeu o encanto.
Que seja bem-vinda! murmurou Campobasso como se tivesse acordado de um sonho. Desaparece, Virgínio!... Tu também, Galeotto!
Mas eu... começou o outro, siderado.
Quero estar só por uns momentos... com a minha bela prima cortou o conde, que não afastava os olhos de Fiora. Não te preocupes, poderás vê-la de novo ao jantar... mas este primeiro instante pertence-me.
O condottiere permaneceu de pé em frente da jovem até os outros terem deixado a sala, num silêncio apenas perturbado pelo ruído do fogo na chaminé. Fiora ainda não tinha pronunciado uma palavra e ele também não dizia nada. Olhava-a, simplesmente... como se o tempo tivesse parado, como se toda a sua vida estivesse suspensa daquele olhar. E foi Fiora que rompeu o silêncio.
Não me ofereceis disse ela docemente um lugar junto do fogo? Estou gelada...
E eu sou imperdoável...
O conde conduziu a sua visitante para junto da chaminé, atiçou os cavacos que se espalharam numa miríade de brasas cintilantes, acrescentou lenha com mãos que tremiam um pouco, avançou uma das cadeiras cobertas de tecido e por fim ajudou Fiora a desembaraçar-se do manto molhado. Não sabendo o que fazer, colocou-o no seu braço e bateu as palmas. Virgínio, que não devia estar longe, apareceu instantaneamente:
Outra vez tu? Não há mais criados neste castelo?... Leva este traje para o meu quarto e põe-no a secar ao lume. Depois, vai à cozinha: manda-nos vinho e vela para que sirvam rapidamente o jantar!
O pajem arrancou-lhe o manto do braço e partiu a correr com lágrimas de raiva no fundo dos olhos. Campobasso regressou para junto de Fiora e sentou-se diante dela, no degrau da lareira.
Portanto, somos primos? Custa a acreditar! disse ele com um sorriso mais maravilhado do que céptico. Sois napolitana?
Não, florentina. Chamo-me Fiora Beltrami. O meu pai era um dos mais poderosos cidadãos de Florença...
Era?
Perdi-o há alguns meses atrás. Quanto ao nosso parentesco, é, creio, muito longínquo e remonta a uma avó vinda de Nápoles. Os Florentinos raramente casam fora da Toscânia, daí a excepcionalidade da recordação.
Agradeçamos, portanto, a essa avó! Pessoalmente sei pouco acerca das mulheres da minha família, salvo que algumas eram muito turbulentas. Mas, que fazeis aqui, tão longe da vossa cidade? Foi para vos encontrardes comigo que fizestes esta longa viagem?
Não. Já vos disse: o meu pai morreu... e os Médicis expulsaram-me para se apoderarem da fortuna dele. Procurei refúgio em França, onde ele tinha... muitas amizades...
Tão grandes assim?
Creio que não poderiam ser maiores. Foi nesse meio que ouvi pronunciar o vosso nome pela primeira vez e veio-me a fantasia, a mim, que não tenho mais nenhuma família, de vos ver de perto... O Verão pareceu-me uma boa estação para viajar. Infelizmente, o céu não é dessa opinião!