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A jovem levantou-se para se aproximar do fogo e os olhos do homem que a olhavam começaram a brilhar sombriamente. O vestido fino, suave como uma luva, que a vestia realçava as formas de um pescoço delicado, redondo e firme e a delicadeza de uma cintura, da qual ele tinha vontade de tirar as medidas. Era mais uma fantasia de costureira parisiense do que um vestido, mas Agnelle insistira com Fiora para que o comprasse, já que parecia ter sido pintado no seu corpo, pelo menos até às ancas, antes de enviesar para acabar numa curta cauda que se podia prender ao punho.

No entanto, chegastes aqui. Posso perguntar-vos se lamentais esta penosa viagem?

A jovem olhou para ele por entre as pestanas reviradas e riu com um riso tão doce como o arrulhar de uma pomba:

Quereis saber se estou desiludida? Muito bem, não... Vós sois... muito belo, messire meu primo, mas penso que não o ignorais e já mais do que uma dama vos deve ter persuadido disso. Pelo menos, é essa a vossa reputação.

Ignorava que essa reputação tivesse chegado a França!

É um facto, porque eu estou aqui. Quis verificar... Mas não fiqueis surpreendido: em Florença as mulheres estão acostumadas a dizer livremente o que pensam e o que desejam. Acontece que eu sou livre de fazer o que me apetece...

Estaria a fazer troça dele? Campobasso pensou naquilo por um instante, mas já estava para lá de qualquer raciocínio claro e só sabia uma coisa: aquela rapariga, que acabava de lhe cair do céu, ou do inferno, tinha que ser sua. Nunca vira uma mulher tão bela, tão sedutora. Fazia-lhe ferver o sangue e ele não gostava de esperar... Levantando-se com um golpe rápido de rins, pousou as mãos nas ancas de Fiora para a aproximar de si:

Sabias disse ele em italiano que pode ser perigoso agradar-me... demasiado?

Por que perigoso? Eu não tenho medo de nada respondeu ela na mesma língua. Menos ainda depois de te ver. Naquele instante desejei que me achasses bela...

Bela?...

Campobasso quis inclinar-se sobre a sua boca, embriagado pelo estranho odor a flores, ervas e lã molhada que emanava daquele corpo suave que ele sentia vivo entre os dedos, mas já ela lhe escapara, girando sobre si mesma como uma figura de dança.

Não me olheis como se fosseis um lobo esfaimado e eu um pobre cordeiro, primo! disse ela, sorrindo. Reparai que acabo de fazer uma longa viagem e sou eu que estou esfaimada! Alimentai-me, primo! Teremos todo o tempo para... conversar depois, não?

Com a impressão de acordar de um sonho, Campobasso sacudiu-se como se tivesse acabado de sair da água e virou-se para Fiora, temendo que a jovem não passasse de uma miragem, mas ela continuava ali. Com os braços bem levantados, o que fazia sobressair os seios, a jovem tirou os alfinetes que retinham o véu e o penteado:

Os meus cabelos estão todos molhados e colam-se-me ao pescoço! disse ela, rindo.

Instantaneamente, a massa negra e luzidia deslizou-lhe sobre os ombros e ao longo do corpo. O homem, que a devorava com os olhos, pensou que, com aquele vestido verde e os longos cabelos húmidos, ela parecia uma sereia, e desejou-a mais ainda. Mas resistiu à vontade que tinha de se atirar a ela, de lhe rasgar o vestido e de a possuir imediatamente, no chão de pedra. Como bom napolitano, sabia apreciar o saboroso sofrimento da espera, na condição de que não durasse muito tempo e, nesse ponto, estava descansado. O seu orgulho de macho dizia-lhe que aquela feiticeira enlouquecedora de olhos cinzentos só aparecera para se lhe entregar... Além disso, não vinha ela de França? Dessa França onde confessara ter tão grandes amizades?

Campobasso já erguia as mãos para chamar de novo quando a porta se abriu, dando passagem a criados carregados de cavaletes, uma prancha de madeira e toalhas para pôr a mesa. Virgínio seguia-os e os seus olhos sombrios detiveram-se, primeiro, cheios de ódio, em Fiora, que, diante do fogo, secava os cabelos e depois no seu senhor com uma interrogação muda, que fez este sorrir. Campobasso gozava cruelmente com os ciúmes que sentia ferver na alma do seu pajem.

Onde é que ela vai dormir? perguntou Virgínio, designando a jovem com um movimento de cabeça desdenhoso.

Donna Fiora respondeu o condottiere com ênfase dormirá no meu quarto, bem entendido. É o único decente, juntamente com o do senhor Galeotto. Tu farás com que os lençóis sejam mudados...

E vós? Onde ides dormir?

Chi Io sã?... Talvez no meu quarto? Por que não?

E eu? perguntou o rapaz com insolência.

Tu?... Onde quiseres. Olha... com o Salvestro, quando ele regressar de casa do burgomestre...

O rapaz empalideceu e os seus olhos negros lançaram faíscas:

Eu mato-a, ouviste? disse ele de dentes cerrados. Se lhe tocas, mato-a...

Com um dedo negligente, Campobasso acariciou a face aveludada do pajem e o seu sorriso acentuou-se, descobrindo uns dentes fortes e brancos, uns verdadeiros dentes de carnívoro:

Nesse caso, meu pequeno Virgínio, serei obrigado a enforcar-te disse ele docemente. Aliás, é o que te acontece se lhe acontecer o menor acidente... Confessa que seria pena, porque ainda podemos passar umas boas horas juntos. Pensa nisso!

Mas, afinal, quem é esta mulher para ocupar, de repente, o melhor lugar aqui?

Ainda não sabes? Mas... é a minha prima e eu sempre tive espírito de família. Como todos aqueles que têm pouca, ou nenhuma.

A voz de Fiora soou, quente e musical, através da vasta sala:

A propósito, meu belo primo, sois capaz de me dizer o que tencionais fazer dos meus homens? Não ides, imagino, deixá-los a noite toda no vosso corpo da guarda? A viagem foi tão desagradável para eles como para mim.

Perdoai-me! Tinha-me esquecido deles. Vai buscá-los, Virgínio!... para eu ver que tal são acrescentou ele sotto você.

Um momento mais tarde, o castelhano e o escocês faziam a sua entrada na sala, que, com a mesa posta para a refeição, o suplemento de velas e tochas que tinham sido acesas, perdera o aspecto glacial. Uns odores de carne assada acompanharam-nos:

Este é Esteban apresentou-o Fiora. É, ao mesmo tempo meu escudeiro e meu secretário, meu mentor e meu guarda-costas. E este é Denis Mercier, meu guia desde Paris.

O condottiere olhou para os dois homens com interesse. Esteban, com a sua cabeça quadrada, o nariz partido, os cabelos espessos e o corpo atarracado era a imagem do soldado da fortuna que ele gostava de recrutar. Não tinha nada o aspecto de um secretário. Quanto ao outro, com os seus ombros de corsário e ar arrogante, ainda cheirava mais a militar do que o companheiro...

Para conhecer tão bem os caminhos, és daqui? perguntou ele a Mortimer, que, sem se preocupar com fórmulas de cortesia excessivas, respondeu calmamente:

Não, Sou de Berry, mas sempre viajei muito.

Tanto assim? Um bom guia pode ser uma coisa preciosa. Eu poderia dar-te emprego... a menos que prefiras regressar a casa. A quem pertences?

A ninguém. Mas tenho a minha casa e os meus hábitos e a partir do momento que a minha missão está cumprida...

Diabos me levem, pensou Campobasso, se este gigante não pertence à famosa Guarda Escocesa do Rei Luís! Nesse caso, a minha bela prima pode ser... uma mensageira?” E como os criados entravam com bacias, jarros e toalhas, imediatamente seguidos por Galeotto, que fora lavar-se um pouco, declarou:

Lavemos as mãos, minha bela prima e passemos à mesa!

Podias apresentar-me! grunhiu Galeotto, cuja figura, barbeada de fresco, mostrava alguns golpes.

É justo. DonnaFiora, este é o senhor Jacopo Galeotto, de Milão, que comanda comigo o corpo de Lombardos do senhor duque de Borgonha. Donna Fiora Beltrami, de Florença.

Ah, Florença! suspirou o capitão com alma já a visitei, em tempos, quando o duque Galeazzo-Maria Sforza e a duquesa Bona foram visitar os senhores de Médicis! Que festa tivemos! Que belas justas! Que vinhos! Que mulheres... Foi em...