Esteban e Mortimer compareceram quase de imediato. A inquietação mantivera o castelhano acordado durante toda a noite; quanto ao escocês, também estava habituado a acordar com o nascer do dia. Ides poder regressar a casa disse-lhes Campobasso. Donna Fiora já não precisa dos vossos serviços.
Perdoai-me, monsenhor disse Esteban, cujo rosto acabava de se fechar mas eu estou ao seu serviço há muito tempo e, se ela já não precisa de mim, gostaria de o ouvir da sua boca! Nunca a deixarei por minha vontade... ou por ordem de um estrangeiro!
Eu também recebi ordens de velar por ela disse tranquilamente Mortimer e tenho por hábito ir até ao fim dos meus deveres.
Que grandes palavras para um guia. Foste encarregado de a conduzir até mim? Muito bem, o trabalho está feito! Podes partir!
Compreendestes-me maclass="underline" eu devo conduzi-la aonde ela desejar ir. Donna Fiora ainda vai precisar de mim.
Escusas de me tentar enganar, eu sei muito bem quem és: tu és um dos guardas escoceses do Rei de França. Portanto, escuta bem: vais regressar para junto do teu senhor e agradecer-lhe-ás pelo belo presente que me enviou. Acrescentarás que espero, um dia, poder demonstrar-lhe a minha gratidão... quando donna Fiora for condessa de Campobasso. E agora vai! Quanto a ti acrescentou ele virado para Esteban já ouviste: eu vou casar com a tua patroa e posso assegurar-te que saberei defendê-la de todos os perigos. Aconselho-te a seguir o teu companheiro.
E se eu recusar? grunhiu o castelhano, que sentia a mostarda chegar-lhe ao nariz.
É muito simples: dentro de uma hora serás enforcado.
A mim também não me apetece nada ir embora articulou Mortimer. Ou então, ide buscar donna Fiora. Dela, aceitarei a ordem...
O escocês virara o olhar para Esteban e este leu nele que o Tempestade estava a ponto de se enfurecer. Entre os dois, o condottiere, desarmado, não seria grande desafio... Mas Campobasso suspirou, com um ar cansado:
Meu Deus, como sois fatigantes!
O italiano bateu as palmas e uma vintena de soldados entrou na sala:
A última palavra é minha. Parti tranquilamente e separemo-nos como amigos. Os meus homens dar-vos-ão alguns víveres para a jornada... e podeis partilhar isto.
O condottiere desprendeu a bolsa que trazia à cintura e lançou-a aos dois homens, mas nenhuma mão se estendeu para a apanhar e o seu conteúdo espalhou-se pelas lajes do chão. O escocês voltou a consultar o seu companheiro com o olhar e depois, encolhendo os ombros, declarou:
Partamos! Darei o vosso recado ao meu superior... Todos os vossos recados!
Perfeito! Sereis acompanhados até às portas da cidade. Mortimer e Esteban partiram sem se virarem, seguidos pelos soldados. Salvestro fechava a marcha. Depois de eles desaparecerem, Campobasso começou a recuperar as moedas que se tinham espalhado pelo chão e meteu-as na bolsa, que fez saltar na mão com satisfação enquanto se dirigia para o seu quarto. Fiora ainda dormia no meio da massa brilhante dos seus cabelos em desordem, enquadrando o seu corpo encantador. O conde contemplou-a por um instante, tirou as roupas, deslizou para junto dela e, apoiado num cotovelo, começou a acariciá-la suavemente. Ela gemeu sem abrir os olhos e distendeu-se para melhor se oferecer à mão que deslizava por ela, pronta para o prazer cujo calor já lhe começava a subir pelos rins. Quando começou a contorcer-se com queixumes de felicidade, ele entrou nela para se lhe juntar num espasmo supremo...
CAPÍTULO IX
A DETENÇÃO
Campobasso e Fiora permaneceram, durante três dias e três noites, no isolamento do quarto e das cortinas do leito. Apenas Salvestro transpunha, duas vezes por dia, a porta daquele para levar as refeições, mas sem nunca ver o que se passava por trás destas. Galeotto fora encarregado de assegurar o comando e de velar pela ordem em Thionville. O condottiere cerrava os punhos de raiva quando olhava para determinada janela fechada, onde imaginava o que se passava.
Fiora viveu essas horas ardentes inteiramente nos braços do seu amante. Ele apertava-a contra si para dormir, comer e beber e quando, ao cabo de vinte e quatro horas, ela reclamou um banho, transportou-a ele mesmo até à tina que o velho escudeiro enchera com água fresca e secou-a sem deixar de lhe prodigalizar carícias e beijos. Quando não fazia amor com ela, olhava-a maravilhado, tocava-lhe nas pálpebras, nos lábios, no pescoço, nos seios, nos pés e nas mãos, murmurando-lhe palavras de amor que ela nem sempre compreendia.
Nunca a jovem imaginara que provocaria uma tal paixão. Aquele homem nunca estava satisfeito nem saciado e a posse, em vez de lhe saciar os sentidos, parecia exasperá-los e duplicava-lhe o desejo, a ponto de, por vezes, assustar Fiora. Dormia pouco e não a deixava escapar para o sono senão durante um curto espaço de tempo: uma hora ou duas depois já estava mais esfomeado por ela do que nunca.
És minha para sempre disse-lhe ele uma noite, apertando-a até a sufocar. Vou fazer de ti minha mulher...
Apanhada de surpresa por aquela declaração inesperada, ela preferiu rir.
Queres casar comigo?... e nem sequer sei o teu primeiro nome...
Cola... aqui dizem Nicolas, como o jovem duque que perdi e que gostava de servir. Mas, de ti, só quero ouvir palavras de amor.
Creio que não disse que te amava? Apenas que me agradavas...
Que importa se a tua boca não o diz? O teu corpo, esse, grita-o sem cessar, chama-me e eu faço-o cantar, vibrar e até gritar. Isso vale mais do que todas as futilidades dos poetas. Aliás, tu já me amas, sem mesmo te dares conta...
Talvez, mas não tenciono casar contigo... Agarrando-a pelos cabelos, o italiano puxou-lhe a cabeça para trás:
Amas outro? Diz-me! Amas outro homem? Vamos, responde!
Levado por um furor súbito, mordeu-lhe a base do pescoço. Com os olhos subitamente cheios de lágrimas, Fiora lançou um grito de dor:
Por que razão estaria aqui... se fosse o caso?
Ele largou-a, viu as lágrimas que corriam e a marca vermelha no pescoço...
Perdão! Perdão, meu amor!... Ainda enlouqueço... Tu fazes-me ferver o sangue e dás-me alegrias que nunca conheci com outra mulher. E tu, diz-me... algum outro homem te deu tanto prazer? Diz-me! Quero saber...
Não murmurou Fiora, pensando que não mentia já que a sua noite de núpcias fora breve em comparação com aquela paixão arrebatadora e aquela orgia de amor que a esgotava, mas que, curiosamente, lhe mantinha o espírito livre.
A jovem tinha consciência da dualidade existente entre a sua cabeça e um corpo cujas reacções não conseguia controlar. E a sua cabeça dizia-lhe que não voltaria a precisar do perfume de Demétrios, cujo odor desaparecera havia várias horas, e que Campobasso era seu prisioneiro. Entre ela e um duque cujo serviço lhe agradava menos do que supunha, o condottierenão hesitaria... mas, enquanto ele lhe lambia o pequeno ferimento no pescoço, Fiora pensou, saciada, que gostaria de ver acabar aquela clausura a dois que parecia não mais acabar.
Assim, na manhã do quarto dia ouviram uma luva de ferro bater na almofada da porta. Ao mesmo tempo, a voz rude de Galeotto berrava:
Sai daí... Cola! Preciso de te falar com urgência! Campobasso saiu nu do leito, atravessou o quarto e abria a porta. Recebeu em pleno rosto o olhar furioso do seu amigo.
Que se passa?
O pajem desapareceu!
É essa a tua notícia? Que vá para o diabo e que...
Não. Não é só isso: o duque Carlos está no seu castelo de Soleuvre, a doze léguas daqui. Que pensas tu que vai acontecer se aquele Virgínio danado lhe contar que tu desleixaste o comando porque não consegues parar de comer uma espia do Rei de França?
A mão de Campobasso agarrou-se, como uma serpente, à garganta do seu companheiro, apertando-a furiosamente:
Proíbo-te que fales assim, ouviste? Ela vai ser minha mulher!