Nesse caso, se queres que ela viva o tempo suficiente para isso, farias bem se a enviasses para o lugar de onde ela veio! rugiu Galeotto, arrancando a mão do amigo da sua garganta.
Nunca a mandarei embora!
Nesse caso, esconde-a e faz qualquer coisa. O miúdo deve ter partido ontem...
O conde reflectiu por uns instantes e grunhiu:
Talvez tenhas razão. Manda-me o Salvestro e dá ordem para que arranjem uma liteira e que preparem uma escolta: dez homens!
Em que é que estás a pensar?
Vou mandá-la conduzir a Pierrefort!
Em plena Lorena, portanto em pleno território inimigo? És louco?
Precisamente. O Temerário não irá procurá-la lá se aquele pequeno velhaco me denunciou. Pierrefort pertence-me, assim como nos pertencem as cidades que aquele imbecil do Renato II nos deixou ocupar.
A hora que se seguiu foi difícil para Fiora. Não que os projectos do seu amante lhe desagradassem particularmente porque estava pronta a tudo para dormir uma noite tranquila mas as coisas ficaram feias quando ele lhe disse que mandara embora os seus companheiros. O condottiere teve de fazer frente a uma ira italiana, que o deixou estupefacto por alguns instantes.
Quem te deu o direito de mandar embora os meus servidores? gritou ela. Só porque dormiste comigo, imaginas que podes fazer tudo o que te apetece, imaginas que podes destruir a minha vida? Esteban está comigo há muito tempo e tu mandaste-o embora como se ele fosse um criado grosseiro! Nunca te perdoarei e recuso-me a ficar aqui mais tempo!
Acalma-te, peço-te. Tu vais partir, acabo de to dizer...
Sem dúvida, mas não como eu quero! Se pensas que me fechas no teu castelo, estás muito enganado. Manda-me selar um cavalo e adeus!
És louca! Onde é que tu vais...
Agora que já não tenho guia? Vou surpreender-te: vou ter com o duque da Borgonha!
Ele manda-te enforcar!
Achas? Tu mandaste-me enforcar, tu, quando cheguei, uma perfeita desconhecida e até um pouco suspeita? Não. Meteste-me na tua cama e eu aceitei, porque pensava que eras um homem. Mas, estás para aí a tremer como um garoto só porque o teu pajem, se calhar, te denunciou. O Temerário, a mim, parece-me de outra envergadura... e talvez seja divertido tentar seduzi-lo.
Com uma raiva súbita, ele apertou-lhe o pescoço:
Sua putazinha! Estás farta de mim, não estás? A cama de um príncipe é mais interessante do que a minha?... Não penses que te deixo ir. Já te disse que tenciono ficar contigo!
Nesse caso... ficas... com o meu cadáver! disse ela, meio estrangulada.
Compreendendo que estava quase a matá-la, Campobasso largou-a, mas atirou-a por terra com um empurrão:
Tu vais fazer o que eu te digo! Levanta-te e veste-te... se não queres que os meus homens te vistam...
Ela levantou-se, claro, mas disse-lhe, a rir:
Olha, que rica ideia! Chama lá os teus homens! Uns arqueiros a fazerem de camareiras é capaz de ser engraçado...
O absurdo desafio acalmou-o, mas reavivou-lhe o ardor. Com um gesto brutal, atraiu-a a si, empurrou-a contra uma das colunas do leito e possuiu-a de pé, com tanta violência, que ela gritou de dor.
Não me provoques, Fiora! Nunca aceitarei perder-te, entendes? Quero poder possuir-te uma vez e outra, cada vez que me apetecer e, para isso, tenho de te esconder, afastar-te do perigo. Se o duque te mandasse matar, eu era capaz de o matar a ele... Eu amo-te, compreendes? Amo-te, amo-te, amo-te!...
Que vais fazer? perguntou ela um momento mais tarde, ao mesmo tempo que, com gestos acariciadores, ele a ajudava a vestir-se.
Depois de saíres de Thionville, vou a Soleuvre para ver o duque, antes que ele me mande chamar. Dir-lhe-ei que te amo loucamente e que quero fazer de ti minha mulher. Assim, ele não ousará culpar-te. Ele precisa das tropas que eu comando. Depois, mando buscar-te e casamo-nos...
Por que é que não o deixas, em vez de lhe desafiares a cólera? Parte comigo!
Ele hesitou, visivelmente tentado, porque o pensamento de ver afastar-se, mesmo por pouco tempo, aquela mulher adorável, dilacerava-o, mas, por fim, a razão retomou os seus direitos...
Não posso confessou ele. Tenho de pagar aos meus homens e o duque deve-me ouro...
Talvez outro te dê mais?...
Eu sei... e pode ser que isso aconteça, um dia. Mas, por agora, tenciono receber o que me é devido. O Temerário enviou à Lombardia o grande bastardo Antoine, seu meio-irmão e melhor capitão, para trazer mercenários. Entendo que os meus devem ser pagos antes dos recém-chegados...
Fiora não insistiu. Tivera uma ideia: deixar-se-ia levar para onde ele tinha decidido. De lá, arranjaria um meio de fugir e, se Campobasso lhe queria assim tanto, abandonaria tudo para a encontrar...
Uma hora mais tarde, deitada sobre as almofadas de uma liteira um pouco antiga, mas sólida, e cujas cortinas de couro se fechavam hermeticamente, Fiora deixava Thionville, da qual não vira praticamente nada, e atravessava o acampamento dos soldados que não tinham encontrado lugar na cidade. Salvestro, indiferente como de costume, cavalgava a seu lado, ao mesmo tempo que uma escolta de dez homens, dividida em dois grupos, precedia e seguia a atrelagem. Por precaução, os homens de armas levavam, em vez da túnica verde com a cruz branca de Santo André, que era a insígnia da Borgonha, a cota de armas com a dupla cruz da Lorena... Seguiram para sul em trote rápido. Era preciso percorrer, numa única jornada, as pequenas vinte léguas que separavam a cidade luxemburguesa do castelo de Campobasso na Lorena. O condottiere preferia chegar protegido pela escuridão da noite.
Construído no século anterior por Pierre de Bar, o castelo de Pierrefort, baptizado segundo o seu construtor, erguia as suas muralhas sobre um esporão dominando um vale encaixado, formando uma via naairal, entre o Barrois e o Moselle. Era um pentágono de mais ou menos vinte mil metros quadrados defendido por quatro torres representando cada uma um modelo da arquitectura militar da época: uma torre quadrada, uma torre redonda, uma torre em bico e, por fim, uma grande torre octogonaclass="underline" o torreão. Fora essa a torre que a cólera do duque Renato II semidestruíra, mas o castelo pouco mais sofrera com o incêndio. Dando, para norte e para leste, para uma ravina abrupta, era cercado, por sul e oeste, por largos e profundos fossos unidos por uma ponte fixa, sobre a qual caía a enorme ponte levadiça. Uma primeira linha de defesa, feita de paliçadas e vigias de madeira que tinham ardido em parte, precedia os fossos. Era, ao mesmo tempo, uma obra de arte e uma poderosa fortaleza, onde Campobasso mantinha uma guarnição de vinte homens sob o comando de um dos seus filhos...
Mas Fiora não viu nenhum daqueles acessos, assim como não viu o caminho que seguiram, porque, sem se preocupar
1 Pjerrefort ainda existe, em parte, mas encerra uma exploração agrícola que não o restaura
com os solavancos da liteira, dormiu como uma santa a viagem toda e só abriu os olhos quando ouviu o barulho apocalíptico da ponte levadiça que baixava e da grande grade que subia. A tropa passou sob o arco quebrado da porta, penetrou no pátio imenso mal iluminado por alguns archotes e parou, por fim, diante da entrada de uma bela casa cujas janelas, elegantemente esculpidas, ostentavam, sob as empenas, as armas dos antigos senhores de Bar.
Um jovem, parecido com Campobasso, vestido de couro sob uma cota de malha brilhante, estava de pé na soleira.
Saudações, Salvestro, velho bandido! gritou ele alegremente. Livraste-te de apanhar uns bons tiros de besta com essas cotas de armas da Lorena. Foi boa ideia!
Os ares da Borgonha não são muito saudáveis. Foi uma questão de prudência...
E que bons ventos te trazem?
Ventos que te vão levar, messire Angelo. O teu pai quer que vás ter com ele e mandou-me substituir-te em Pierrefort.