Rapidamente se apercebeu da sorte que lhe estava destinada. Na manhã seguinte, constatando que não chovia e que o céu estava quase limpo, pediu um cavalo para dar uma volta pelas redondezas. Responderam-lhe que era impossível, que os passeios a cavalo ou a pé não eram compatíveis com a defesa de uma praça forte fronteiriça. E apontaram-lhe uma escada que, perto da porta, ia dar ao caminho de ronda. Mas quando começou a subir os degraus, a jovem ouviu os passos ferrados dos dois soldados encarregados de a acompanhar. E foi escoltada pela sua presença vigilante, e em passo lento, que percorreu o caminho de ronda do castelo, mal olhando para a paisagem circundante, que não era desprovida de encanto e invadida por uma sensação desagradável.
Pior ainda foi quando, ao descer, se apercebeu de dois pedreiros colocando grades na janela do seu quarto sob a vigilância atenta de Salvestro. Levada por uma súbita cólera, a jovem correu para ele:
Quem vos autorizou a fazer isso? Ignorais que o vosso senhor deseja fazer de mim sua esposa?
Não receeis: ninguém vos faltará ao respeito neste castelo, mas, vede lá, eu não estou muito certo de que vós queirais vir a ser esposa dele e, como ele vos ama, quero ter a certeza de que estareis pronta a recebê-lo quando ele o desejar.
Que tolice! Eu não fui ter com ele de livre vontade?
Sem dúvida... mas, com que objectivo? Porque sonháveis com ele há muito tempo? Não acredito nisso: vós sois jovem e em breve ele será velho. Não sabeis que sou prima dele?
É possível... mas isso não é certo: Quanto a mim, recebi a missão de vos guardar e guardar-vos-ei, se for preciso contra vós mesma. E podeis crer que me custa! Sem vós, estaria a seu lado para a guerra que se está a preparar.
Qual guerra? As partes estão em vias de assinar a paz...
E eu digo-vos que o duque vai partir de novo para a guerra.
No Inverno? Parece-me pouco provável! Isso tem pouca importância para os verdadeiros soldados. Quereis entrar, agora?
Queixar-me-ei disto!
Mas o meu senhor, esse, não se queixará: o que ele quer é ter-vos na sua cama e eu velarei para que não saiais, justamente, dela!
Furiosa, Fiora entrou em casa, dando-se ao prazer irrisório de bater a porta atrás de si.
E os dias e as noites passaram-se, tristes, cinzentos, todos parecidos e sufocantes de aborrecimento. O tempo recuperara as suas cores desoladoras e o Verão terminara com grandes chuvadas e ventos desmesurados, próprios do equinócio. Pierrefort, cercada de nuvens e turbilhões, parecia um barco no meio de uma tempestade e Fiora gostava de subir às muralhas para sentir o prazer violento da borrasca. Sonhava que era levada por uma, podendo, como uma ave, voar sobre as ameias para mergulhar nos campos, como mergulharia no mar... Mas era preciso, sempre, voltar a descer... e, dentro de casa, sufocava.
Passava longas horas na sala, ao canto da imensa chaminé onde o fogo ardia durante todo o dia, sem fazer nada, o olhar perdido no jogo caprichoso das chamas. Não tinha nada com que se ocupar, porque não havia um único livro no castelo nem nada que lhe permitisse bordar, ou ocupar as mãos. À noite, Salvestro fechava-a à chave no quarto e dormia atravessado na soleira para mais segurança ainda: Fiora podia ouvi-lo ressonar como um peão alemão. Entretanto, como não tinham nada que dizer um ao outro, só trocavam algumas palavras. A única peripécia digna de nota era representada pelas notícias que, duas vezes por semana, Salvestro pedia que lhe trouxessem de Toul, ou da abadia de Domèvre, quando iam buscar provisões.
Como previra o velho escudeiro, o Temerário erguera o seu estandarte violeta e negro e reabrira as portas da guerra. Depois de ter enviado no dia 15 de Setembro, ao jovem duque, um manifesto que não passava de mais uma das suas belicosas declarações, assumira o comando do seu exército e começara a invadir a Lorena. Era precedido por um primeiro corpo de tropas às ordens do marechal do Luxemburgo e de Campobasso, que tinham cercado Confians-en-Jarnisy. Renato II partira para França para tentar obter, sem muita convicção, a ajuda de Luís XI, porque o Rei acabava de assinar a paz de Soleuvre com a Borgonha. O eco dos combates fazia vibrar o velho Salvestro como um cavalo de batalha que ouve um clarim, tornando-o ainda mais desagradável, se possível.
Uma noite, Fiora foi acordada pelo barulho da grade e da ponte levadiça. Ouviu-se o galope de um cavalo e gritos. A jovem saiu da cama e vestiu a sua camisa para ir ver o que se passava, mas mal teve tempo de fazer a si própria qualquer pergunta. Já Campobasso, de elmo sob o braço, a armadura a pingar e olhar a brilhar, entrara. Ambos se olharam por instantes em silêncio e em seguida, deixando cair o capacete e arrancando as manoplas, ele caminhou na direcção dela...
Tinha de vir! disse ele. Conflans pode passar sem mim vinte e quatro horas...
Queres dizer... que abandonaste o teu posto para vir aqui?
Sim... em risco de me desonrar, mas já não podia mais... Preciso de ti... ainda mais do que o ar que respiro. Ajuda-me a tirar este ferro todo! Tenho, mais ou menos, duas horas.
Em vez de obedecer, ela foi buscar um xaile para cobrir o seu traje demasiado ligeiro, cruzou os braços sobre o peito e dirigiu-se para a janela:
Não! É muito fácil aparecer assim, como uma tempestade, declarando que precisas de mim! Muito bem, vê tu, eu não preciso nada de ti, nem te desejo e, se me quiseres, terás de empregar a força!
Desorientado pela sua reacção, ele só conseguiu balbuciar:
Mas... Fiora... nós amamo-nos! Já esqueceste Thionville, o nosso quarto... e como nos amamos?
Eu não esqueci nada. Tu, pelo contrário, é que pareces ter esquecido o que é devido a uma mulher da minha condição. Que sou eu aqui? Uma rapariga submetida ao teu prazer? Olha para aquelas barras na minha janela! Sabias que não tenho o direito de apanhar ar senão no caminho da ronda e escoltada por dois guardas? Sabias que o teu escudeiro dorme na soleira da minha porta?
Não fiques zangada, suplico-te! Fui eu que dei essas ordens a Salvestro. Era preciso... para tua segurança!
O que é que a minha segurança tem a ver com isto?
Tens de compreender! Para além de este lugar não ser absolutamente seguro, eu não te podia deixar sozinha no meio de uma guarnição sem tomar algumas precauções. Sei muito bem que nenhum homem está ao abrigo da tua beleza. Os daqui são como os outros e, após algumas bebidas, uma janela pode muito bem ser escalada... Salvestro!
O velho soldado apareceu imediatamente. Devia estar encostado à porta, como habitualmente...
Ajuda-me a tirar isto tudo! ordenou-lhe Campobasso.
Não serve de nada troçou Fiora porque voltarás a partir como chegaste. Nunca aceitarei ser tratada como uma prostituta!
Eu trato-te como minha mulher, é tudo.
A sério? Dizem que a mataste! Vais fazê-lo outra vez?
Sois bem indulgente, monsenhor, por vos permitirdes discutir com esta criatura grunhiu Salvestro, que acabava de lhe retirar a armadura. Eu mantenho-a aqui e vós podereis servir-vos dela quando quiserdes...
Mas Campobasso, com um empurrão, atirou-o contra a parede:
Vai-me buscar vinho! E depois fecha essa porta à chave e vem-me chamar dentro de duas horas. E preciso de um cavalo fresco!
Enquanto isso, o espírito de Fiora trabalhava. Duas horas não era muito. E, se calhar, não era o suficiente... Que aconteceria se conseguisse impedi-lo de partir? Seria desonrado, claro, mas ela não queria saber... E valeria a pena...
Quando Salvestro trouxe o vinho e a chave se ouviu na fechadura, ela desatou a rir. Ele estava ali, a alguns passos de distância, com uma expressão preocupada, remoendo visivelmente a acusação que ela lhe atirara à cara: