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1 Esses baluartes apresentavam-se como grandes massas de terra repousando sobre uma estacaria de carvalho, dispostos em xadrez Eram destinados a reforçar os postos de vigia

da Craffe a do norte e a porta Saint-Nicolas a do sul e as duas poternas, a chamada Sarate e a poterna Saint-Jean, apenas quatro torres: a do Vannier, virada a nordeste, a de Sar, virada a noroeste; a du Terreau, virada a ocidente e, enfim, a grande torre, verdadeiro torreão que vigiava, a sudeste, a estrada para a comendadoria Saint-Jean. Além, claro, das que defendiam o palácio ducal virado a leste, de frente para o Meurthe.

Cinquenta anos antes, o duque Carlos II, consciente dos progressos da artilharia e do facto de que as velhas muralhas direitas e os fossos já não constituíam defesa suficiente para a sua cidade, ordenara, para afastar o inimigo da base das muralhas e proteger as portas, permitindo ao mesmo tempo as saídas, a construção daqueles ”bellewarts” ou baluartes. Tinham-se reforçado as guaritas e, um pouco mais tarde, o duque Jean II erigira as torres gémeas com guaritas de ardósia, que defendiam a porta da Craffe. Tal como estava, a capital da Lorena resistia ferozmente aos assaltos do exército borgonhês... Um exército que, entretanto e graças aos contingentes luxemburgueses, do condado, da Sabóia e ingleses, regressara poderoso e temível e que, de Metz pelo norte, ou do Franco Condado, pelo sul, podia receber ajuda e provisões, o que não era o caso da cidadela cercada: no princípio do cerco Campobasso capturara os rebanhos que passavam no exterior das muralhas. Quanto tempo, naquelas condições e com o Outono frio e chuvoso, conseguiria resistir Nancy?

Aparentemente nada preocupado com a canhonada, Olivier de La Marche dirigiu a sua prisioneira para o imenso acampamento e atravessou as diversas secções onde tinham lugar diferentes ofícios: armeiros, carpinteiros de carros, correeiros, carpinteiros, cuteleiros, padeiros, talhantes e até um boticário. Um exército era, então, um grande burgo, onde não faltavam as tabernas e as prostitutas, que estavam um pouco à parte, nas margens do lago Saint-Jean. O duque Carlos reduzira o número a trinta por companhia, mas continuava a ser um grande número.

1 A única que ainda existe.

O bispo de Metz era aliado do Temerário.

Com o cair da noite e esta vinha rapidamente com aquele tempo desagradável de Novembro os canhões deixaram de disparar. Os assaltantes regressaram ao seu acampamento trazendo os feridos, pelo menos aqueles que não estavam para lá de qualquer socorro humano. Na cidadela cercada, os sinos de Saint-Epvre e de Saint-George tocaram as Ave-Marias e, tanto de um lado, como de outro, as cabeças descobriram-se, ao mesmo tempo que todos se imobilizavam para uma curta oração. A escolta de Fiora fez o mesmo... Por fim, passadas as antigas fortificações da velha comendadoria dos cavaleiros de Saint-Jean de Jerusalém, que se encontravam a cerca de duzentos metros das muralhas, viram, guardado militarmente, um grupo de tendas faustosas em redor da maior, um imenso trevo púrpura, cuja ponta central era encimada por uma cúpula dourada. Uma grande bandeira violeta, negra e prateada estava espetada no chão junto dela e um ajuntamento de escudeiros, criados e pajens, vestidos com as cores da Borgonha, agitava-se em redor. As outras tendas tinham as cores do duque de Clève, do príncipe de Tarente, dos diversos embaixadores e cavaleiros do Tosão de Ouro, mas a que estava mais próxima da tenda ducal era um pouco maior do que as outras, pintada de roxo, encimada por uma cruz dourada e abrigava o núncio do Papa, Alessandro Nanni, bispo de Forli.

Todas aquelas habitações provisórias, das quais algumas poderiam rivalizar com algumas casas pela sua solidez e elegância, estavam, àquela hora, cheias de actividade, ao mesmo tempo que nas construções ainda de pé da comendadoria os cozinheiros ateavam os fogos por baixo de assados e guisados cujos perfumes enchiam o ar. Aquilo originava uma alegre vozearia, graças à qual se podia esquecer um pouco que se estava em guerra...

A aparição do capitão da guarda, levando pela brida uma bela mulher vestida de negro e mãos atadas, suscitou mais do que um simples interesse, mas, aparentemente surdo e insensível aos apelos e perguntas dos seus companheiros de armas, Olivier de La Marche prosseguiu o seu caminho sem sequer virar a cabeça. Fiora, essa, também não olhava para nada nem para ninguém. Muito direita no seu cavalo, seguia com a atitude altaneira de uma rainha cativa e não viu, a alguns passos de distância, dois cavaleiros, dos quais um ajudava o outro a desembaraçar-se de um elmo amolgado. Por um instante, o estupor imobilizou o rosto do primeiro, que, com um golpe seco, arrancou o capacete demasiado depressa:

Devagarinho, se fazes favor! protestou Philippe de Selongey. Quase me arrancaste o nariz!

Olha!... e diz-me se, por acaso, não estou com visões? Com o braço estendido, Mathieu de Prame designou os dois cavaleiros que se dirigiam para a tenda do duque. Bruscamente, Philippe corou.

Não é possível! Não pode ser ela! murmurou ele. Se ainda está viva, que faz aqui? E prisioneira?

Não sei. Mas, achas que será possível uma tal semelhança? Diria que aquela beleza única...

Temos de saber!

Philippe lançou-se a correr, mas já La Marche e a sua cativa tinham posto pé em terra diante da tenda ducal guardada por homens armados e entravam. As lanças cruzaram-se silenciosamente diante de Selongey quando este, por sua vez, quis entrar.

Quero entrar! protestou ele. Tenho de ver monsenhor o duque imediatamente!

Impossível! Messire Olivier acaba de dar ordem para não deixar passar ninguém.

Está bem, mas aquela mulher que acaba de entrar com ele, quem é?

Não sei...

Furioso, Selongey tirou a sua manopla e atirou-a por terra. Prame, que se lhe juntara, esforçou-se por acalmá-lo:

Acalma-te! A cólera não te serve de nada. Basta esperar que ela saia... O duque não vai ficar com ela eternamente...

Tens razão... Esperemos!

E os dois foram sentar-se sobre o tronco de uma das numerosas árvores abatidas...

Entretanto, Fiora, após esperar sozinha alguns instantes numa espécie de antecâmara de veludo púrpura, entrou, sempre guiada pelo capitão da guarda, numa divisão sumptuosa, de tela inteiramente bordada a ouro, que brilhava como uma mitra de bispo. No meio, iluminado por um candelabro onde ardia uma profusão de velas e lâmpadas de cristal, erguia-se uma espécie de trono sob um dossel púrpura com as armas da Borgonha. Sobre esse trono estava sentado um homem, que Fiora reconheceu de imediato por lhe ter sido descrito pela sua ama-de-leite: ”Tem um rosto largo e corado, um queixo poderoso, olhos sombrios e dominadores. Os seus cabelos são negros e espessos...” Aquele homem era o Temerário.

Usava um longo traje de veludo vermelho com um cinto dourado e uma estola de arminho, sobre a qual brilhava o colar do Tosão de Ouro. No gorro do mesmo veludo brilhava uma jóia estranha e fascinante: uma pluma de diamantes segura por uma pequena aljava feita de pérolas e rubis e a prisioneira achou que ele se parecia com um daqueles príncipes lendários cujas histórias o seu pai lhe contava quando era pequena. O Imperador, certamente, não era tão imponente como ele. A jovem, porém, não teve medo e até sentiu uma certa vontade de rir ao pensar que sonhava, há meses, em matar aquele homem defendido por um exército de guardas e servidores, mais ainda do que pela sua própria lenda. Ela, uma simples rapariga sem qualquer poder, e o seu amigo Demétrios, um médico grego cada vez mais velho, tinham jurado matar o grande duque do Ocidente, sem sequer saberem se se conseguiriam aproximar dele... E eis que estava ali diante dele, mas prisioneira, as mãos atadas por uma corda e, sem dúvida, não viveria o tempo suficiente para ver a aurora seguinte, porque aquele rosto sombrio e aqueles olhos faiscantes, que a observavam em silêncio, não auguravam nada de bom. Mas continuava a não ter medo.