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Portanto disse o duque com uma voz grave e sonora, que podia ser a de um cantor tu és a rapariga por quem um dos meus melhores capitães esquece os seus deveres e abandona o seu posto diante de uma cidade cercada? De onde saíste tu, que não sabes que te deves inclinar perante um príncipe?

Uma mulher não se inclina, monsenhor e eu não saberia saudar como deve ser com as mãos atadas. Aliás, desde que me foram buscar que procuro saber qual a razão disto acrescentou ela, erguendo os punhos ligados. Que eu saiba, não matei nem roubei ninguém?

Tu és uma espia ao serviço do meu querido primo, o Rei Luís de França. O que é pior, a meu ver.

Na verdade? Não ouvi dizer que tinha sido assinada uma trégua de nove anos em Soleuvre entre o Rei e Vossa Senhoria? Pensei que era possível viajar à vontade a partir do momento em que as armas se calam?

Aqui ainda falam. Portanto, tu tiveste a fantasia de visitar as fronteiras e, singularmente, uma cidade onde, por acaso, estava concentrada uma grande parte do nosso exército?

Tive o desejo de conhecer o único primo que me resta, monsenhor.

Primo? Campobasso é teu primo? Não percebo por que razão disse Fiora com um meio sorriso esse grau de parentesco parece ofender o poderoso duque de Borgonha. E já que falamos de ofensas, eu gostaria, monsenhor, que parásseis de me tratar por tu. Eu sou de bom nascimento e o Rei Luís, que eu conheci, sempre me falou com deferência. Não ouvi dizer que Sua Majestade seja menos fidalgo do que Vossa Senhoria.

Perante a audácia daquela mulher, cujos grandes olhos cinzentos o fixavam com uma insolência irónica, a cólera de Carlos explodiu. Com o rosto tão vermelho como o traje que usava, levantou-se e ordenou:

La Marche! Obrigai esta mulher a ajoelhar-se diante de nós e fazei-a compreender que a sua vida está por um fio. Ela tem todo o interesse em não excitar desta maneira a nossa cólera!

Sem uma palavra, o capitão da guarda colocou-se por trás de Fiora e fez-lhe força nos ombros, até que os joelhos da jovem cederam. Estes caíram com força no tapete, mas a jovem não baixou a cabeça.

Teria sido mais simples disse ela desatar-me as mãos. Teríeis podido constatar, monsenhor, que eu sei saudar um príncipe como deve ser. Um gesto conseguido pela força nunca foi um sinal de respeito... Dito isto, mandai executar-me, se isso vos satisfaz.

Aquela coragem tranquila extinguiu o furor de Carlos. Com efeito, de todas as virtudes, era a que ele mais apreciava:

Não temeis a morte?

Por que havia de a temer? A vida nunca me deu nada que mereça ser lamentado.

O Temerário aproximou-se e inclinou-se um pouco para perscrutar as profundezas daquele olhar que não fugia do seu. Subitamente, tirou do seu cinto uma adaga cujo punho de ouro estava cravejado de pedras preciosas e encostou a ponta ao pescoço da jovem:

Concedo-vos o tempo de dizer uma oração!

É inútil murmurou Fiora. Deus não tem nada para me perdoar, porque não creio tê-Lo ofendido gravemente. Pelo contrário, Ele é que me fez sofrer. Se Lhe disser uma oração, será para que me reúna ao meu pai assassinado.

A jovem fechou os olhos, à espera que a lâmina se enterrasse, mas esta afastou-se. Com um gesto vivo, o duque cortou as cordas que ligavam as mãos da jovem:

Por Deus, acredito que dizeis a verdade disse ele com uma voz sombria. Não tendes mesmo medo... Sai, La Marche! E vós, levantai-vos!

Mas Fiora não teve tempo de executar aquela ordem: Campobasso acabava de irromper na sala. Viu Fiora de joelhos e o duque com um punhal na mão:

Monsenhor! gritou ele. Por amor de Deus, não toqueis nessa jovem! Eu amo-a e quero casar com ela!

O condottiere precipitou-se para Fiora, levantou-a e, passando-lhe um braço pelos ombros, continuou:

Ela não é responsável pelas faltas que eu cometi, meu príncipe! Sem sequer se dar conta, ela acendeu em mim um fogo devorador, que não me dá tréguas nem repouso. Não posso viver sem ela e...

Fora! urrou o duque. Que audácia foi essa de entrar aqui sem ser chamado? Onde estão os meus guardas?... La Marche!

Não chameis ninguém, monsenhor! pediu Campobasso com um olhar pungente para Fiora, que o tinha repelido. Eu não procuro ofender Vossa Senhoria, mas disseram-me que tínheis ordenado que donna Fiora viesse aqui e quando pensei que ela estava entregue, sem defesa, à vossa cólera...

Sem defesa? Eu acho que ela se defende muito bem! Quem te preveniu?

O meu escudeiro, Salvestro da Canale, que ficou encarregado de a guardar no meu castelo de Pierrefort. Ele seguiu a escolta que a trouxe aqui. Não ma tireis, monsenhor, suplico-vos, porque ela não merece a vossa cólera. Tentai compreender! Nós somos um para o outro, amamo-nos e só falta, para a nossa felicidade, a autorização do nosso príncipe e a bênção...

E por que não a minha autorização? disse uma voz furiosa, cujo som fez parar o coração de Fiora. Seguro com dificuldade por Olivier de La Marche e por um pajem, que faziam corajosos esforços para o imobilizar, Philippe de Selongey acabava, por sua vez, de entrar na tenda ducal. O rosto do duque ficou da cor do barro:

Selongey, também? rugiu ele. Ah, mas, entram aqui como num moinho! Que vindes fazer aqui? Rua!

Em vez de obedecer, Philippe pôs um joelho em terra, mas sem baixar a cabeça e sem perder um centímetro do seu porte altivo:

Peço-vos perdão, monsenhor, por esta falta de etiqueta! Vossa Senhoria conhece-me: sabe como lhe sou fiel, mas eu tinha que vir e não me contive quando vi este grosseirão forçar a vossa porta...

Aparentemente, parece que ninguém se conseguiu conter! Muito bem, estou à espera que me digais o que vindes fazer aqui. Pensáveis e seria uma boa desculpa que Campobasso queria a nossa vida?

Não, monsenhor. Venho reclamar o que me pertence. Esta jovem é minha mulher!

Se uma bala de canhão tivesse caído no centro da tenda ducal não teria causado maior surpresa. O duque olhou por um instante para as três personagens daquela estranha cena com um olhar que não pressagiava nada de bom e virou-se, mais sombrio do que nunca, para se ir sentar no seu trono. Campobasso foi o primeiro a reagir. Puxando da espada, quis atirar-se sobre Philippe, que se levantava a um gesto do duque:

Por todos os diabos do inferno, mentes, miserável! Mas, não ficarás com ela...

Chega! gritou o duque e já Olivier de La Marche caía sobre o condottiere e lhe arrancava a espada das mãos, ao mesmo tempo que o seu senhor continuava: Aqui não se assassina ninguém! Por terdes ousado desdenhar a minha presença, deveríeis ser punido, conde de Campobasso! Retirai-vos!

Mas, monsenhor...

Não me obrigueis a repetir, se quereis evitar a vergonha de ser posto na rua!... E agora, Selongey, nós dois! Prestai muita atenção ao que ides dizer, porque nunca permiti que ninguém fizesse troça de mim e menos ainda aqueles que têm a minha protecção.

Deus me guarde de vos desagradar, meu príncipe. Desde a infância que sou vosso vassalo e morreria antes de usar para convosco de uma ironia que seria, aos meus olhos, um sacrilégio.

Acredito, Philippe! Nesse caso, responde sem receio: pretendes que esta mulher é tua?

Casei com ela em Florença onde me enviastes junto dos Médicis, em Fevereiro último. O seu pai, Francesco Beltrami, era, então, um dos dois ou três homens mais ricos e poderosos da cidade. Casámo-nos...

Para poder engrossar o tesouro de guerra de Vossa Senhoria com os cem mil florins de ouro que constituíam o meu dote e que os Fugger de Augsbourg vos entregaram! cortou Fiora, que, por fim, conseguira anular a emoção sentida aquando da entrada de Philippe, de tal modo semelhante à recordação que guardava, mas, no entanto, diferente.