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Ambos se olharam por um instante de olhos nos olhos e qualquer coisa no coração de Fiora se abriu, se iluminou. Talvez os tempos dolorosos estivessem a chegar ao fim e talvez a felicidade pudesse renascer? O olhar de Philippe ardia de amor, como na noite de Fiesole e, por aquele olhar, Fiora sabia que estava pronta a todos os sofrimentos... A jovem sorriu-lhe com uma ternura infinita.

A menos que os mate, aos dois! É um risco que eu não quero correr... Regressemos, Battista! E vós, Philippe, continuai o vosso caminho, mas... por favor... tende cuidado!

A jovem pousou a mão na manopla de ferro e uma faísca de alegria acendeu-se nos olhos cor de avelã do jovem:

Como é possível falar de amor à dama dos nossos pensamentos com este ferro todo em cima! murmurou ele. Não penseis mais nessa estúpida anulação, minha querida! Vós sois a minha esposa bem-amada... e é bom que o Temerário se habitue à ideia!

Um quarto de hora mais tarde, Fiora e Léonarde estavam de regresso ao acampamento dos borgonheses. Battista Colonna deixou-as na sua tenda e antes de ir dar conta da sua missão pôs um joelho em terra diante da jovem:

Nunca esquecerei o que acabais de fazer por mim, madonna. Podeis pedir-me a vida, se um dia tiverdes necessidade dela...

Esse dia nunca chegará, Battista, mas agradeço-vos! Quando ele se afastou, a jovem virou-se para Léonarde que,

com a grande filosofia que a caracterizava, tirava as roupas dos sacos para as meter de novo nas arcas:

Que queríeis dizer há pouco quando me dissestes que falaríamos mais tarde do local para onde poderíamos ir?

Léonarde não respondeu de imediato, como se hesitasse e depois, tirando de um estojo de veludo um rolo de pergaminho, segurou-o nas mãos:

Pensava dar-vos isto apenas depois de recuperarmos a nossa liberdade, mas, no fundo, posso entregar-vo-lo agora: o Rei Luís doou-vos um pequeno castelo no Loire, não muito longe da sua residência de Plessis-lez-Tours, para vos agradecer os sofrimentos passados ao seu serviço. Aqui está o título de propriedade... e uma mensagem do Rei...

Ela estendeu-lhe o rolo, que Fiora repeliu:

Creio que nunca o habitarei. A minha vida, no fim de contas, talvez se fixe na Borgonha. Oh, Léonarde, não imaginais como me sinto feliz! Nunca imaginei que isto fosse possível. Parece-me que regresso à vida depois de uma longa, longa doença... Devolveremos isto ao Rei com um grande agradecimento.

Sem dúvida, sem dúvida... mas, não nos apressemos! Algo me diz que ainda não acabastes com monsenhor Carlos. Ele é um homem com quem é sempre preciso contar...

E Léonarde arrumou cuidadosamente o estojo de veludo vermelho.

Para grande surpresa de Fiora, o Temerário, quando a viu na manhã seguinte, não fez qualquer alusão ao que se passara, mas disse ao jovem Colonna, suficientemente alto para ser ouvido pela jovem:

O que eu disse ontem também é válido para amanhã. Confiei-te uma pessoa que tenciono manter comigo, Battista! Vela para que ela não se volte a afastar...

O sorriso da jovem reconfortou o rapaz. Por nada deste mundo Fiora se afastaria do acampamento borgonhês, já que Philippe regressara...

Que alegria ao vê-lo aproximar-se do pavilhão ducal com o grande bastardo para receber ordens! Estiveram frente-a-frente por um instante e a multidão enfeitada que se comprimia em redor do Temerário desapareceu. Mas esse instante foi muito curto e tiveram de regressar à terra. Philippe ia voltar a partir com Antoine e a guarda avançada do exército, que o duque encarregava, para preparar o seu próximo avanço para Neuchâtel, de se apoderar do castelo de Vaumarcus, chave da passagem ao longo do lago.

Com efeito, a longa planície acidentada, que se estendia entre os montes do Jura e o imenso lençol de água, tinha meia légua de extensão junto de Grandson, mas ia-se retraindo até se ver cortada, por fim, por um esporão arborizado que, da montanha, descia até à margem do lago. Duas estradas, apenas, permitiam transpor aquele obstáculo: uma, a ”Via Detra”, que subia ao longo do flanco da montanha o traçado de uma antiga via romana e a outra, que costeava o lago e cuja extensão se perdia para norte. Vaumarcus impedia essa segunda via...

O duque explicou:

A nossa bela prima, a senhora duquesa de Sabóia, avisou-nos contra os rumores que correm na região de Vaud. Alguns milhares de homens dos Cantões, comandados pelos de Berna, estariam reunidos em Neuchâtel, preparando-se para marchar contra nós. Não são grande coisa contra os nossos guerreiros, mas, mesmo assim, vamos passar-lhes à frente...

Por que não esperá-los aqui? disse o grande bastardo. O acampamento está bem protegido, tanto pelo leito do Arnon, como pelos fossos e armadilhas que montámos e os nossos canhões. Além disso, esses montanheses têm pouca cavalaria. A nossa, na planície, pode estender-se à vontade...

Talvez, mas eu creio que o nosso melhor aliado é a rapidez. Tomai Vaumarcus e apoiai-nos. Em seguida, porei o exército em marcha. O efeito de surpresa jogará a nosso favor e cairemos em Neuchâtel antes que eles tenham tempo de se organizar.

Ides, nesse caso, levantar o acampamento?

Não. Não há pressa. Já vos disse, a rapidez é a nossa melhor arma, e as carroças, os registos da Chancelaria e as mulheres todas que arrastamos connosco são um empecilho.

Podeis crer, vamos fazer um passeio militar e chegaremos a Neuchâtel sem sequer desembainharmos as nossas espadas.

Levais os embaixadores convosco?

No que me diz respeito disse Panigarola seguirei monsenhor, a menos que ele mo proíba. Não sou os olhos e os ouvidos do meu nobre senhor? E, por vezes, a sua voz...

Vós sois mais do que um embaixador, porque vos temos amizade disse o duque amavelmente. Ireis a nosso lado...

Espero que sejais o único? perguntou audaciosamente Philippe com os olhos postos em Fiora. Alguns pajens parecem-me um pouco frágeis para o tamanho da armadura...

O milanês surpreendeu o seu olhar e sorriu:

O senhor duque deixa os seus tesouros no acampamento. Com a sua permissão, farei o mesmo ao que ele me confiou.

Na madrugada de dia 1 de Maio o castelo de Vaumarcus caía nas mãos dos Borgonheses, que nele deixaram uma guarnição e na madrugada do dia 2 de Maio o exército agitava-se para o que o duque apelidara de ”um passeio militar”...

A recordação dessa manhã friorenta permaneceria durante muito tempo na memória de Fiora. De pé à entrada da tenda, envolta num manto forrado que o duque Carlos lhe dera, a jovem viu-o afastar-se na planície, qual estátua de ferro coroada com um leão de ouro, sobre o possante Moro, o seu cavalo favorito, cuja carapaça de aço o transformava num animal mitológico, e sob a flâmula ondulante do seu estandarte, seguro por um cavaleiro porta-bandeira. À sua volta, os cavaleiros do Tosão de Ouro, que se distinguiam apenas pelos seus escudos: um mundo fantástico de grifos, leopardos, águias, touros, quimeras e sereias... Uma flor-de-lis dourada, cujas pontas eram pedras preciosas, dançava sobre a cabeça do cavalo ducal, símbolo irrisório e jamais abandonado do sangue real francês, que, entretanto, o Temerário detestava...

O dia que nasce está cinzento, o céu descorado... À esquerda, os montes Aubert e Chasseron estão ainda cheios de neve e o

1 Inquieto, o duque de Milão tinha enviado, três embaixadores extraordinários, Palavicini, Visconti e Grimaldi, para estar ainda mais bem informado. O Temerário recusou ficar com eles e devolveu-os a Orbe.

lago tem reflexos de mercúrio... Ao longe, a guarda avançada, de regresso de Vaumarcus, serpenteia através das vinhas na ”via Detra”, ao mesmo tempo que o grosso do exército contorna Grandson para seguir o caminho da margem e acabar por desaparecer. Mas aquele exército tem um ar bizarro para quem o observa: o duque não tomou o cuidado de o preparar para a batalha: progride sem disciplina e mesmo numa espécie de deixa-andar. É verdade que, em princípio, não vai combater, antes percorrer uma certa distância para surpreender os Suíços na sua própria casa... Como se esperasse encontrá-los à mesa.