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Um punhado de homens em redor de um príncipe desvairado de mágoa e furor impotente, foi tudo o que, nessa noite, atingiu a pequena cidade de Nozeroy, erguida sobre uma colina varrida pelos ventos, como uma mão estendida para o céu. O exército, o grande exército do duque Carlos, já só era uma recordação. Não que tivesse havido muitos mortos, mas no seguimento das tropas italianas, que se tinham amedrontado, todas as outras se tinham espalhado, dispersado em todas as direcções. Ao abandonar ele próprio o campo de batalha, o duque dera ordens para que se tentasse impedir um pouco aquele pânico, mas fora impossível. Os soldados, surdos e cegos, tinham fugido como uma horda de cervos diante de um incêndio na floresta.

Na manhã descorada, os bravos habitantes da pequena cidade viram passar, sempre magnífico com as suas armas esplêndidas, um homem pálido, praticamente sem qualquer sinal de vida e cujo olhar, fixo no horizonte, não olhava para ninguém.

Prosseguia o seu caminho na neve que abafava o passo dos cavalos, marchando na direcção do castelo que o ia acolher e todos se inclinavam. Mas ouviam-se alguns sussurros, que acompanhavam o vento da manhã, porque entre os cavaleiros que escoltavam o duque não ia o senhor de Nozeroy, Hughes de Calon-Orange. Para não estar ali, a fim de abrir o seu castelo ao senhor que amava, era porque lhe acontecera alguma infelicidade e a tristeza caiu sobre Nozeroy, para além das sombrias nuvens no céu. As pessoas saudavam, mas quase escondendo-se e benzendo-se como diante de um funeral. E o castelo fechou-se sobre o príncipe que acabava de olhar de frente e pela primeira vez o rosto da derrota... Parecia ferido de morte.

Porém, quando Panigarola e os seus companheiros se lhe juntaram um pouco mais tarde, encontraram um homem fervilhante de actividade. Enviava homens por todas as estradas, para que lhe trouxessem o maior número possível de fugitivos, expedia mensageiros para a Lorena e para o Luxemburgo para que lhe preparassem artilharia, para a Borgonha e para Besançon para conseguir víveres e dinheiro. E, sobretudo, falava, falava, ele que era tão silencioso. E explicava: aquela batalha de Grandson não fora senão um acidente devido à cobardia dos seus soldados italianos, antes de mais, mas também dos picardos, dos ingleses e dos valões. Quando conseguisse reconstituir novas tropas, com autênticos bravos, regressaria para combater os Suíços:

Dentro de oito dias, mais ou menos declarou ele a Panigarola, siderado reformaremos o acampamento em Salins, a duas léguas daqui. Olivier de La Marche, a quem escrevi e que já deve estar restabelecido, tomará todas as providências necessárias...

Em seguida, virando-se para Fiora, que o olhava com uns grandes olhos incrédulos:

Não tivestes muita sorte na vossa primeira guerra, mas prometo-vos que tereis mais em breve... muito em breve.

Monsenhor murmurou ela perdoai-me por ousar questionar-vos, mas... tendes notícias de... do conde de Selongey?

1 Os Suíços enviariam, mais tarde, o seu corpo ao duque Carlos.

A chama de alegria fictícia apagou-se nos olhos sombrios do duque Carlos.

Não... e do meu irmão Antoine, com o qual ele combateu, também não. Espero sinceramente que nenhum mal lhes tenha acontecido, porque vi desaparecer no combate o príncipe de Orange, que também tinha a seu cargo uma parte da guarda avançada... Talvez tenhamos em breve notícias.

Tiveram-nas no fim do dia, quando o grande bastardo Antoine fez a sua entrada na cidade, trazendo com ele um forte esquadrão. A seu lado cavalgava Mathieu de Frame, lívido e com os olhos ainda inchados de tanto chorar, que foi rojar-se, mais do que ajoelhar-se, aos pés do duque. O que ele tinha a dizer resume-se em poucas palavras: vira Philippe de Selongey cair, submergido pelo que parecia uma lâmina, mas, levado pelo fluxo irresistível suscitado pelo pânico, fora-lhe impossível socorrê-lo e depois procurar o seu corpo.

Por trás de si, Carlos ouviu um grito fraco, quase um queixume. Virando-se, o seu olhar encontrou o de Fiora, dilatado pela dor. Ela não chorava nem vacilava, como quando se desmaia; parecia uma estátua e apenas o ligeiro tremor dos seus lábios dizia que estava viva. Então, passando-lhe um braço paternal pelos ombros rígidos:

Vem, minha filha disse ele com muita doçura vem! Vamos chorar juntos...

E saiu com ela...

CAPÍTULO XIII

NUMA TENDA ABANDONADA.

Uma estranha amizade nasceu, então, entre aquele soberano consumido pelos demónios do orgulho e da vergonha, ao qual a pesada derrota ensinara o que é a dúvida e aquela jovem, que perdera a sua única razão de viver. Ninguém, nunca, saberá o que disseram um ao outro durante as longas horas que passaram juntos na pequena capela do castelo sob a guarda de Battista Colonna, impante de orgulho apesar da fadiga que o devastava...

De manhã, Fiora, com os olhos secos e resoluta, estendeu a Léonarde um par de tesouras e ordenou-lhe que lhe cortasse os cabelos à altura do pescoço, à moda italiana:

O duque Carlos declarou ela para pôr fim aos protestos da sua velha amiga jurou não fazer a barba enquanto não tiver vingado a sua honra e vingar-se dos Suíços. E eu não tirarei o traje de rapaz, porque decidi seguir monsenhor por toda a parte até que...

Até que a morte vos leve, como levou messire Philippe? disse Léonarde, aflita. Oh, meu cordeirinho, não haverá outro caminho para vós? Sois tão jovem!

Que caminho quereis que eu siga? O do convento, como fazem todas aquelas cuja dor não sara? Nunca me atraiu e agora ainda menos.

Quem vos disse que a vossa dor nunca sarará? Lembrai-vos: quando conhecestes o conde de Selongey, estáveis apaixonada por Giuliano de Médícis e cheia de ciúmes de donna Simonetta!

Eu amava tudo o que brilhava e Giuliano brilhava mais do que mil fogos! Mas esses fogos apagaram-se quando Philippe apareceu e eu compreendi que não amava Giuliano...

Quanto não teria eu dado para que nunca o tivésseis compreendido! suspirou Léonarde! Mas, regressando ao duque, não tínheis jurado vingança?

Não o esqueci, mas... como hei-de dizer-vos? Ele parece-me em vias de se destruir a si próprio e eu tive a mesma impressão quando vi Pierre de Brévailles sentado na sua cadeira, um morto-vivo. Só pedia para morrer. Viver era uma punição mais cruel. Demétrios, que consegue ver o futuro, pensaria, talvez, o mesmo que eu... É possível, mas não é certo. Demétrios é mais duro do que pensais. Dito isto, não penseis que eu procuro lançar-vos de novo na perseguição de uma vingança que sempre temi. Se compreendestes que mais vale deixar que Deus...

Deus? Deus acaba de me levar o homem que amo, no instante em que nos reencontrávamos. Decididamente, creio que não me tem muita amizade. Não, não digais nada e, sobretudo, deixai-me fazer o que decidi! E, para começar, cortais-me os cabelos, ou preferis que eu própria o faça?

Certamente que não! Pelo menos não serão massacrados. Com decisão, Léonarde pegou nas tesouras e num pente

e depois, com uma careta feroz, começou a cortar a espessa cabeleira, pensando, para impedir que a sua mão tremesse, que os cabelos, no fim de contas, voltam a crescer...

Quando, na manhã seguinte, Fiora se juntou ao duque, vestida com a túnica de veludo negro que ele lhe tinha enviado e ele a viu pôr o joelho em terra como qualquer rapaz, sorriu-lhe:

Que pena não vos poder armar cavaleiro! Mas, pelo menos, posso fazer isto...

O duque foi buscar a uma arca aberta um punhal ricamente marxetado, cujo punho estava ornamentado com ametistas e, fazendo Fiora erguer-se, cingiu-lhe a arma à cintura:

Dois dos meus servidores, ao verem o desastre, conseguiram salvar uma carroça, na qual meteram tudo o que lhes passava ao alcance. Isto fazia parte desse tudo. Quando partir-mos para o combate, dar-vos-ei outras armas...