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Fiora assistiu a ela com trajes femininos, desta vez, os cabelos curtos escondidos numa coifa de tela prateada e velada de negro, como convinha ao seu grande luto. Na véspera, e na presença do núncio, o duque Carlos tinha-a, para fazer calar, talvez, os inevitáveis rumores que a sua presença junto dele provocava, reconhecido solenemente como ”mui nobre e mui alta senhora condessa de Selongey, viúva de messire Philippe de Selongey, cavaleiro do Tosão de Ouro, morto valentemente, vencido pelo número no campo desastroso de Grandson pela honra das nossas armas. E acrescentara:

”Doravante só no mundo, Mme. de Selongey fez voto de nos seguir no combate, a fim de nele tomar parte, em nome do seu defunto esposo, na grande vingança que, com a ajuda de Deus, iremos tirar de um inimigo indigno do sangue que derramou.”

Durante todo o ofício pascal, Fiora teve consciência, como tivera na véspera, dos numerosos olhares fixos em si, mais por curiosidade, sem dúvida, do que por simpatia, mas não ligou muito. Que importância tinha tudo aquilo, agora que Philippe deixara este mundo, que os seus olhos já não a olhavam, que as suas mãos nunca mais a tocariam? Que a julgassem bem ou mal, não lhe interessava. Para além do jovem Battista e de Panigarola, nenhuma daquelas pessoas lhe interessava. Para além do duque, claro, mas a jovem não conseguia analisar o sentimento que a ligava a ele. Era uma espécie de fascínio onde entrava a piedade e aquela atracção que exercem aqueles, muito raros, cujo destino parece prometedor de grandes catástrofes. Era o único a perseguir um sonho quimérico e desmesurado no meio de uma Europa positiva, onde a força, desertando das velhas leis cavaleirescas, pertencia aos mais hábeis e aos mais ricos... Uma voz secreta sussurrava à jovem que o anjo da morte seguia os passos do Temerário e que, sem ter consciência, era à sombra das suas asas negras que ele tentava fugir, era contra ela que se debatia.

Depois de Nozeroy, a sua saúde tornou-se vacilante. Sofria de uma febre constante e de males de estômago, passava as noites no meio dos seus homens sem despir a armadura e, de manhã, bebia as tisanas que Matteo de Clerici e um outro médico enviado pela duquesa de Sabóia lhe preparavam, mas não eram esses males, nascidos sobretudo de um sistema nervoso desequilibrado, que ameaçavam a vida do príncipe. O mal residia na sua alma, que já não acreditava na sua estrela..,.

Ao sair da catedral, Fiora, seguida de Léonarde, tão hirta e altaneira como uma duena espanhola, dirigiu-se ao albergue do Leão de Ouro, onde Panigarola lhe encontrara um quarto. O duque não queria que ela permanecesse no acampamento, onde reinava muitas vezes a indisciplina e as rixas eram numerosas. Subitamente, a jovem teve a impressão de que alguém lhe seguia os passos. Apressou o andamento e percebeu que corriam atrás de si. Então, parando bruscamente, virou-se. Um homem de armas estava na sua frente, no qual ela reconheceu Christophe de Brévailles. Tinha os olhos rasos de água.

Por que razão disse ele numa mistura de cólera e dor me escondestes o vosso casamento? Quando nos encontrámos, mentistes-me! Com que propósito?

Isso tinha importância? Lembrai-vos: vós acabáveis de fugir do vosso mosteiro e queríeis ser soldado. Que importância tinha a minha vida passada?

Nenhuma, claro... mas foi por vos ver, creio, que desejei tanto uma outra vida. Procurar a glória, a fortuna e, depois, procurar-vos, para...

Não digais mais nada! Sabíeis muito bem que nada seria possível entre nós. Vós sois meu tio, quer isso vos agrade, quer não e eu, agora que tudo chegou ao fim, nem sequer me quero lembrar que ainda existem Brévailles no mundo.

Tudo chegou ao fim? Que quereis dizer?

Que Regnault du Hamel morreu de medo ao ver-me aparecer uma noite na sua cabeceira. Quanto ao vosso pai...

Em algumas palavras Fiora contou o regresso de Marguerite ao castelo dos seus antepassados e o que as duas tinham encontrado:

A vossa mãe está em paz acrescentou ela e creio que reencontrou algo que se parece com a felicidade...

E vós cortou Léonarde, que observava o jovem com atenção vós, que esperáveis tanto da vida militar, sois mais feliz do que no convento?

Sou, porque sofri demasiado em Cíteaux, mas confesso de boa vontade que não gosto muito do que faço. Quando vos deixei, alistei-me, como filho de um artesão de Dole, nas tropas do conde de Chimay. E compreendi rapidamente o meu erro: eu invejava a vida brilhante dos cavaleiros, mas, como não tinha direito ao meu próprio nome, não podia esperar nada senão envelhecer com o arnês vestido no meio dos soldados e com o direito de chamar uma prostituta para apaziguar as minhas necessidades de amor. Além disso, a guerra horroriza-me... Vi demasiadas atrocidades...

Nesse caso, ide-vos embora! disse Fiora com voz insistente. Regressai a casa! A vossa mãe ficará feliz por vos ver e não tendes nada a recear do vosso pai...

Christophe sacudiu os ombros como que para afastar a pesada tristeza que o atormentava:

Esqueceis os meus votos renegados! Eu sou um monge que rompeu com o seu mosteiro. Se apareço na Borgonha levam-me para o convento e condenam-me imediatamente à morte. Prefiro que ela me leve no campo de batalha, de frente para o céu, do que no fundo de uma masmorra...

Talvez eu vos possa ajudar mais uma vez. O núncio do Papa está aqui e eu conheço-o. Se conseguir que sejais desligado dos vossos votos, regressareis a Brévailles?

Christophe desviou a cabeça para que a sua interlocutora não lhe pudesse ler o olhar:

Talvez... mas não agora! O duque vai atacar os Suíços e dizem que vós estareis junto dele. Também quero lá estar.

Christophe! suspirou Fiora é preciso que deixeis, para sempre, de pensar em mim. Isso não me dá nenhuma alegria e até me aborrece. Além disso, já que sabeis do meu casamento, também sabeis que sou viúva...

Podeis dizer o que vos apetecer. Eu não posso dar ordens ao meu coração...

Eu sei isso melhor do que vós, porque tenho um único amor, que a morte me levou e enquanto for viva nunca deixarei de o amar. A única coisa que desejo é juntar-me a ele... E agora, digamos adeus...

Um momento disse Léonarde. Não esqueçais a vossa promessa de falar ao núncio!

É verdade. Sob que nome estais alistado nas tropas do conde de Chimay? Christophe Laíné. Um grande nome, como vedes disse amargamente o jovem.

Todos os grandes nomes saíram de um outro, mais pequeno disse Fiora com severidade. Mesmo os dos reis. Talvez devêsseis ter feito algo por esse, mas, como tendes saudades do vosso, vou tentar que ele vos seja devolvido, para que possais regressar a casa com toda a tranquilidade...

Desprezais-me, não é verdade? murmurou Christophe, corado. Mme. de Selongey só tem desdém por mim?

Não, mas confesso que estou desiludida convosco! Já é tempo de vos comportardes como um homem...

Nesse caso guardai a vossa ajuda e não vos preocupeis mais comigo! gritou ele, subitamente furioso e, antes que ela o pudesse reter, virou-se e desapareceu a correr. Fiora fez um movimento para o seguir, mas Léonarde reteve-a...

O que é isso? disse ela ides pôr-vos a correr pelas ruas com um vestido de cauda e uma coifa alta como uma catedral? Deixai o rapaz, apesar de ele não saber muito bem o que quer... para além de estar apaixonado por vós e não vos querer abandonar, de dia ou de noite.

Coisa que eu não quero. O melhor é falar com monsenhor Nanni...

Não façais nada, por enquanto! Se o jovem Brévailles decidir, finalmente, regressar a casa, saberá vir ter convosco.

No entanto, aquele encontro perturbou Fiora. A ideia de que a sua boa acção do Verão anterior pudesse ter resultado mal, era-lhe insuportável e sentiu, mais do que nunca, a ausência de Demétrios, que sabia sempre em que direcção era necessário seguir, mas Demétrios parecia tê-la abandonado para se ligar àquele jovem duque da Lorena, que acumulava catástrofes. Fiora não estava muito certa de não lhe querer mal.