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Nos dias que se seguiram, o duque Carlos caiu seriamente doente e Christophe saiu do pensamento de Fiora. Sofrendo de uma gastrite aguda e de hidropisia, com as pernas inchadas e desfigurado pela dor, o príncipe foi levado de urgência para Lausana, onde a duquesa de Sabóia lhe arranjou um apartamento no castelo. Durante três dias e três noites temeu-se seriamente pela sua vida e os médicos não abandonavam a sua cabeceira. A cidade, suspensa daquela respiração ofegante que não se sabia se pararia a qualquer momento, caiu em silêncio.

Se, ao menos, tivéssemos alguma boa notícia para lhe dar suspirou Panigarola ele reanimaria um pouco, mas as que chegam são detestáveis. Na Lorena, as tropas do duque Renato, sob as ordens do bastardo de Vaudémont, reconquistaram Épinal, Vezelise, Thenod e a Pont-Saint-Vincent. Ninguém, claro, tem coragem para lhe dizer. Seria, certamente, envenenar-lhe as últimas horas.

Ele chegou a esse ponto?

Pelo menos, é o que sabemos. A duquesa Yolanda está à cabeceira dele e faz orelhas moucas se ele reclama um de nós, ou os dois. Mas, parece que está inconsciente. Só o grande bastardo se pode aproximar e ontem à noite vi-o sair com lágrimas nos olhos...

Que pena! Em Florença eu tinha um amigo, um grande médico de Bizâncio, capaz de fazer milagres...

Em Florença? Deve ter perdido o seu talento, porque a vossa cidade está de luto, minha querida Fiora.

De luto? Não foi... Monsenhor Lourenço?

Não. Foi uma jovem belíssima, ao que se diz, e talvez a conheçais? Chamavam-lhe a Estrela de Génova...

Simonetta! murmurou Fiora, aterrada. Simonetta morreu?

Há poucos dias, na villa dos Médicis, em Piombino, para onde a tinham levado na esperança de que o ar do mar a curasse, mas não serviu de nada. Foi sepultada dois dias depois na igreja de Ognissanti, no meio do povo em lágrimas...

Portanto, a previsão de Demétrios confirmara-se! A jovem pensou ouvir a voz profunda do grego na noite do baile, enquanto ambos viam Simonetta e Giuliano sorrirem um para o outro e falando em voz baixa: ”Ela só tem quinze meses de vida. Então, Florença viverá na aflição, mas vós não estareis presente...” Sinceramente desolada, Fiora pensou que Giuliano de Médicis devia sentir-se muito infeliz... E também que o mundo frágil e encantador da sua juventude continuava a afundar-se, talvez a destruir-se. Florença tivera as suas mais belas festas e as suas mais doces horas, porque era o sorriso de Simonetta que as inspirava.

Quem quer ser feliz que se apresse Porque o amanhã nunca é certo dizia a canção profética de Lourenço. Fiora pensou que a felicidade passara, por duas vezes, junto dela, sem que a pudesse ter agarrado. Certamente não passaria uma terceira vez...

Contrariamente ao que se temia, o Temerário recompôs-se, fez a barba e regressou aos seus negócios. No dia 6 de Maio, ainda convalescente, assinou em privado, no seu quarto, com o protonotário Hessler e na presença de monsenhor Nanni, o acordo de casamento entre a sua filha e o filho do imperador. Este teria lugar em Novembro, em Colónia, ou em Aix-la-Chapelle.

Foi a única boa notícia.

Pelo contrário, as más continuavam a chegar. Os Suíços prosseguiam os combates contra a Sabóia. Os de Valais seguravam os altos vales do Ródano e no Val de Aoste as tropas venezianas e lombardas, recrutadas para o Temerário, não podiam transpor a passagem do Grande São Bernardo. Enviado contra os Valesianos, o cunhado de Yolanda, o valente conde de Romont, tivera de bater em retirada e os Suíços tinham invadido o leste e o sul do lago Léman. De Lausana era possível ver os incêndios que tinham provocado... Enfim, era preciso informar o duque do que se passara na Lorena.

Carlos estava ainda demasiado fraco para poder experimentar uma das suas cóleras devastadoras, mas apressava os preparativos. Três dias depois do acordo de casamento montava a cavalo, vestido com uma túnica de seda bordada a ouro e forrada de pele de marta o peso da armadura era ainda demasiado pesado para os seus ombros magros e durante quatro longas horas passou em revista as suas tropas, cujo armamento modificara. Assim, os seus homens tinham recebido chuços tão compridos como os dos Suíços e reduzira a cavalaria. Os efectivos eram de cerca de vinte mil combatentes, dos quais um terço era constituído por mercenários pouco seguros e um quarto por Saboianos firmemente decididos, esses, a baterem-se até ao último. Ficou decidido que no dia 27 de Maio se poriam a caminho para Berna. O exército, esse, tomaria posição em Morrens, mais ou menos uma légua a norte de Lausana. Na véspera da partida, Fiora, que se juntara ao duque com Panigarola, despediu-se de Léonarde, que deveria permanecer no albergue do Leão de Ouro na companhia de Battista. Porque, claro, a velha solteirona não podia ir naquela expedição militar.

Foram umas despedidas mudas. Sabendo que qualquer insistência era inútil perante a feroz determinação da jovem, Léonarde beijou Fiora sem dizer nada, mas apertou-a com força e as lágrimas correram-lhe lentamente pelo rosto.

Não tenhais medo, donna Léonarde tranquilizou-a Panigarola, que viera despedir-se dela após a saída de Fiora. Eu velarei por ela. Raramente matam um embaixador...

Mas diz-se... que os Suíços juraram não fazer prisioneiros! Era exacto. Tinham-se alistado, em todos os cantões, um em cada dois homens, o que representava um exército poderoso e todos tinham jurado matar no local os cativos.

Sem dúvida. E monsenhor disse o mesmo, mas, mesmo assim, eu não serei feito prisioneiro e donna Fiora ficará junto de mim. A bandeira de Milão é conhecida. A sua víbora será, para nós dois, uma boa protecção...

Eu sei que vós sois bom e que gostais muito dela, messireembaixador... mas ela quer morrer... e é a filha do meu coração.

Ele agarrou nas duas mãos da velha solteirona e apertou-as:

Eu saberei impedi-la. E depois... ela não sabe o que é estar no centro de uma batalha. Por mais corajosa que seja, o instinto de conservação será mais forte.

Já não a compreendo. Ainda deve amar Philippe de Selongey para chegar a este ponto!...

Só acontece aquilo que Deus quer. Rezai por ela... mas não vos atormenteis demasiado!

No entanto, o embaixador estava inquieto. Aquela campanha era uma loucura ainda mais grave do que a de Grandson. Vencer os Suíços não traria nada a Carlos, ou traria muito pouco, ao passo que uma derrota seria irremediável. Teria sido tão mais simples sentar-se em redor de uma mesa e discutir... mas, como fazer com que um homem obcecado com o seu orgulho ferido oiça a voz da razão? ”Antes morrer do que aceitar a vergonha!...” O duque não cessava de o repetir e tudo o que Panigarola conseguiu obter dele foi que o exército avançaria lentamente. Mas foi impossível impedi-lo de cercar a pequena cidade fortaleza de Morat, nas margens do mesmo lago, em vez de se dirigir para Berna.

Como é que ele não compreende confiou o milanês a Fiora que faz mal ao usar as suas forças contra aquele pardieiro, em vez de marchar a direito sobre o inimigo? Em Grandson não soube esperar no acampamento entrincheirado e desta vez vai parar, o que dará aos Suíços todo o tempo para o atacar pelas costas...

Mas o duque estava para além de qualquer raciocínio lógico. Queria abater tudo o que se encontrasse no seu caminho e que tivesse o nome de Suíça. No dia 11 de Junho mandava Morat investir e instalar o seu acampamento nas margens do pequeno lago, separado do de Neuchâtel por uma estreita aresta montanhosa...

Na manhã de sábado do dia 22 de Junho, Panigarola e Fiora, num trote tranquilo dos seus cavalos, efectuavam um passeio nas traseiras do acampamento. O tempo não estava bom e até chovia, mas nenhum deles suportava mais as tendas, onde reinava um calor insuportável. Houvera uma ligeira escaramuça na noite de 20 para 21, nada de sério, e estava tudo tranquilo. Os campos verdes e arborizados estavam belos e frescos e, virando as costas ao acampamento, era possível esquecer, por uns instantes, que se estava em guerra. Fiora tirara, até, o chapéu de ferro que o duque a obrigara a usar. Teria feito, de boa vontade, o mesmo com a cota de malha que ele lhe dera quando ela se recusara a meter-se numa armadura, dizendo que ficaria incapaz de se mexer por baixo de uma tal carapaça. Mas Panigarola não lho teria permitido.