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Ali encontraram o grande bastardo Antoine, que acabava de descer do seu cavalo e que, sem qualquer cerimónia, se atirou ao pescoço de Panigarola para o abraçar:

Sire embaixador, direis ao vosso senhor que lhe estou muito reconhecido. Sem o magnífico corcel que me deu teria deixado a minha vida em Morat. A sua rapidez salvou-me...

Assim como o vosso valor, monsenhor. Estais só? Pensava que o duque tinha decidido vir para aqui?

De facto, a ideia era essa, mas não. Ao saber que a duquesa de Sabóia se tinha refugiado com os filhos no seu castelo de Gex, foi para lá com sire de Givry e messire Olivier de La Marche, para tentar convencer Mme. Yolanda a ir com ele para a Borgonha.

Para a Borgonha? Para fazer o quê?

Creio que quer assegurar a sua fidelidade.

Ah!... E... como está ele?

Furioso. Não há meio de acalmar. Jura que há-de, dentro de pouco tempo, reunir um exército de cento e cinquenta mil homens para atacar os Cantões e devastá-los de uma ponta à outra... Receio bem acrescentou Antoine de Borgonha com tristeza que não esteja bom da cabeça...

Não, monsenhor... sonha! Nunca pára de sonhar. Primeiro com o império e depois com o antigo reino de Lotário. É esse o sonho que ele persegue, com o ódio que os Suíços lhe inspiram. Queira Deus que o despertar final não seja demasiado cruel! Sabe-se quantos homens se perderam?

Quereis dizer quantos foram massacrados? Vários milhares, entre os quais Jean do Luxemburgo, Somerset e a maior parte dos arqueiros ingleses. Galeotto, que resistiu o mais que pôde diante da tenda ducal, conseguiu furar as linhas inimigas e fugir com duas companhias. Juntai a isso que, mais uma vez, os Suíços roubaram quase tudo do nosso campo e a nossa artilharia nova, tal como em Grandson. Foi um desastre, pior ainda do que o primeiro...

Posso perguntar-vos quais são as vossas ordens, monsenhor? Esperais aqui pelo duque?

Não. Parto amanhã para Salins, para me encontrar com os sobreviventes de Morat. Se houver alguns!... Ele vai lá ter comigo. Quereis ir connosco?

Com prazer, se os meus companheiros não estiverem muito cansados.

Enquanto isso, na casa de hóspedes para onde tinham sido conduzidas, já que não podiam ficar na abadia, Léonarde, com a ajuda de vela derretida, tratava o seu traseiro, pouco habituado àquelas loucas cavalgadas, sem deixar de rabujar e condenar Demétrios ao fogo do inferno. Ainda não se acalmara desde que Fiora lhe contara a sua entrevista com o grego.

Aquele velho louco deve ter perdido o juízo! Nunca vos escondi o que penso da vingança e, apesar disso, deixei que a perseguísseis. Mas Deus não permitiu que sujásseis as mãos...

As minhas mãos estão sujas, Léonarde. Matei um homem.

Era ele ou vós e a diferença é essa. Mas envenenar friamente, apunhalar ou estrangular um ser vivo, estava certa que nunca o faríeis.

Teria apunhalado du Hamel sem hesitar e, no que respeita ao duque, poderia tê-lo morto em Nancy, quando, soberbo e arrogante, me oprimiu com o seu desprezo e dispôs de mim como de um móvel. Não o fiz porque, ao reencontrar Philippe, não tive a... coragem de me condenar a mim própria à morte assassinando o Temerário. O meu amor foi mais forte do que o ódio e, depois, compreendi muitas coisas, a ponto de perdoar o duque por não ter agraciado os meus pais. Agora, a ideia de matar esse homem doente, enfraquecido, atingido no seu orgulho, faz-me horror. No entanto...

No entanto o quê? Não ides fazê-lo?

Fiora desatou a túnica, tirou-a, atirou-a para cima de um dos catres monacais que mobilavam o seu quarto e foi buscar, à arca de couro que seguia Léonarde para toda a parte e em quaisquer circunstâncias, um espelho para se mirar:

Os meus cabelos estão a crescer. Vai ser preciso...

Voltar a cortá-los? Não conteis comigo para isso e, aliás, proíbo-vos. O vosso marido está vivo. Que diria ele se vos visse assim? É tempo de voltardes a ser mulher, Fiora!

Para quê? Só voltarei a ver Philippe se...

A jovem tirara da cintura o precioso punhal que o Temerário lhe dera e, com um ar ausente, acariciava suavemente a lâmina brilhante. Léonarde empalideceu:

Deixo-vos já, Fiora, se não me jurardes abandonar essa ideia insensata. Matai o duque e sereis imediatamente enforcada: eu não quero ver isso! Quanto a Demétrios...

Já sei o que estais a pensar! disse Fiora com um meio sorriso. Não parais de pensar nele desde que deixámos Lausana...

Talvez, mas devo dizer ainda o seguinte: vós não tendes que lhe obedecer. A ignomínia da sua troca cobarde desliga-vos de qualquer laço para com ele.

Mas... e Philippe?

Não lhe acontecerá nada enquanto o seu carcereiro tiver esperança de que a sua chantagem funciona. O que é preciso é tentar saber onde se encontra o duque da Lorena: Demétrios não andará longe e, nessa altura, saberei o que fazer. Tendes razão, sem dúvida, mas, como saber onde está Renato II? Segundo Panigarola, anda de um lado para o outro... Nesse caso, é preciso ficar perto do duque Carlos... e desse querido embaixador, que sabe sempre tudo. Eles têm, ambos, os seus espiões e será através deles que conseguiremos as nossas informações. Por que não irmos ter com o Rei a Lyon e pedir-lhe que chame Demétrios? Ele é o seu médico e... |

E nada nos diz que ele lhe obedeça. Além disso, lembrai-vos | que o jovem Colonna responde com a vida pela vossa presença? Depois de tantas catástrofes, pensais que o duque ainda pensa nisso? Mais vale prevenir do que remediar com um homem como ele. E, infelizmente, gosta de vós... o suficiente para ter ordenado a um filho de príncipes que velasse por uma velha borgonhesa como eu Se ele vir Battista sem vós..,

Panigarola confirmou o ponto de vista da velha solteirona.; Segundo o grande bastardo, Carlos preocupara-se com ”Madame de Selongey” em termos que não deixavam qualquer dúvida quanto ao preço que lhe atribuía. Fiora pensou que não havia mais nada a acrescentar e que tinha todo o interesse em seguir os conselhos de Léonarde.

Vítima das suas próprias opiniões, esta viu-se forçada a derreter o dobro da cera: no dia seguinte voltaram a partir para Salins na companhia do grande bastardo. A despeito das ameaças de Demétrios, Fiora, desde há muito tempo, sentia-se feliz. O mais importante não era que Philippe estivesse vivo, que respirasse algures sob o mesmo céu que ela? A noite sombria do seu futuro iluminava-se com um luar quente de esperança. Enfim, tinha uma enorme confiança na sabedoria de Léonarde... Com a sua ajuda, começava a acreditar que seria possível vencer Demétrios, talvez utilizando as suas armas favoritas: a paciência e a astúcia.

Quando a 2 de Julho o Temerário, à cabeça de alguns cavaleiros fez a sua entrada em Salins, Fiora mal o reconheceu. Como mudara em tão poucos dias! Aquele rosto inchado, os olhos cheios de olheiras, a boca amarga, o olhar vítreo... Seria o mesmo homem? Sem a armadura dourada e o elmo com o leão de ouro, a jovem teria duvidado estar perante o duque de Borgonha. No entanto, ele sorriu e saudou com a mão o povo da sua cidade, que o aclamava deslumbrado com aquela imagem sumptuosa, à qual o Sol arrancava cintilações.

Ao ver aproximarem-se Fiora e Panigarola, que o iam saudar, teve para ambos um verdadeiro sorriso, quente e comunicativo e abraçou-os, um de cada vez. Parecia extraordinariamente feliz por vê-los de novo e manteve-os junto de si até à noite. Durante o jantar, que comeram juntamente com o grande bastardo, foi de uma alegria encantadora, que confundiu os seus convidados. Os seus projectos eram imensos e rejeitava, com desdém, a responsabilidade da derrota de Morat, atribuindo-a à falta de coragem das suas tropas, que tinham, mais uma vez, virado a casaca e fugido.

Monsenhor intercedeu Panigarola mostrai alguma piedade por eles. Muitos estão mortos...

Não estariam se se tivessem batido como deve ser, e os da minha casa foram os piores. Nada de espantoso: muitos eram franceses, mas eu vou tocar a rebate pela minha fiel nobreza da Borgonha. Já sei que vou poder contar...