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E compôs números, formou esquadrões, confiou comandos a chefes que não se sabia muito bem se estavam mortos ou vivos...

Tive a impressão de jantar com fantasmas confiou Fiora ao milanês. Esse grande exército de que ele fala, existirá sem ser na sua imaginação? Receio que continue doente.

Também eu. Em todo o caso há uma coisa que me espanta! Para onde foi o capitão da sua guarda, que em princípio nunca o abandona? Parece que terá sido enviado numa missão qualquer? E como estava com ele em Gex, pergunto-me que missão será essa?

Sabê-lo-ia três dias mais tarde, quando as paredes do castelo ecoaram com os clamores furiosos do Temerário: Olivier de La Marche acabava de chegar com um destacamento dos seus guardas e o duque berrava aos quatro ventos que lhe ia fazer ”saltar a cabeça”... Ao ver acorrer Panigarola visivelmente perturbado, Fiora, que se passeava com Léonarde nas margens do Furioso, o rio que costeava toda a cidade de Salins, compreendeu que algo de grave se passava.

Começo, verdadeiramente, a acreditar que ele está demente exclamou o embaixador. - Acaba de cometer a maior das loucuras: ao mesmo tempo que, ao abandonar o castelo de Gex, abraçava a duquesa de Sabóia, jurando-lhe uma amizade eterna, dava ordens a Olivier de La Marche para que a prendesse, a ela e aos filhos, quando ela se dirigia para Genebra para junto do seu cunhado, o bispo.

Mandou prender a duquesa Yolanda? Para quê?

Ela recusou-se a ir com ele para a Borgonha e ele esperava, com isso, segurar firmemente a Sabóia. Infelizmente, um criado escondeu o príncipe herdeiro Philibert e o seu irmão mais novo num campo de trigo. Agora, estão em Genebra e imagino daqui o barulho que o bispo terá feito. Aposto que se vai falar do beijo de Judas e o Rei Luís, que não é nada estúpido, vai aproveitar a ocasião para se armar em protector da irmã e dos sobrinhos. É um grande golpe, fazer da Sabóia o inimigo mortal do nosso duque... Como se não bastasse!

Onde está a duquesa?

Perto daqui: no castelo de Rochefort, perto de Dole. Quanto a La Marche, que só cumpriu metade da missão, está em maus lençóis...

No entanto, conservou a cabeça. O duque Carlos tinha demasiadas preocupações para se preocupar durante muito tempo com aquele episódio: os Suíços continuavam com as suas proezas. Depois de terem posto a saque Lausana, preparavam-se para invadir Genebra quando o Rei de França interveio. Morat deixara-o encantado, mas não gostava nada que os Suíços continuassem a espezinhar a herança do seu sobrinho: em defesa do qual enviou a Chambéry o seu utensílio preferido: um saco de ouro e um pequeno exército, para lhes lembrar que, apesar de não fazer a guerra com frequência, possuía todos os meios para a desencadear. Pouco tempo depois, a Sabóia e os Cantões assinavam um tratado de paz.

1 Levada para o castelo de Rouvres, a duquesa seria libertada, algumas semanas mais tarde, por Carlos d’Araboise, enviado por Luís XI.

Que grande homem! exclamou Panigarola entusiasmado. Ao menos, que haja um que não considera a guerra como a última das belas-artes!

Evidentemente, essa não era a opinião do Temerário, que reunira em Salins os estados da Alta Borgonha para lhes explicar a necessidade de virem em sua ajuda na sua guerra contra os Suíços, à qual não queria renunciar. Fez, então, aos seus súbditos, um soberbo discurso, apoiado em Tito Lívio e nos grandes exemplos de combates perdidos e guerras ganhas. Só tinha empreendido aquilo para os proteger, a eles, às suas mulheres, aos seus filhos e aos seus bens contra o perigo mortal dos Suíços e dos Franceses. Foi de tal modo que o auditório, quase em lágrimas, decidiu financiar a protecção das fronteiras, mas com duas condições: que o duque deixasse de se expor pessoalmente e que concluísse a paz assim que a ocasião se apresentasse. Carlos jurou tudo o que eles quiseram e voltou ao trabalho com entusiasmo:

Donna Fiora declarou ele à jovem uma noite em que esta, como fazia cada vez mais frequentemente, acabava de cantar na companhia de Battista quando tiver vencido aqueles bolos secos e lhes reconquistar os meus bens, farei de vós uma princesa. Podereis escolher, nos meus estados, aquele que mais vos agradar. E restituir-vos-ei o vosso dote.

Não vos peço tanto, monsenhor. Viver em paz com a recordação do meu marido a jovem julgara mais prudente, de facto, não lhe revelar o que sabia é tudo o que desejo. Eu não gosto da guerra e quem governa um estado deve estar sempre preparado para ela.

Esta será a última. Em seguida, farei de vós o mais belo ornamento da minha corte...

Fiora não respondeu, encontrando naquela frase uma ressonância estranha. Aliás, a atitude de Carlos para com ela modificara-se mais uma vez. Pediu-lhe para regressar aos trajes femininos, que, apesar de serem de grande luto, ”punham em evidência a sua beleza”. Não só não a expunha às suas cóleras, como era para com ela de uma galanteria extrema, oferecendo-lhe presentes, interrogando-a sobre a sua infância, os seus estudos, sobre a vida que levara naquela Florença com que sonhava muitas vezes e na qual não desesperava de entrar um dia como seu senhor, porque, por vezes, sonhava em conquistar a Itália...

Creio, Deus me perdoe, que ele se apaixonou por vós declarou Panigarola, enquanto observava Fiora a desdobrar uma peça magnífica de cetim debruado a ouro que um recoveiro acabava de trazer de Dijon.

Não estareis a usar demasiado a vossa imaginação?

Certamente que não. Nem sequer lhe reprovaria a inclinação, mas não tenho a certeza que seja para vosso bem. No estado de exaltação em que o vejo, uma grande paixão, num homem cuja castidade sempre foi elogiada, pode revelar-se perigosa.

Que fazer, nesse caso?

Fugir! O mais depressa possível e para bem longe. Eu ajudar-vos-ei... pelo menos enquanto aqui estiver.

Estais a pensar em partir?

Receio bem que venha a ser chamado um destes dias. As consequências de Morat são desastrosas e a política do meu país está em mudança. Milão reaproxima-se da França e se o meu príncipe rompe relações com a Borgonha...

Fiora guardou silêncio por uns instantes. A ideia de ver afastar-se aquele amigo discreto metia-lhe pena. Largando o tecido brilhante, encaminhou-se lentamente para a janela incendiada por um sumptuoso pôr do Soclass="underline"

Se partirdes, tereis de levar Battista, porque eu também não ficarei. De qualquer maneira, não seguirei o duque para outra guerra. Vi Grandson e Morat: chega-me.

No entanto, nos dias que se seguiram, o duque mostrou-se mais calmo. Decidiu deixar Salins pelo Castelo de La Rivière, uma grande construção feudal eriçada de torres e provida de um imponente aparelho militar, situada a três ou quatro léguas de Pontarlier, num alto planalto jurassiano bastante triste, mas suficientemente vasto para que nele se pudesse reunir um exército. A sua casa e a sua família seguiram-no. Fiora encontrou ali um apartamento rico, como há muito não tinha nem via, mas os dias agradáveis de Salins, onde, na calma frescura das montanhas, os sobreviventes de Morat tinham podido repousar um pouco e recuperar o fôlego, tinham acabado.

As primeiras notícias que chegaram a La Rivière puseram o Temerário fora de si. Enquanto os estados da Borgonha tinham aceitado ajudá-lo, os da Flandres, reunidos em Gand, tinham, não só recusado prestar-lhe qualquer ajuda, como também pretendiam restringir as somas previamente cedidas ao exército, com o pretexto de que já não havia exército.

Já não há exército? vociferou o duque. Aqueles miseráveis Flamengos vão ver se eu já não tenho exército! Marcharei contra as suas insolentes cidades depois de castigar os vaqueiros dos Cantões. Quanto àquele burro do chanceler Hugonet, que ousou usar semelhante linguagem, pagará com a sua fortuna. Vou mandar apreender-lhe os bens...