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Nos dias de festa toda a gente andava a pé, para poder admirar melhor as decorações e para não atravancar as ruas estreitas, entregues à folia popular. Lourenço de Médicis dava o exemplo, arrastando pela cidade os seus hóspedes ilustres, aliás com o segundo pensamento de lhes mostrar a sua popularidade, que era imensa.

Diante do palácio da Senhoria, que com as suas paredes severas e ° seu alto campanário dominava as casas em redor e impunha a imagem intransigente da fé, Fiora encontrou a sua amiga Chiara Albizzi, uma rapariga encantadora da sua idade, que conhecia desde sempre e Para quem não tinha segredos... talvez porque a jovem Chiara era quase tão morena como ela e olhava para as coisas e para as pessoas com o mesmo olhar curioso e agudo. Tal como Fiora, Chiara, filha da nobreza, era escoltada por uma governanta e dois criados armados. Quando o vinho corria, os maus encontros eram sempre possíveis.

De braço dado, as duas jovens afastaram-se ligeiramente das suas escoltas benevolentes. Léonarde gostava imenso da companhia da gorda Colomba, a ama-de-leite de Chiara, que era, sem dúvida, a maior mexeriqueira de Florença e que transportava consigo, geralmente, um saco cheio de novidades, das quais a sua filha de leite era, naturalmente, a grande beneficiária.

Pensava que não querias vir? perguntou Chiara. O que é que te fez mudar de ideia?

O meu pai. Ele gosta que eu apareça ao pé dele na giostra. Até me ofereceu uma jóia para a circunstância.

Parabéns! Mas ele tem razão: estás soberba! declarou a jovem Albizzi, inspeccionando com olhos conhecedores a sinfonia de brocados e veludos cinzentos-claros, da cor exacta dos olhos da sua amiga e o sapiente edifício de tranças acetinadas de ouro e pérolas, que tinha exigido a Léonarde uma boa hora de esforços:

Tu também estás soberba disse Fiora, reconhecida e, aliás, sincera. Pareces uma aurora. Estás toda cor-de-rosa!

Sobretudo, tenho o ar de alguém que se vai divertir, ao passo que tu pareces decidida a sofrer. Não consegues tirar Giuliano de Médices da cabeça?

Chhhh! E não é a minha cabeça que sofre, é o meu coração. Não podemos nada contra os batimentos do coração suspirou Fiora, tão tragicamente que a sua amiga desatou a rir.

Espero bem que venhas a ter outros desses batimentos de coração e que não queiras passar a vida a suspirar por um rapaz que só tem olhos para outra. Abandona Giuliano aos seus amores ideais... ou então, tem paciência!

Que queres dizer?

O que toda a gente sabe: os amores dos irmãos Médicis não duram muito. Além disso, Marco Vespucci começa a segregar uma certa acidez. Um marido ciumento é embaraçoso. Devias saber isso, tu: o vosso palácio é vizinho do dos Vespucci. Em vez de esperares, farias melhor se olhasses em redor: Luca Tornabuoni é mais belo do que Giuliano e está louco por ti. Aliás... fale-se no diabo...

O jovem em questão acabava de sair de uma rua em companhia de vários companheiros. De imediato, as duas jovens foram rodeadas por um bando alegre e tagarela, que as separou das respectivas escoltas e as levou triunfalmente até ao local do torneio. Luca Tornabuoni ousou, a coberto do tumulto, segurar a mão de Fiora na sua, depois de ter pousado nela um beijo furtivo:

- Os vossos olhos terão hoje para mim um olhar mais doce do que habitualmente? - pediu ele em francês. Ela sorriu-lhe e pensou que, com efeito, ele era muito belo e alto, o que a obrigava a levantar um pouco a cabeça, se bem que ela fosse também alta, com um perfil de medalha, com espessos cabelos negros e encaracolados e olhos sombrios, que brilhavam ao olhar para ela.

- Porquê hoje? - perguntou ela, traquinas.

- Porque hoje é dia de festa, porque está um dia bonito, porque vós estais mais bela do que nunca e porque...

Quem quer ser feliz apressa-se

Porque ninguém sabe o dia de amanhã...

O jovem terminou a sua frase trauteando aquela canção composta por Lourenço de Médicis, sua favorita e que se tornara o evangelho de toda a juventude de Florença. Mais baixo, ele acrescentou ardentemente:

- Deixai-me falar com o vosso pai, Fiora! Aceitai tornar-vos minha mulher!

- Mesmo que eu aceitasse, o meu pai não diria que sim. Acha que ainda sou muito nova...

- Nesse caso, dai-me, ao menos, uma esperança, um penhor. Eu vou combater por vós...

Luca era um dos que iam medir-se com Gíuliano de Médicis na justa dessa tarde. Tocada, apesar de tudo, por aquela súplica apaixonada, ela estendeu-lhe o seu lenço, que ele meteu de imediato no interior do seu gibão:

- Obrigado, minha doce dama - exclamou ele alegremente. Agora, é preciso que eu saia vitorioso, para vos honrar...

- De qualquer maneira - observou Chiara - não é Fiora que te vai coroar, admitindo que ganhes. Ela não é a rainha da justa.

- Por que esse... admitindo? Duvidas da minha coragem?

- Nem da tua coragem nem do teu valor, belo cavaleiro, mas não seria nada conveniente que Giuliano perdesse, porque a sua dama é a rainha.

Logo a seguir o jovem deixou-as. Estavam a chegar à praça Santa Croce, à entrada da qual se erguiam tendas de seda multícoloridas para os combatentes. Pajens vestidos de vermelho e dourado e palafreneiros cuidavam dos cavalos soberbamente ajaezados segundo as cores dos seus donos... Eram todos cavalos de grande valor, provenientes das célebres cavalariças do marquês de Mântua, ou árabes, fornecidos por Veneza. Apenas Giuliano de Médícis montaria um admirável corcel alazão, recentemente oferecido com uma égua da mesma cor pelo rei de França ao seu irmão Lourenço. Luís XI, do qual se dizia que a sua core era a menos faustosa da Europa, era um conhecedor da matéria e sabia mostrar-se magnânimo quando se tratava dos seus aliados, ou amigos. Aquele cavalo era a prova viva.

Diante da fachada de tijolos cor-de-rosa, muito simples, da igreja da Santa Croce, uma grande tribuna, coberta por panos púrpura e ouro fora erguida para o senhor de Florença e seus convidados. O trono da rainha do torneio ocupava o centro. De cada lado, face a face, altos balcões de madeira haviam sido erguidos ao longo das casas. As damas e as meninas da cidade tomavam lugar neles com os seus mais belos adornos, acompanhadas dos seus maridos, pais ou amantes. Compunham, assim, uma dupla grinalda colorida e cintilante, digna de uma corte real e o povo, que se amontoava por trás das barreiras cobertas de seda, com as suas roupas de cores alegres, não destoava do quadro. As fitas e os estandartes esvoaçavam por toda a parte, agitados por um vento ligeiro. Tudo aquilo ressoava, estremecia e Florença, naquele belo dia, era só seda, ouro e prata, como uma imensa tapeçaria animada pela vontade de um qualquer mágico todo-poderoso.

Justamente, o dito mágico ia fazer a sua aparição. Anunciado pelo som triunfal de longas trombetas de prata, das quais pendia, num quadrado de tecido branco, a flor-de-lis vermelha de Florença e precedido pelos porta-estandartes que faziam voltear e lançavam ao ar as suas bandeiras variegadas, um brilhante cortejo acabava de aparecer. À cabeça, vestido de veludo verde-escuro orlado de zibelina, um largo colar de ouro cinzelado no pescoço e uma fortuna em pérolas e rubis no chapéu, caminhava Lourenço de Médícis, o rei sem coroa daquela estranha república, o senhor de 27 anos, ao qual a cidade dera o seu coração, se bem que fosse tão feio quanto o seu irmão era belo. Mas que fealdade formidável. O Magnífico tinha, sobre o seu corpo magro e vigoroso,! um rosto quase simiesco, no qual o reflexo de um génio triunfal e uma