Выбрать главу

Infelizmente, Fiora não soube grande coisa. O enviado do Temerário alojara-se com a sua escolta no melhor albergue da cidade, o Croce di Malta, junto do Velho Mercado. Levava ali uma vida de príncipe, bebendo os melhores vinhos que nunca eram suficientemente bons para ele, e comendo bem, mas só saíra do seu apartamento uma ou duas vezes e, mesmo isso, por um pequeno lapso de tempo.

Pareces muito interessada nesse estrangeiro observou Chiara.

Talvez porque o ache interessante. Tu não?

Sim, claro, mas só por curiosidade. É verdade que é bem elegante e o seu rosto não é daqueles que se esquecem com facilidade, mas acho que me mete um pouco de medo...

Medo porquê? Ele não tem nada de terrível.

Cheira a guerra. Tive a mesma impressão quando conheci, no ano passado, o condottiere Guidobaldo da Montefeltro. Homens que só vivem dela e para ela. E depois, essa gente do Norte não é como nós, não gosta do que nós gostamos...

No entanto, diz-se que a corte do duque da Borgonha é a mais brilhante da Europa e que ele é o homem mais rico...

Nesse caso, por que mandou messire Selongey pedir dinheiro aos Médicis? O meu tio, que falou disso ontem, disse que o duque Carlos quer tornar-se rei, que não cessa de guerrear com esse desígnio e que cerca, desde há três meses, a poderosa cidade de Neuss, em terras da Alemanha. A guerra custa mais dinheiro do que as festas...

Nós nunca a fazemos? Já te esqueceste do cerco de Volterra, há poucos anos e como o nosso Lourenço tratou a cidade rendida?

Chiara desatou a rir.

Nós aqui a discutir as duas como se tivéssemos a nosso cargo a cidade. Decididamente, interessas-te muito por messire de Selongey. É verdade que ele olhou muito para ti, no outro dia... Voltaste a vê-lo?

Não disse Fiora, sem hesitar perante uma tão grande mentira, mas não queria partilhar com ninguém o momento de Santa Trinita. Aqueles breves momentos eram só dela. Eram como um tesouro escondido que não se podia esbanjar, mesmo com uma amiga tão querida como Chiara. Khatoun chegaria para falar de Philippe quando ele regressasse para junto do seu senhor, o Grande Duque do Ocidente...

Então, tenta não pensar mais nele, porque vai-se embora em breve e, segundo parece, nunca mais o voltarás a ver. Pelo menos, serviu para tirares Giuliano da cabeça e talvez acabes por te interessar pelo pobre Luca Tornabuoni, que definha por ti. Não dava um excelente marido?

Por que não casas tu com ele, já que o achas tão bom?

Primeiro, porque ele não me ama, segundo, porque somos velhos amigos e terceiro, porque eu estou por assim dizer, sabe-lo bem, noiva do meu primo Bernardo Davanzati. Dentro de dois anos casar-nos-ão, porque assim decidiram as nossas famílias. É claro que não o vejo muitas vezes, porque ele representa, em Roma, os interesses da sua casa, mas eu sei que ele me ama.

E tu? Tu ama-lo?

Não me desagrada. Além de que não há qualquer razão para alterar seja o que for nos projectos que elaboraram para nós. Penso que formaremos um casal muito conveniente acrescentou Chiara sorrindo.

Era, sem dúvida, uma boa coisa, ver assim diante de si a vida traçada numa bela linha direita. Entretanto, Fiora, à luz da sua recente experiência, não via a sua existência da mesma maneira.

Estás certa perguntou ela subitamente de que nunca encontrarás um homem que faça mais por ti do que agradar-te? Que te faça bater o coração com mais força... e que tenhas vontade de seguir até ao fim do mundo?

Chiara não respondeu de imediato. Os seus olhos escuros estavam fixos em Fiora com afeição, mas também com inquietação. Para deixar morrer o eco das palavras reveladoras da sua amiga, foi buscar um copo de vidro azul que estava sobre um aparador, contendo ameixas de compota e depositou-o em frente de Fiora, que tirou uma. Ela própria olhou por um instante para o fruto açucarado que tinha na ponta dos dedos finos e suspirou:

Se queres a minha opinião, chegou a hora de um certo senhor da Borgonha regressar às brumas do Norte!

Fiora não teve tempo de protestar. A entrada de Léonarde e Colomba, que se tinham demorado na cozinha onde a governanta de Chiara apurara uma nova receita para rechear os pombos, pôs fim à conversa. Colomba vinha propor às duas jovens que acompanhassem Fiora de volta a casa, passando pela loja do boticário Landucci, onde ela queria comprar um determinado unguento de erva-cidreira, miraculoso para a brancura das mãos.

É uma boa ideia disse Léonarde porque nós também já não temos nenhum em casa.

Partiram pelas ruas, as duas amigas caminhando à frente. Como boas florentinas, gostavam de passear assim, pelo meio dos sons e da agitação da cidade, cujos habitantes gostavam mais de viver no exterior do que no interior das suas casas. As mulheres conversavam de uma janela para a outra ou à entrada da porta. Os homens, quando o dia chegava ao fim, saíam, reunindo-se entre eles para discutir os negócios da cidade, contar histórias ou trocar gracejos. Os comerciantes e os artesãos agrupavam-se no Velho Mercado, os jovens elegantes da cidade na ponte Santa Trinita, de onde viam o dia extinguir-se nas águas do rio; quanto aos homens importantes, encontravam-se sob as arcadas da Loggia del Priori, mesmo a sombra da Senhoria e não era raro o Magnífico juntar-se a eles. Também não era raro, quando o tempo estava bom, aparecerem umas mesas vindas das casas, onde se instalavam para jogar xadrez. Entretanto, as mulheres tratavam da refeição da noite, ou conversavam entre elas quando o trabalho chegava ao fim. Quanto às crianças unicamente os rapazes, claro os seus gritos e o barulho dos seus jogos enchia as ruas e as praças... Depois, ao apelo do Ângelus, cada um regressava a casa, Porque não parecia bem errar, noite fechada, fora de casa.

A Florença respeitável adormeceria dentro das suas muralhas de 68 voltas de ronda ou defesa, guardada por soldados, ao passo que a outra a do prazer e do crime, a das raparigas públicas e das facadas, começava a viver, sairia dos seus esconderijos e infiltrar-se-ia, como uma maré, pelas ruas mal iluminadas, de longe em longe, por uma candeia de ferro pendurada do portão de um palácio.

Fora das muralhas, seria a paz das doces colinas, o vento ligeiro da noite nos ramos dos ciprestes, a oração nocturna de uma ave nos olivais ou nas vinhas de San Miniato ou Fiesole, respondendo ao som rachado da sineta de um mosteiro campestre, mas, na cidade, o deboche, o terror e a morte rondariam, até que o canto dos galos expulsasse as aves da noite e as atirasse, amedrontadas e pestanejando, para os seus buracos equívocos. E se, durante as horas nocturnas, um grito rasgasse a sombra entre as rondas da milícia, os burgueses de Florença não dormiriam um sono menos tranquilo, confiantes na força da sua cidade e na protecção de Santa Reparata, a sua padroeira: o sangue da valeta não seria mais vermelho do que a flor-de-lis de Florença.

Aquela Florença era totalmente desconhecida de Fiora e Chiara, abrigadas como estavam pelas paredes espessas dos seus palácios, guardadas por numerosos criados. Só conheciam dela a amável imagem diurna e as horas de sol, que aqueciam os mármores polícronos do Duomo, a admirável catedral de Santa Maria del Fiore, cujo cognome era devido à soberba cúpula de Brunelleschi.

As passeantes demoraram-se um pouco diante das jaulas de leões instaladas por trás da Senhoria. Os animais reais eram os fetiches da cidade, que velava por eles com um cuidado ciumento e bastava que um deles ficasse sem apetite para que as pessoas bem informadas se pusessem a profetizar uma catástrofe próxima; e se um deles morria, a Vacca, o grande sino da Senhoria, que só tocava a rebate, balia como se tivesse rebentado uma revolução.