Vagueando, conversando e respondendo às numerosas saudações das pessoas que encontravam pelo caminho, acabaram por chegar ao Canto del Tornaquinci, onde se situava a loja do boticário. Era uma encruzilhada continuamente animada graças à casa funerária ali instalada, cujos empregados jogavam à malha diante da porta, enquanto esperavam pelos clientes.
Com um gesto seguro, Colomba empurrou uma porta baixa no rés-do-chão de uma casa de bela aparência, com loggia e colunas de mármore, onde um grande letreiro, pintado com cores vivas, anunciava: «Casa das Estrelas... SerLuca Landucci, boticário.» E as quatro mulheres penetraram numa grande sala no nível inferior, sob um belo tecto esculpido e com iluminuras, porque Landucci era um homem rico e considerado, que desempenhava o seu papel na administração da cidade. Era também amigo de Francesco Beltrami e Fiora gostava de ir a casa dele mais ainda do que à de Bisticci, porque aquele era amável e alegre e porque em sua casa se respiravam maravilhosos odores de plantas secas e especiarias.
A sua loja, com as prateleiras cheias de potes de majólica azul e verde, frascos estreitos de longos gargalos de vidro translúcido, almofarizes de pedra e bronze, caixas de prata ou madeira exótica e as grandes balanças de cobre dispostas em cima do balcão de bela madeira escura de carvalho admiravelmente encerada, respirava a ordem e, em geral, a tranquilidade que convém aos homens de saber. Ora, quando o pequeno bando ali penetrou, a casa ressoava com o tumulto de uma violenta disputa: duas mulheres, que pelas suas vestes elegantes se poderiam classificar como pertencendo à boa sociedade, discutiam com o ardor e a impetuosidade verbal das peixeiras do Mercato Nuovo.
Burra velha clamava uma eu já te digo quem sou!
Há muito tempo que sei! A tua boca está cheia de fel, é por isso que tens a cara tão amarela!
Menos do que a tua! O teu defunto mijava nela todas as manhãs! A que acabava de receber a última injúria não era outra senão Hieronyma Pazzi. Louca de raiva, procurou qualquer coisa para atirar à cabeça da sua adversária e encontrou um frasco de malvaísco que a outra evitou à justa, mas que se foi quebrar nas lajes do chão. Ao ver aquilo, o boticário lançou-se corajosamente na batalha e procurou apaziguar as duas mulheres que, então, se atacavam com as mãos.
Vinde ajudar-me, vós! gritou ele aos dois rapazes da loja que, escondidos por baixo de um balcão, gozavam a cena como conhecedores. Fizeram descuidadamente o que o patrão lhes ordenava, pouco desejosos, no fundo, de ver cessar aquele combate entre a dame Pazzi e a nobre Cornelia Donati, sobretudo um combate que começara tão bem. As duas mulheres odiavam-se há muito por uma questão de rivalidade amorosa, na qual Cornelia tirara vantagem ao roubar a Hieronyma O homem com quem ela desejava casar. Depois, Hieronyma conseguira uma certa vantagem, porque Augusto Donati enganava a mulher comtudo o que vestisse saias e passasse ao alcance das suas mãos, mas a animosidade não abrandara e cada vez que as duas mulheres se encontravam estalava uma querela ao menor pretexto. Naquele dia, o archote da guerra era um inocente pote de pomada de cor encarnada para os lábios, obra-prima da oficina de Landucci e que cada uma das duas adversárias queria para si, mas que, infelizmente, era único
Conseguiram, por fim, separar as duas combatentes, que, tanto uma, como a outra, tinham deixado algumas plumas na contenda e enquanto elas retomavam o fôlego, o boticário acabava com o debate declarando severamente:
Não venderei esta cor encarnada a nenhuma de vós! Madonna Catarina Sforza, a ilustríssima sobrinha de Sua Santidade o papa Sisto IV acaba justamente de ma encomendar, porque a reputação deste unguento chegou até ela. É, portanto, para Roma que o vou enviar!
E com um gesto pleno de majestade, tirou o pote de cima do balcão e fechou-o num dos armários de dobradiças de ferro. Em seguida, declarou:
O que não quer dizer, Madonna Hieronyma, que não me devais o preço daquele frasco que haveis quebrado e do malvaísco que ele continha, que, agora, já não serve para nada. Vou dizer ao meu escriba que faça a conta...
Eu não teria quebrado esse objecto se esta malvada não me tivesse posto fora de mim exclamou a dama Pazzi. Ela deve pagar tanto como eu!
A despeito de um olho negro, Hieronyma recobrara toda a sua segurança. Era uma bela mulher de 35 anos, que conservava muita da sua frescura. O seu corpo, arredondado, permanecia apetitoso e dizia-se que encontrara na viuvez algumas compensações, com homens discretos ou homens que ainda tinham mais interesse em esconder os seus amores secretos, quer dizer, dos criados da casa. O velho Jacopo Pazzi, o patriarca que reinava sobre a tribo, passava, com efeito, por ter a mão singularmente pesada para aqueles da sua casa que se portavam mal. Falava-se por portas travessas, claro de um criado indelicado, tão cruelmente mordido pelos molossos de caça que morrera, de uma criada demasiado faladora enterrada num bosque com a boca cheia de terra depois de ter sido estrangulada e de uma jovem prima engravidada desgraçadamente e morta de uma estranha doença de languidez devida ao facto de lhe terem cuidadosamente tirado todo o sangue. E se o quese dizia de Hieronyma era verdade, esta arriscava-se muito, mas a mulher era manhosa e sabia levar o sogro, sobre o qual tomara um grande ascendente, porque tinham ambos a mesma paixão: o dinheiro.
Colérica, Hieronyma atirou com uma moeda para cima do balcão e dispunha-se a sair quando Fiora a deteve:
Tu não podes sair assim, prima! Pede ao menos a messer Lan-
ducci um unguento para dissimular esse olho. Ele tem alguns miraculosos... disse ela inocentemente.
Hieronyma não o tomou assim. Medindo a jovem, disse com tanta fúria que mais parecia uma víbora a silvar-.
O meu véu deve chegar. Quanto a ti, vil bastarda que te permites tratar-me como tua igual, sai do meu caminho!
Fiora não era menina para se deixar insultar sem responder:
Não ousarias repetir isso diante do meu pai! Com ele és toda açúcar e mel e aqui estás em casa de um amigo dele.
Escutai-a a pairar! troçou a outra. Esta rapariga é uma princesa, palavra de honra...
Não sou nenhuma princesa, visto que sou filha de Francesco Beltrami...
Tens a certeza?
Se a pérfida pergunta perturbou Fiora, não o deixou transparecer. Endireitando altivamente a cabeça, lançou:
O meu pai, esse, tem! É mais do que poderão dizer certos homens...
Cornelia Donati, que se recompusera do choque do frasco, veio colocar-se ao lado da jovem.
Não te rales a discutir com essa víbora, pequena! O teu pai é um homem de bem, todos o sabem. Todos o estimam. O mesmo não se Pode dizer dos Pazzi. Desaparece, Hieronyma! Já te vimos que chegue.
Eu vou, mas voltaremos a encontrar-nos, Cornelia Donati! Quanto a essa, há-de vir o dia em que a terei à minha mercê em minha casa e saberá, então, o que custa desafiar-me publicamente.
E saiu com um grande voo de véus e tecidos violetas, a sua cor favorita, porque achava que dava excelentemente bem com a sua opulenta cor loura. Sós, os ocupantes da loja olharam uns para os outros, estupefactos com a última saída de Hieronyma:
- Que quis ela dizer com aquilo? perguntou Chiara. Não é bem como poderá ela ter Fiora à mercê em sua casa?
A menos que a case com o filho? sussurrou Cornelia...
Aquele gnomo horroroso, marreco e cambado? indignou-se Chiara. Seria preciso que messer Francesco enlouquecesse., o que nunca acontecerá.
No entanto, é o que ela deseja disse a gorda Colomba. Uma das criadas disse-me duas palavras no outro dia no mercador de velas. Donna Hieronyma diz que é a melhor maneira de a fortuna dos Beltrami ficar na família. Todos sabem, com efeito, que donna Fiora é herdeira do seu pai...