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Cada vez compreendo menos! Ainda há um instante faláveis do vosso amor...

Que é profundo... e ardente, mas, sem dúvida, eu vou morrer. Quereis que vos diga mais claramente os termos do contrato que quero assinar convosco? Fiora terá o meu nome, o que a porá ao abrigo de um outro reconhecimento sempre possível. Será condessa de Selongey, mas viverá convosco e usará luto por mim quando chegar a hora...

E vós, que tereis vós, já que quereis entregar o seu dote ao vosso duque?

Uma noite de amor! Uma única noite, da qual levarei a recordação como um tesouro, ou que talvez me exorcize de uma paixão que me queima. Declarareis o casamento quando muito bem vos parecer. Bastante tarde, sem dúvida, se quereis evitar o ressentimento dos Médicis, cuja atitude é uma declaração de inimizade para com Borgonha. Foi por isso que falei num casamento secreto. Depois da minha morte, Fiora poderá, se quiser, voltar a casar...

A vossa morte, a vossa morte! Ela ainda não está escrita. Por que quereis tanto morrer?

Porque quero apagar do meu sangue a nódoa com que vou manchar as minhas armas ao casar com a filha de Jean e Marie de Brévailles. Serei o único a saber dessa nódoa, porque não tenho família. Ela desaparecerá comigo e em poucas horas darei tanto amor àquela que será minha mulher, que ela nunca saberá nada. A sua vida permanecerá a mesma junto de vós e eu terei tudo o que podia esperar deste mundo...

Esqueceis uma coisa: dessa única noite pode nascer um filho!

Nesse caso, educá-lo-eis até que tenha idade para pegar em armas e servir os seus príncipes. Então, enviá-lo-eis ao castelo de Selongey com todos os meios para se fazer reconhecer e eu ficarei em paz, porque será o sinal de que os meus antepassados me perdoaram o que vou fazer...

Que rapaz estranho! Francesco sentia-se confuso com aquela mistura de cinismo e inocência, com aquela alma feudal plena de paixão e certeza, capaz de tudo sacrificar ao seu senhor e aos seus próprios desejos, mas decidida a pagar o preço, mesmo que esse preço signifique a vida...

Que ides fazer? Eu ainda não aceitei o vosso pacto.

Mas ides aceitar. Sabei que estou pronto a tudo, entendeis, para conseguir Fiora, para que seja minha. Enquanto eu for vivo, ela não será de mais ninguém.

Até onde sois capaz de ir? Até dardes a conhecer a todos a verdade do seu nascimento? Far-vos-íeis retalhar imediatamente...

Talvez, mas vós não vos ergueríeis do escândalo. Seríeis obrigado a fechá-la num convento. Mais vale aceitar, messire Beltrami e vós sabei-lo bem. Ficais seguro, assim, de que ela nunca vos deixará. Isso deve ter um preço aos vossos olhos...

Francesco sentiu-se corar. Aquele homem tocara com o dedo no ponto sensível, aquela repugnância que ele tinha de ver, um dia, a sua filha bem-amada ir para longe, nos braços de um marido que nunca saberia amá-la como o seu pai... Sabia que o cavaleiro borgonhês ganhara, mas não queria ainda chegar a acordo:

O vosso amor é terrível, senhor conde! Não tenho razão nenhuma para supor que a minha filha se queira acomodar. E eu não a forçarei nunca...

Por que não lhe perguntais? Se ela aceitar...

Nesse caso, também aceitarei disse Beltrami gravemente mas sabei que ficareis ligado a um compromisso que vos será impossível quebrar... no caso de, mais tarde, mudardes de opinião.

Eis o comerciante que reaparece! disse Selongey com um sorriso de desdém. Eu só tenho uma palavra, messire Beltrami. Uma vez dada, não recuo.

Nesse caso, vamos a minha casa!

Lado a lado, caminharam pelas ruas, Philippe levando o seu cavalo pela rédea, que deixara à porta da casa de comércio. Nunca caminhara tanto desde que chegara a Florença. As pessoas daquela cidade pareciam preferir caminhar a qualquer outro meio de locomoção. Era verdade que as ruas, com uma valeta de cada lado, estavam limpas a maior parte do tempo, mas era curioso ver os grandes homens da cidade deslocarem-se

sem qualquer decência, como as pessoas do povo. Aquilo devia vir, sobretudo, do gosto extremo que todos tinham pela conversação. Nunca deviam estar certos do tempo que demoravam para ir de um local para outro, porque nunca sabiam que pessoas encontrariam e quantos minutos lhes consagrariam.

Entre o Mercato Nuovo e o palácio das margens do Arno, o borgonhês ouviu, mais de 20 vezes, os passantes saudarem o seu companheiro.

Uma boa noite para ti, messer Francesco! Deus te guarde e te mantenha próspero! Saúde para messer Francesco e todos aqueles que ama!... As fórmulas eram diversas, mas todas reflectiam respeito e até afeição.

Não vos sabia tão popular observou Selongey mas, por que é que aqui todos se tratam por tu?

Dir-se-ia que estais em Roma? O latim ignora o tratamento por vós e o latim permanece aqui a língua dos poetas e dos sábios. A nossa língua vulgar não passa de um derivado do latim, tal como o francês, aliás e monsenhor Lourenço, que começou a fazer versos em toscano, esforça-se por lhe dar a devida nobreza. E não há dúvida de que o conseguirá, porque é um grande artista em todas as coisas...

Também na política? Duvido. É um erro grave opor-se ao todo-poderoso duque da Borgonha...

Não vos quero contrariar, messire de Selongey, mas maior erro seria romper a aliança com o rei Luís de França, que é, talvez, o político mais fino do seu tempo!

Aquele miserável figurão? disse desdenhosamente o conde. Aquilo não é um cavaleiro.

Quando se tem a seu cargo um reino que durante cem anos conheceu a ocupação inglesa, mais vale ser um grande diplomata do que um cavaleiro sem mácula. O rei Luís tem coragem. Demonstrou-o em variadíssimas ocasiões.

Vejo que o admirais muito. Posso aconselhar-vos... como futuro genro, a que mudeis de amizades enquanto ainda é tempo? Em Julho último, o rei Eduardo IV de Inglaterra assinou com o duque Carlos um tratado, pelo qual o inglês se obriga a vir a França com um exército, ao mesmo tempo que a Borgonha se juntará a ele com dez mil homens antes do próximo 1 de Julho. Messire Luís será varrido e Eduardo será coroado rei de França em Reims como o exige a justiça.

Mas não a História! O vosso senhor deixará que o inglês cinja a coroa de São Luís, de quem ele próprio descende? A meu ver, seria um erro grave. Ter reconhecido em tempos o jovem Henrique, em detrimento de Carlos VII, não trouxe sorte ao duque Filipe, o Bom... O céu pode muito bem enviar uma outra Joana d’Arc... e, de qualquer maneira, nunca é bom uma pessoa enganar-se no rei. Enfim, Luís XI ainda não disse a sua última palavra. Podeis ter a certeza que monsenhor Lourenço não ignora nada disso... e ele recusou ajudar o vosso senhor!

E então, está enganado! Não vos esqueçais que a própria irmã de Luís XI, a duquesa Yolanda de Sabóia é aliada da Borgonha, em proveito de quem concluiu uma aliança com o duque«de Milão... que é vosso aliado.

Mas não nosso amigo. Que belo aliado arranjastes! Galeazzo Maria é um cabeça de vento que de Sforza só tem o nome, sem nenhuma parecença com o seu pai, o grande Francesco, que era amigo de Luís XI. Todos os seus pensamentos giram em redor da sua favorita, a bela Lúcia Marliani e nas cartas que escreve a monsenhor Lourenço só fala de certos rubis, que pertencem aos Médicis e que o milanês quer para a sua amante. O vosso duque vai ter uma surpresa...

Quem não as tem quando se trata de uma mulher? Consciente, de repente, do que dissera, Selongey corou e calou-se.

Os dois homens chegavam à vista do portão do palácio Beltrami, iluminado por duas lanternas metidas em jaulas de ferro e cujas chamas se curvavam e separavam sob o vento frio que soprava pelas ruas. Francesco ergueu o pesado batente de bronze representando uma cabeça de leão. Ao cair, este ressoou com um som amplo e profundo. E depois, quando a porta se abriu pela mão de um criado, Beltrami afastou-se para dar passagem àquele hóspede inesperado: