É difícil de imaginar, sem dúvida, mas há exemplos. Falou-se de um conde de Armagnac e da irmã...
Quando se pertence a uma grande família, talvez se pense que se está acima das regras da moral e da opinião pública! Entre os Brévailles, que vêm de uma boa nobreza, não seria possível permitir um tal escândalo. Quando Jean fez 13 anos, o chanceler da Borgonha, mestre Nicolas Rollin, que é amigo da família, conseguiu que ele entrasse como pajem para o serviço do senhor conde de Charolais, filho do duque Filipe, a fim de ali aprender ao mesmo tempo o Manejo das armas e as Maneiras da Corte. Messire de Brévailles, que tinha renunciado às armas depois do cerco de Compiègne, onde foi gravemente ferido, ficou muito feliz com aquela circunstância, que ia permitir ao seu filho aprender a nobre arte da cavalaria sob as ordens de um príncipe fervoroso discípulo de tal arte. E Jean partiu para Lille.
«Não é possível descrever o que foi o desespero de Marie. O seu desgosto pela partida do irmão foi tão violento que a sua mãe temeu, por um instante, pela sua razão e a criança adoeceu por um período de vários meses antes de recuperar a saúde.
»A ausência de Jean durou quatro anos. De pajem passou a escudeiro de monsenhor Carlos e quando em 1455 regressou a casa para passar o Natal com os seus, todos puderam ver que trazia uma expressão extremamente altiva. Quanto a Marie, que aprendera o canto, a dança, a música e a economia doméstica, a sua beleza florescera com um tal brilho, que os pedidos de casamento começaram a afluir. Ela recusava-os todos, dizendo que não pretendia abandonar a casa dos seus pais, onde se sentia plenamente feliz.
”Quando Jean regressou, as coisas começaram a tornar-se graves. Pela minha parte, tive um pressentimento, face à atitude daquelas duas crianças. A partir do momento em que se reencontraram, nunca mais se separaram um do outro. Sentavam-se sempre um ao pé do outro de mãos dadas. Multiplicavam as ocasiões para se isolarem e davam juntos, grandes passeios a cavalo. Uma noite... aconteceu o drama... e lamento dizer que fui eu o culpado.
Antoine Charruet afastou-se da mesa e foi sentar-se perto do fogo, para o qual estendeu as mãos magras que tinham recomeçado a tremer.
Nessa noite, Jean tinha ensinado a Marie uma dança da corte muito graciosa, sem dúvida, mas na qual as figuras, plenas de languidez, não eram para ser dançadas entre um irmão e uma irmã. Além disso, eu tinha reparado nalguma perturbação, um certo frémito, quando os olhos de ambos se encontravam, ou quando as suas mãos se tocavam. Tudo aquilo fez com que me mantivesse acordado durante toda a noite. Sentia crescer o meu nervosismo e acabei por compreender que não conseguia conciliar o sono enquanto não falasse com Jean. Era preciso convencê-lo a regressar para junto de monsenhor Charolais logo na manhã seguinte. Peguei, portanto, na minha vela e dirigi-me ao seu quarto, que se situava numa das torres, quer dizer, afastado dos da família.
Ao chegar, vi que um pouco de luz se filtrava por baixo da porta e fiquei contente, porque evitava ter de o acordar. Muito suavemente, abri a porta, pensando surpreendê-lo a ler, ou a escrever. Infelizmente, o que vi era ao mesmo tempo terrível e de uma beleza fascinante: no grande leito de cortinas vermelhas, à luz doce de uma vela, Jean e Marie amavam-se...
«Não sei o que teríeis feito no meu lugar. Eu devia, sem dúvida, ter entrado pelo quarto dentro e arrancado Marie àquele leito e àqueles braços, nos quais ela parecia gozar uma felicidade indizível. Mas não pude. Por um instante, contemplei-os, perdidos naquele amor que os enaltecia... e depois fechei a porta docemente, muito docemente e voltei para o meu quarto, onde rezei durante toda a noite. Aliás, o mal estava feito e umas horas a mais ou a menos não teriam mudado nada.
»De madrugada, fui ter com Jean, que, desta vez, estava só. Disse-lhe o que tinha visto e ordenei-lhe, em nome do Senhor, que abandonasse imediatamente aquela casa, que ele não tivera pejo em macular. Ele não protestou. Disse apenas: «Nós amamo-nos e nada nem ninguém no-lo impedirá». No entanto, aceitou partir. Se tivesse recusado, eu teria sido obrigado a prevenir o seu pai e ele sabia-o.
»A Marie, mergulhada em lágrimas por aquela partida tão brutal, não disse nada, mas fui ter com os pais dela e dei-lhes a entender que era tempo de casar a sua filha. Para minha surpresa, encontrei-os decididos a isso. Eles também não tinham gostado da dança de corte... E, dessa vez Marie não teria o direito de recusar o marido que lhe iriam oferecer.
»A infelicidade quis que, entretanto, eu fosse obrigado a ausentar-me por algumas semanas, mas parti tranquilo, persuadido de que no meu regresso as coisas já teriam reencontrado o seu curso normal. Na minha ideia, pensava que um marido jovem, belo e apaixonado faria esquecer a recordação de Jean. Acabara por me persuadir que a cena de que fora testemunha não passara de uma loucura passageira, uma criancice grave. Eles eram tão jovens, os dois!
«Quando regressei, Marie estava noiva e, contrariamente ao que esperava, fiquei consternado. Por não sei que aberração, Pierre de Brévailles, a despeito dos pedidos da sua mulher, decidira escolher Regnault du Hamel. Vós viste-lo, não preciso, portanto, de vo-lo descrever. Limito-me a dizer-vos que, como conselheiro e tenente da chancelaria com assento em Autun, bastante rico e com grandes e poderosas relações, era um genro desejável. Além disso, tomava Marie sem dote, o que contara na decisão de Brévailles. As suas finanças, soube-o então, não iam muito bem... Face a tudo isto, o amor não tinha grande peso.
«Nunca celebrei um casamento tão dramático. Foi preciso, literalmente, arrastar para o altar uma Marie desfigurada pelas lágrimas, ao ponto de eu quase me recusar a celebrar. Mas du Hamel tinha um primo, cónego em Saint-Benigne de Dijon, que se prontificou a substituir-me. Abençoei, pois, aquele casamento e transportarei essa culpa comigo até à minha última hora.
”Porque, mal Marie entrou na casa de Autun, onde residia o seu marido, a sua vida transformou-se num inferno. Du Hamel mostrava-se de uma avareza sórdida e de um ciúme maníaco. Marie, submetida a uma incessante espionagem, vivia fechada, mal alimentada e privada de tudo ° que pode tornar agradável a vida de uma jovem. O nascimento de uma rapariga, nove meses mais tarde, não melhorou as coisas. O marido queria um filho e responsabilizou a mulher por aquilo que ele considerava uma ofensa. Além disso, mais grave ainda, deu ouvidos a certos mexericos acerca da natureza real dos sentimentos que Marie alimentava pelo seu irmão.
Onde tinha ele ouvido isso?
Vá-se lá saber. Uma criada despedida, um criado subornado ou talvez uma testemunha daqueles longos passeios que as duas infelizes crianças davam juntas, muitas vezes. Mas, a partir daí, Regnault du Hamel não poupou a sua mulher a injúrias e a maus tratos. Espancada, desprezada, desonrada, Marie resistiu o melhor que pôde, mas, quando du Hamel atingiu o cúmulo da maldade ao levar-lhe a filha, a coragem abandonou-a. A algumas léguas da sua prisão estava a casa da sua infância e o tecto que abrigara a sua demasiado curta felicidade. Uma noite, aproveitando uma breve ausência do seu carrasco, Marie conseguiu fugir com a ajuda de uma jovem criada, que tivera piedade dela. Correu sem parar até casa dos seus pais, ávida por um refúgio, no qual o seu corpo, martirizado e coberto de vis nódoas negras, pudesse encontrar aconchego. Ignorava que Jean, inquieto há meses pela falta de notícias da sua irmã, acabava de chegar. E o drama desencadeou-se. Ao reencontrarem-se, os dois jovens reencontraram também, intacto e até, talvez, reforçado, aquele sentimento monstruoso que os empurrava um para o outro e os Brévailles tiveram medo. Com súplicas e depois com ameaças, tentaram persuadir Marie a regressar a casa do seu marido. Madeleine de Brévailles estava com o coração despedaçado perante os sofrimentos da sua filha, mas du Hamel era seu marido: tinha sobre ela todos os direitos e ninguém podia fazer nada.