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De qualquer maneira, a presença de homens armados leva a desencorajar certas tentativas e precisamos de tempo para encontrar o assassino. Não saias até ao funeral, que terá lugar depois de amanhã. Naturalmente, estaremos lá todos...

Agradeço-te do fundo do coração. A tua protecção e amizade são-me preciosas, senhor Lourenço...

Poderão ser impotentes para te preservar, se não escolhes rapidamente um marido...

Ele não disse mais nada, mas Fiora sabia que ele era tenaz. Voltaria certamente à carga e seria preciso, um dia, dizer-lhe a verdade. Por outro lado, tinha razão quando dizia que era necessário um homem à cabeça dos negócios de Beltrami e Fiora lamentou a sua ignorância. Se fosse um rapaz, o seu pai, dois ou três anos antes, teria começado a iniciá-lo na sua obra, a fim de que, mais tarde, pudesse assumir a sucessão, mas ela, tão sabedora noutras matérias, não sabia grande coisa das difíceis transacções comerciais. A morte, tão brutal e prematura do seu pai deixara-a desarmada...

O senhor Lourenço é sábio e só quer a vossa felicidade disse por trás dela a voz tranquila de Léonarde...

Na condição de que essa felicidade esteja de acordo com o interesse dos seus. Por outras palavras, que eu case com Luca...

O que é impossível por agora, mas talvez haja uma solução. Por que não pedir ao senhor Lourenço que ponha alguém inteligente, alguém de toda a confiança na direcção dos vossos negócios? Ele ficaria, certamente, lisonjeado e isso permitir-vos-ia iludir, por algum tempo, o seu projecto de casamento. Aliás, o vosso luto não permitirá acender, antes de muitos meses, os archotes de um noivado.

O conselho é sábio. Depois de o meu pai... sair desta casa para sempre, falarei nisso a Lourenço de Médicis.

O lúgubre protocolo mortuário já estava em campo. Os anunciadores da morte percorriam a cidade, parando nos mercados para proclamar o óbito de Francesco Beltrami, ao mesmo tempo que os encarregados das pompas fúnebres escolhiam as carpideiras entre as mulheres pobres dos bairros de má fama. Entregavam-lhes grandes vestidos com capuzes de fazenda negra, cosidos de maneira a poderem em seguida fazer deles trajes decentes, mas nenhum fausto devia presidir às exéquias, porque não convinha fazer de um funeral uma festa. Todo o brilho da cerimónia estaria reservado para aqueles que iam assistir a ela e só seriam servidos, na refeição tradicional, dois pratos.

As visitas afluíam à casa. Amigos e simples curiosos chegavam continuamente, porque a notícia da morte trágica do negociante não esperara pelos anunciadores para se difundir. Percorrera a cidade com a velocidade do vento, as pessoas amontoavam-se na rua para poderem saudar o corpo e entrar, aqueles que nunca tinham tido oportunidade, no palácio Beltrami, satisfazendo o seu desejo de contemplar todas aquelas riquezas. Felizmente para Fiora, o capitão Savaglio, que Lourenço havia posto de guarda à sua casa, efectuava uma separação que nem sempre era isenta de brutalidade.

Se eu não puser ordem nisto confiou ele a Léonarde, que lho dera a entender todas as putas e rufias da cidade desfilarão pela vossa casa. Vestem à vez um vestido ou um fato conveniente e aparecem beatificamente, porque a ocasião para visitar uma casa rica é demasiado bela para perder. Infelizmente para eles, conheço-os quase todos!

Luca Tornabuoni acorreu no rasto do Magnífico. Fiora, já na defensiva, esperava grandes protestos de amor e até um imediato pedido de casamento, mas o jovem, após ter saudado o defunto, inclinou-se profundamente perante a jovem, contentando-se em dizer-lhe:

Chamai-me se precisardes dos serviços de um amigo fiel, que gostaria infinitamente de poder apaziguar, por pouco que seja, o vosso desgosto.

Ela ficou-lhe reconhecida e, espontaneamente, estendeu-lhe a mão.

Obrigada, Luca! Não me esquecerei...

Para sua grande surpresa, Simonetta e Marco Vespucci, flanqueados pelo primo Amerigo, também apareceram. Branca e radiosa como era seu hábito, a despeito do vestido escuro que trazia por respeito, a Estrela de Génova beijou Fiora com uma gentileza e uma emoção que comoveram a jovem.

Em breve sentir-vos-eis muito só neste grande palácio disse-lhe ela. Por que não vindes viver algum tempo para junto de mim? Nós nunca falámos muito uma com a outra, mas eu gostaria que vísseis em mim uma irmã mais velha, ou, pelo menos, uma amiga verdadeira...

Fiora retribuiu-lhe o beijo com sinceridade e até com um pouco de vergonha. Como detestara aquela jovem maravilhosa, na qual se obstinara a ver uma rival dois meses antes!... Ou dois séculos antes!. Na verdade, nada impedia que a esposa, se bem que desdenhada, de Philippe de Selongey, se tornasse amiga de Simonetta. E a jovem sentiu subitamente uma grande pena ao recordar a profecia do grego, desejando de todo o seu coração que não se cumprisse...

Marco Vespucci apoiou o convite da sua mulher, mas o primo Amerigo, sempre a meio caminho das estrelas, causou uma ligeira perturbação ao virar as costas a Fiora para beijar devotamente a mão de Léonarde, que sufocou, o melhor que pôde, uma risada. Simonetta, erguendo para o tecto um olhar acabrunhado, salvou a situação ao arrastar o atordoado para fora da câmara mortuária em passo de corrida.

Chiara, que fora de manhã cedo com o tio para a sua vinha de San Gervasio, chegou como uma bomba, trazendo a reboque a gorda Colomba e um criado carregado com uma mala de roupa.

Não te deixo mais! declarou ela enquanto beijava Fiora. Instalo-me junto de ti até estares farta. E não tentes impedir-me. Algo me diz que podes vir a precisar de ajuda dentro de pouco tempo.

Sem esperar pela resposta, foi-se ajoelhar junto do leito e, de mãos no rosto, ficou absorta numa profunda oração. Com o coração reconfortado por tanta ternura espontânea, Fiora observou-a a rezar por uns instantes e regressou ao dever esgotante de acolher todos aqueles que se apresentavam, apesar de um cansaço cada vez maior. Sabia, porém, que o pior estava para vir, que a menos que acontecesse um milagre, teria, dentro de pouco tempo, de receber a odiosa Hieronyma, que ela acreditava tinha mandado assassinar o seu pai... A sua única esperança residia no facto de que no meio de todo aquele luto a dama não ousaria reclamar a resposta à escandalosa oferta de casamento que formulara na véspera. Mas conhecia-a mal...

A asquerosa mulher chegou com a noite e os ecos do palácio encheram-se com os clamores e os soluços de uma dor barulhenta que eriçou a pele de Fiora. Saindo do quarto onde há já uma hora o pintor Sandro Botticelli, sentado a um canto, desenhava a carvão, silencioso e com os olhos marejados de lágrimas a última efígie de um homem que sempre acreditara no seu génio, a jovem foi esperar na galeria a chegada da sua inimiga. A sua intenção era interditar-lhe o acesso à sala onde repousava o seu pai.

A visão de Hieronyma, envolta em roupagens fúnebres como uma matrona da Roma antiga e o rosto marejado de lágrimas, provocou-lhe vómitos. Ia gritar, ordenar que pusessem na rua aquele monstro de hipocrisia, mas Chiara deteve-a:

Mesmo que tenhas razão para acreditar no que acreditas, deves recebê-la.

Eu não quero que ela se aproxime do meu pai!

Não podes impedi-la. Ela é da família. Não deves dar azo a qualquer crítica.

Silenciosa mas ao mesmo tempo roendo o freio, Fiora saudou com uma inclinação de cabeça e abriu ela própria, diante da visitante, a porta do quarto, por onde esta se lançou, gritando:

Onde estás, Francesco? Meu primo fraternal... meu irmão! Nunca saberás a que ponto me eras querido, a que ponto...

Pelo contrário, creio que, lá onde está, o meu pai sabe perfeitamente quais são os sentimentos de cada um! disse secamente Fiora, incapaz de se calar por mais tempo. Por favor, põe um travão a essa tua expressão de... dor, prima! O meu pai não gostava que se exteriorizassem os sentimentos.