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O ouro parecia, decididamente, representar para aquela mulher o bem supremo, o fim a atingir e Fiora, que por um instante pensara que talvez fosse possível amolecer-lhe o coração, renunciou. Tinham pago a Pippa para que ela cumprisse a sua vil tarefa e se bem que tratasse a sua prisioneira com uma certa doçura, era unicamente porque, ao vê-la, descobrira que com alguma delicadeza podia conseguir tirar dela mais ouro do que pensara.

O dia decorreu com os cuidados que Pippa não cessava de lhe prodigalizar, uma refeição ligeira e algumas horas de repouso. Quando chegou a noite, o Mulherão apareceu para vestir ou não vestir Fiora com uma ampla túnica de musselina branca completamente transparente e pentear-lhe os cabelos com pequeninos ramos de jasmim e flores-de-laranjeira. Khatoun, com um vestido de seda vermelho que lhe deixava os seios livres e com uns sequins nos cabelos, tinha desaparecido...

Até pareces uma noiva recém-casada! disse Pippa contemplando a sua obra. Vais-lh’agradar. Ele é um tipo que gosta, sobretudo, de virgens. Gosta d’as abrir e já lh’arranjei algumas. Desinteressa-se depressa delas, mas tu és diferente: és tão bela!

Fiora quase disse que já não era virgem, mas achou que isso não a salvaria. Se aquele homem se tinha dado a tanto trabalho para a ter era porque a queria, por uma razão ou por outra. Procurara, em vão, imaginar quem poderia ser esse desconhecido, Mas, agora, tudo o que esperava era que ele fosse um ser fatal, sem dúvida, mas talvez acessível a certos sentimentos humanos e, esforçando-se por reforçar a sua coragem, esperou, meio deitada na cama aberta e à luz doce das velas que lhe fazia brilhar os cabelos e lhe acariciava a pele aveludada.

Mas, quando a porta se abriu sob a mão de Pippa para dar passagem ao «cliente», Fiora lançou um grito de horror e, saltando da cama, refugiou-se nas cortinas, que fechou sobre si: aquele que acabava de entrar era Pietro Pazzi, o corcunda, o coxo, a criatura horrível que Hieronyma dera à luz, o rapaz que ela lhe queria dar como marido...

Ele só tinha 20 anos, mas, na realidade, não tinha idade, porque as garras do vício já lhe tinham marcado o rosto de tez macilenta. Tinha um longo nariz achatado na ponta, os cabelos ralos e lisos, umas grandes orelhas, o queixo em forma de galocha e olhos pequenos e negros, dos quais um se fechava por instantes quando um tique habitual lhe erguia um dos lados do rosto. Apenas os dentes, muito brancos, possuíam alguma beleza.

Até ao momento, Fiora sempre tivera pena de um rapaz tão desgraçado e que a ironia da sorte fizera com que nascesse na cidade da Europa onde a beleza tinha mais importância. Aliás, nunca era visto com os rapazes da sua idade, cuja crueldade não tinha senão troça e sarcasmos para a sua deformidade. As raparigas fugiam dele, pelo menos aquelas a quem o seu nome, ou a sua fortuna o permitiam. Chiara detestava-o e tinha, até, medo dele. A jovem dizia que o diabo é que o tinha engendrado e fugia de pôr os pés no palácio Beltrami quando sabia que o jovem Pazzi lá ia. O que era raro, porque ele não saía muito da propriedade do seu avô, em Montughi, onde se dizia que se dedicava à alquimia e à criação de cães ferozes.

O terror de Fiora pareceu diverti-lo, porque desatou a rir.

Então, minha bela noiva, é este o acolhimento devido a um apaixonado? Dir-se-ia que te meto medo?

Aquela voz sarcástica devolveu a Fiora a cólera, que o medo tinha expulsado por um instante. Sem abandonar o abrigo das cortinas, ripostou:

Eu nunca tive medo de ti e tu sabe-lo muito bem. Creio, até, que sempre fui amável contigo...

Eu sei, eu sei! Amável... sim. No entanto, recusaste casar comigo. A tua «amabilidade» não vai até tal ponto, não é verdade?

Não se pode dar a mão sem dar o coração. Sinto-me desolada, Pietro, mas não te amo.

Não fiques: eu também não te amo... aliás, creio, até, que te detesto, mas queria ter-te.

Sê franco! Era o meu dote que tu querias e depois a fortuna do meu pai...

Não te deprecies tanto! disse ele com uma risada de troça, que passou como uma lima pelos nervos tensos da jovem. É evidente que queria a fortuna dos Beltrami e ela pertence-me, visto que tu não és nada. Mas queria-te, para te ensinar a viver à minha maneira. Para te submeter a todos os meus desejos, a todos os meus caprichos... Ah, a bela vida que eu te teria proporcionado, acorrentada dias e noites à minha cama, como uma cadela... Nunca viste os meus cães, pois não?... É pena... São belos, fortes e lambem-me as mãos para conseguirem carícias. Terias vivido com eles, partilhando a sua ração... Até já tinha mandado fazer uma bela coleira de couro bordada a prata para esse lindo pescoço. Ah, como teríamos sido felizes os dois! Já te via a dormir nua no tapete do meu quarto, ao lado de Moloch, o meu molosso favorito, vindo a mim ao menor estalo do chicote... Este mesmo chicote, estás a ver?... E de sob o manto negro que trazia negligentemente atirado para cima dos ombros tirou uma longa correia de couro entrançado, que fez estalar. Mas ainda não é tarde, sabes? Primeiro vou casar contigo à minha maneira, ali, naquela cama de bordel... e depois, veremos como havemos de realizar esse belo sonho... Mas, agora, vem, minha doce querida, vem ao teu senhor!

Ele era louco, não havia dúvida. Com os olhos esbugalhados e um fio de baba a escorrer da boca, Pietro era aterrorizador, demoníaco...

Nunca! gritou Fiora, desvairada. Proíbo-te que te aproximes de mim!

Proíbes-me? Tu podes proibir seja o que for ao teu senhor? Vais-te arrepender... Eu disse aqui! Aqui, de joelhos!

Pippa, assustada com a reviravolta dos acontecimentos, interveio:

Um pouco de paciência, senhor! Serve-te desse chicote mais tarde, quando ela estiver mais habituada a ti disse ela com uma voz mansa, que pretendia fosse suave. Pensa que tens diante de ti uma rapariga doce, uma virgem pura, que nunca imaginou, sequer, as alegrias de uma união contigo... Começa por tomá-la! Depois, estou certa, ela ficará doce... e submissa!

O olhar de Pietro vacilou. Respirou duas ou três vezes com muita força e deixou cair o chicote:

Tens razão. Celebremos, primeiro, as bodas! Traze-la aqui! Pippa não se fez rogada. A despeito da defesa desesperada de Fiora,

arrancou-a ao seu abrigo precário e forçou-a a deitar-se na cama, onde a jovem imediatamente se enroscou. O seu coração batia-lhe com toda a força no peito, porque, com um grito de raiva, Pietro voltara a pegar no chicote e fustigava-lhe os ombros e o dorso que ela lhe oferecia. Ele ia voltar a fustigar, mas o Mulherão, compreendendo que ele era capaz de matar a sua preciosa pensionista, deteve-lhe o braço.

Já t’aconselhei a teres um pouco de paciência, senhor! É inútil bateres: o sangue sujar-te-ia. Eu seguro-ta!

Segura-a bem, então! Ela é capaz de me arranhar!

Não receies! Eu trato disso. Despe-te! e, em voz baixa, sussurrou ao ouvido de Fiora: Por amor de Deus, deixa-t’ir! El’é capaz de te matar!

Que Pippa invocasse o amor de Deus num tal lugar e num tal momento era significativo da sua inquietação, mas não precisava da ajuda de ninguém: precisou de pouca força para quebrar a resistência da infeliz, que se viu estendida de lado na cama com os ombros e os braços solidamente seguros.

Entretanto, Piero tirara o seu grande manto, que atirou para um canto:

Eu nunca me dispo para desflorar uma rapariga. Elas acham esta roupa mais agradável. Excita-as!

O gibão que ele trazia estava, com efeito, constelado de pequenas placas de ferro pontiagudas, que, sem causarem ferimentos graves, deviam arranhar cruelmente a pele das suas companheiras.