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Um homem abriu perante os recém-chegados a pesada porta de grandes pregos de ferro ferrugentos que fechava a casa. Era tão baixo e atarracado como Demétrios era alto e magro. Tinha um rosto quadrado, de nariz partido e expressão atrevida. Com o pescoço grosso, os ombros poderosos e a boca forte era bastante mais novo do que o seu patrão e devia ter 35 anos. Uns cabelos negros, duros e rebeldes completavam a personagem, que os acolheu com uma alegria tão evidente quanto aliviada:

Pensei que nunca mais voltasses, patrão! disse o homem. Sua Senhoria de Médicis perguntou por ti duas vezes...

E tu, que respondeste?

O que tu me disseste: que tinhas ido a Prato para tocar na Sagrada Cintura com um bálsamo que tinhas feito para os rins dolorosos de madonna Lucrezia, a mãe de Sua Senhoria...

E da segunda vez?

Que ainda não tinhas regressado...

Óptimo aprovou Demétrios com um meio sorriso. Fiora acrescentou ele pousando uma mão no ombro do seu criado apresento-te Esteban. É de Toledo, em Espanha. Foi lá que o encontrei há alguns anos. É ao mesmo tempo meu assistente, meu mordomo, meu jardineiro, executor das minhas vontades e, também por vezes, os meus olhos e ouvidos... Tu não o conheces, mas ele conhece-te bem... Foi ele que, numa certa noite de Inverno, viu umas pessoas dirigirem-se ao convento vizinho e saírem de lá... numa ordem diferente. Juntamente com Samia, uma escrava egípcia que o palácio Médicis me emprestou e que é, felizmente, muda, compõem a minha criadagem.

Esteban saudou com uma flexibilidade inesperada num homem tão pesadamente constituído e depois bateu as palmas. Uma grande rapariga de pele escura, vestida com uma túnica azul-escura e presa nas ancas por um lenço vermelho-vivo, apareceu e inclinou-se:

Esta é donna Fiora disse-lhe o grego. Deverás servi-la tão bem como a mim mesmo. Ela está esgotada de fadiga, está suja e tem fome. Sabes o que tens a fazer. Queimarás a roupa que ela traz vestida e tratarás, como te ensinei, os ferimentos que tem no corpo. Quanto a ti, Fiora, deves repousar e, antes de tudo, esvaziar o espírito. Dorme até te apetecer. Não há melhor remédio.

Depois de se ter inclinado de novo, Samia pegou na jovem pela mão. Juntas, atravessaram a entrada, que era uma grande sala caiada de branco sem outro ornamento que não umas abóbadas de arestas pintadas de vermelho e azul. O solo era feito de pequenos tijolos e nas paredes estavam penduradas arreios de cavalos, rédeas, cabrestos e chicotes, por cima de utensílios de jardinagem pousados por terra... No extremo daquela sala, que devia ter sido em tempos uma casa da guarda, uma porta dava para um pequeno pátio, por onde se entrava para a habitação propriamente dita. Samia dirigiu a sua companheira para a grande cozinha, onde pairava um perfume provocado pelo guisado que fervia numa marmita por cima do fogo e pelas tranças de cebolas, alhos, pimentos e ramos de tomilho, loureiro, manjerona e alecrim que pendiam da abóbada.

Sabendo que qualquer conversação era difícil, senão impossível, Fiora deixou-se conduzir. Samia despojou-a das roupas, que atirou para um canto para as queimar mais tarde, meteu-a numa grande tina onde a lavou em muita água, secou-a rapidamente, vestiu-lhe uma camisa fina de algodão e pantufas de veludo um pouco grandes de mais, mas confortáveis e instalou-a à mesa para lhe servir uma grande escudela do seu guisado de carneiro com ervas, uma grande fatia de queijo e pequenos bolos de amêndoa, tudo regado com um generoso Chianti, que devolveu as cores às faces da evadida dos bairros de má fama.

Fiora, que literalmente devorou aquela deliciosa refeição, sentiu de imediato a fadiga do corpo e do espírito. Deixou-se levar docemente até um quarto no andar superior, onde só viu uma coisa: uma cama muito branca esperava-a, aberta. A jovem deitou-se com uma sensação de felicidade nos lençóis que cheiravam a lavanda e adormeceu mal a sua cabeça repousou na almofada.

Samia ficou por uns instantes junto dela e depois, constatando que dormia, correu as cortinas do leito e saiu do quarto para se juntar na cozinha a Demétrios e Esteban, que, por sua vez, já se tinham sentado à mesa. O médico grego tinha tirado os trapos e vestido um dos seus trajes de veludo negro de que tanto gostava, após ter feito uma toilette rápida na fonte do jardim.

Enquanto Esteban cortava grandes fatias de pão que estava em cima da mesa, Demétrios encheu uma taça de vinho, que bebeu lentamente com a visível satisfação de um homem que há muito não saboreava nada tão bom:

A hospitalidade dos nossos amigos mendigos é generosa, mas os costumes não são os mesmos. É bom regressar a casa...

O médico atacou com apetite o guisado que a sua escrava lhe serviu, bebeu mais um copo e virou-se para Esteban:

Fizeste o que te ordenei?

Sim, patrão... No outro dia, quando as duas jovens partiram para o convento de Santa Lúcia, aproximei-me do homem que me tinhas designado...

Marino Betti, aquele que, a despeito do seu juramento, contou a história de Beltrami na Borgonha à dama Pazzi?

Fica tranquilo, que não cometi erro nenhum. No meio daquela gente, que falava toda ao mesmo tempo, ele tinha um ar desorientado. Então, brinquei aos entusiastas. Disse-lhe quanto o admirava por ter cumprido o seu dever de cidadão de Florença e até de cristão ao denunciar a fraude cometida pelo falso Beltrami, desprezando assim os seus próprios interesses, porque com essa atitude ia perder uma intendência que não lhe devia dar tão pouco dinheiro como isso... As minhas palavras tiveram o condão de lhe fazer subir o moral, ainda por cima porque os outros tinham tendência para se afastar dele. Partimos juntos...

Esteban deteve-se para beber um gole de vinho.

E depois? perguntou Demétrios.

Fomos para uma taberna de marinheiros na margem do rio e eu mandei vir de beber. Ele despejou duas taças uma atrás da outra, como alguém que tem grande necessidade. Naturalmente, voltei a servi-lo, ao mesmo tempo que tentava fazê-lo falar, mas ele só me respondia por monossílabos e havia medo no seu olhar, que lançava por cima do meu ombro. Ele voltou a beber, mais lentamente. Então, mandei vir pão, presunto e queijo, dizendo sempre que não era bom beber com o estômago vazio e também nisso ele esteve de acordo. Começámos a comer. Eu tirei a minha faca e ele a sua, mais ou menos igual à que me confiaste...

A do assassino!

Sim, mas a dele tinha um cabo de madeira, em vez de corno. Bebemos mais e eu fingi que estava bêbedo.

E ele?

Ele é um antigo recoveiro: aguenta bem, mas, mesmo assim, começou a vacilar um pouco e eu pensei que tinha chegado o momento. Pus-me a fazer grandes gestos e a faca caiu da mesa abaixo. Baixei-me para a apanhar e troquei-a pela outra. Ele não pareceu ter-se apercebido, de imediato, da troca. E depois, subitamente, viu-a. Ficou muito pálido e eu até pensei que os olhos lhe iam sair da cabeça. Levantou-se bruscamente e pegou na arma para me esfaquear, mas eu estava prevenido e evitei o golpe. A mesa virou-se e vimo-nos frente-a-frente, armados. Ele olhou para mim com olhos de louco, mas eu esperei por ele. Pus-me a rir e disse-lhe: «Disseram-me que as pessoas daqui têm muito medo dos fantasmas. Qualquer coisa me diz que não voltarás a dormir tão bem como antes! Um patrão traído e assassinado deve ser um espectro bem desejoso de vingança!» Não pensei que provocasse um tal efeito. Se alguma vez vi o terror no rosto de um homem, foi dessa vez. O homem recuou como se o fantasma em questão se erguesse entre ele e eu e desatou a fugir, como se todos os diabos do inferno lhe fossem no encalço.

E tu, que fizeste?

Deixei-o ir... e paguei os estragos concluiu Esteban com filosofia. Ainda pensei correr atrás dele para o matar, mas, em plena rua...